Nem sempre são interessantes estas iterações de suspirar. Mais um Call of Duty. Mais um FIFA. Mais um Battlefield. Mais uma cópia de um clone de uma reestruturação do ano anterior. A dada altura, dei por mim a jogar Call of Duty Modern Warfare II com frequência. Jogava-os desde os primórdios, desde os seus primeiros passos. Call of Duty. Battlefield. Medal of Honor. Nunca virei o nariz a nenhum (até este último Medal of Honor que achei exasperantemente mau) mas, a dada altura, afastei-me. Creio que foi por alturas dos Black Ops. A premissa não era má, mas a dada altura, encontrava-me a combater indivíduos que voavam ou saltitavam entre as paredes, disparando armas psicadélicas com corzinhas de quem andou a dar no LSD mais do que deveria. Não é para mim. Se vou jogar um jogo de guerra, espero guerra. Algo que Battlefield 4 e Battlefield 1 me trouxeram mais ou menos pela altura em que me afastei dos CoDs.

Mas Battlefield 1 tem os seus quês que expliquei AQUI e AQUI. E nem o 4 me conseguiu agarrar como o 3 fizera, há uns anos, alturas em que um grupo de vários amigos partilhava comigo umas horas de actuação conjunta, com batalhas acesas pela posse de pontos de controlo, usando todo o arsenal de armas e todo o manancial de veículos disponíveis. Isso perdeu-se um pouco com o 4. Perdeu-se de vez com o 1. Então, depois de anos depositado na gaveta do “deixa pra lá”, eis que Call of Duty: WWII surgiu aqui, com uma promoção, a acenar-me timidamente. E eu falei com ele.

  • Mas tu… tu já me deixaste ficar mal!
    • Mas olha que agora é na segunda guerra mundial! Tu gostas!
  • Não tem armas espatafúrdias?
    • Não.
  • Nem saltinhos à Crouching Tiger, Hidden Dragon?
    • Também não. Juro.
  • E não sou um brutamontes invencível?
    • Não! Oh! És um soldado! Só mais um entre muitos!

(abre-se a página do jogo no Steam…)

  • Que é isto?!
    • O… o quê?
  • Esta porra!

(timidamente olhando para o chão, revirando os dedos e desenhando uma árvore na terra do chão com a ponta do pé direito) :

– O quê? Não sei de que estás a falar….

  • Desta porra! Desta merda! Porque é que a primeira imagem que surge depois dos trailers é de um morto-vivo com um uniforme desfeito?! Por… Porque é que o resto..? ISTO É TUDO ASSIM?!? Olha! Olha para esta merda! Esqueletos, zombies, mortos-vivos, que raio de jogo é este?!?!?!
    • É… é só um modozinho de jogo…
  • De quê? Do Wolfenstein? Do Doom? Do Resident Evil?
    • Não… é tipo, a modos que do género tipo…. são tipo, coiso, tipo zombies nazis…
  • Zombies com inclinações políticas, portanto?
    • Não, quer dizer, sim, mais ou menos, são mortos-vivos normais, como os outros, vá, mas estes são nazis. São maus porque são nazis e são maus porque são zombies, ‘tás a ver?
  • Bela ideia de merda!
    • Mas olha! Segunda guerra mundial!! Tem a BAR, tem a Garand, tem a Kar 98K…
  • E não se vai tornar uma tempestade de cocó com zombies e parvoíces?
  • Não! E… E está em promoção!

E eu cedi.

Desembarque na..? Na..? Rima com “tia”!

Graficamente o jogo cumpre com aquilo que se espera de um jogo do género actual. Bom áudio a colocar-nos de forma vívida no campo de batalha. A já tradicional cena-choque do desembarque na Normandia, mostrando a violência, a morte, a aleatoriedade e a falta de valor da vida humana quando valores políticos, monetários e ideológicos mais altos se levantam. Está feita competentemente e, não houvesse O Resgate do Soldado Ryan e perto de trinta jogos a retratar o mesmo de forma incrementalmente violenta, teria de facto deixado uma pegada significativa.

Visualmente soberbo. Falta o resto.

A história coloca-nos na pele de um soldado. Entre o companheirismo dos nossos colegas de armas, a hostilidade do nosso superior e as balas inimigas, lá vamos avançando contra os vis Nazis, missão após missão. Mixed feelings por aqui. Por um lado, é bom voltar a pegar em armas antigas, inspiradas na realidade, num ambiente plausível. Rever a M1 Garand, a Kar 98K, a Grease Gun, a B.A… Coisas boas para quem entretanto se fartou de ver armas psicadélicas com raios e granadas que se colam aos sovacos dos inimigos. É também de louvar a retirada da componente “esconde-te um bocadinho que isso passa” que anda(va?) a assolar a generalidade dos shooters.

  • Levaste um balázio no peito? Encosta-te aí 5 segundinhos e já ficas bom! Isso passa, não sejas mariquinhas. Uma granada explodiu a metros de ti e vês tudo vermelho? 5 segundinhos!

Call of Duty: WWII deixa-se disso. Podemos curar-nos, de facto, com ligaduras que temos que aplicar. Não são imediatas e requerem que estejamos relativamente escondidos. Também não são ilimitadas. Podemos ir pedindo a um dos nossos companheiros, de tempos a tempos, mas temos que saber geri-las. Pode não parecer muito, mas é um pormenor importante para quem se andava a fartar de brincar ao esconde-esconde-que-o-dóidói-passa. Mas adiante, gráficos soberbos e áudio a condizer compõem o ramalhete de coisas boas deste jogo. A história não é má, ainda que previsível e linear. E é precisamente na linearidade que CoD:WWII encontra o seu maior defeito. Saltemos para o exagero, quase era possível não usar as teclas para jogar. Os níveis, o progresso, as missões, são feitos e apresentados de forma tão absurdamente linear que quase poderíamos dizer que não precisamos das teclas. Estamos limitados por um raio de acção absolutamente diminuto. Esqueçam aquilo que poderia tornar um jogo de guerra em algo intelectualmente desafiante: improvisar, flanquear, gerir tacticamente o campo de batalha. Nop.

querias!

Não há. Não dá. Nope. Sit back, relax and enjoy the ride. É um tributo à estupidificação. Não há que pensar, não há que ser esperto ou manobrar. É apontar e despachar. No fundo, é uma espécie de Serious Sam com uma skin de jogo de guerra real. Oh, vamos experimentando armas novas aqui e ali, para variar. Nesta zona faz falta uma sniper? Toma lá duas. Escolhe a que gostas mais e usa-a aqui. Não tentes fazer outra coisa. Não vai dar e estamos a borrifar-nos para o que tu queres. Já está? Pronto, agora vais passar 3 minutos a disparar contra aviões com esta bateria anti-aérea. Aqui, neste sítio. E vais disparar para onde nós mandarmos. “Os aviões vêm pela direita”. Dispara para a direita, sff. “Agora dois pela esquerda”. Dispara para a esquerda, sff. Obrigado, grande abraço, volte sempre, vamos agora passar para o plano de diversão número trinta e quatro entitulado “como usar um lança-chamas”… e por ai em diante. É entediante. É uma Barbie. Bonita por fora, vazia por dentro.

É favor seguir em filinha pirilau pelo caminho. Nada de sair fora, senão estraga.

Para piorar, os clichés. Oh, os clichés. O momento Platoon.

A inclusão de um soldado de cor, que é de cor, e que serve para mandar uma pequena mensagem contra o racismo. Porque ele é de cor. E negro. E há quem não goste de um soldado de cor estar ali a lutar no meio deles, porque ele é de cor. Mas oh, o rapaz – de cor – até não se safa mal e o nosso camarada que fez comentários racistas acaba por admitir que o rapaz de cor até deu um jeitinho, apesar de ser de cor, e que toma lá o bacalhau para tu apertares e ele aperta naturalmente, porque racismo é, tipo, mau, ’tás a ver?

Esta falta de subtileza denota falta de cuidado e também falta de consideração para com os jogadores. Mas pronto, eu joguei a campanha até ao fim. E fiquei a saber que os nazis são maus. E que tinham campos de concentração e campos de trabalho. E que os malvados nazis são mesmo malvados e que abatiam os seus prisioneiros de guerra, porque é isso que os malvados fazem. Mas oh – e perdoem-me aqui o spoiler – eis que conseguimos salvar o nosso companheiro. Todos os outros prisioneiros foram executados, mas o nosso colega, o nosso amigo que fez com que andássemos atrás dele durante metade da guerra, seria o último a ser executado e nós chegámos a tempo, no único caminho possível para lá chegar e oh, ainda fomos a tempo de o salvar. Morreram os outros trezentos?

O nosso amigo está vivo. E lá vamos nós, novamente reunidos, com um novo companheiro de cor a dar um ar cool à coisa, para casa. E é isto. Está despachada a campanha. Saltem lá para aquilo que querem vender. O multiplayer!

Esta. Foi. A. Maior. Desilusão. Do. Jogo.

Lembram-se do CoD:MW? CoD:MW2? CoD:MW3? Pronto, usem uns mapas novos, dêem um reskin aos modelos e às armas. Está feito. Siga a marinha. A coisa deve ter ocupado uns 15 minutinhos a planear e estruturar. Retribuí, educado que sou, e dediquei-lhe os mesmos 15 minutos do meu tempo. O suficiente para ver que não há nada de novo. Nada. Não é mau, note-se. Passei horas a fio em torno dos antigos multiplayer em CoD. Horas. Mas a dada altura, a gente farta-se e quer alguma coisa nova. E não, não me refiro a armas com mira laser, MP3 e sandes de atum incluídas, nem a soldados que voam por 10 segundos ou que se transformam no Predator invisíveis. Refiro-me a modos de jogo diferentes, a campos de batalha maiores, melhores, dinâmicos. Coisas que montem um verdadeiro campo de batalha, não um mini-campo de paintball para ver quem tem o chapéu mais bonito. Insípido, desinteressante, repetitivo. Passo.

Houve também um momento com aviões. Tão mal feito que envergonha jogos como World of Planes ou War Thunder.

Resta falar do modo de zombies. Aquilo que faz tanta gente gostar de CoD:WWII. Aquilo que aparece em destaque na promoção do jogo. Os zombies nazis. Mas, para jogar jogos de zombies,Left 4 Dead, há State of Decay, há DayZ, há setenta opções que não se limitam a um survival mode confinados a um espaço do tamanho de um quintal. Não. Não, não não. Há jogos que fazem melhor. E centram-se nisso! E chega! 

Call of Duty: World War II não é um MAU jogo. Tem coisas boas. Mas é uma espécie de serviços mínimos encafuados à pressa na caixa de um jogo para vender. E, para serviços mínimos, preços mínimos. Se o conseguirem comprar em promoção e se gostam de dar uns tirinhos sem exigir mais intelectualmente do que se exige a um participante da Casa dos Segredos, força. Comprem. Joguem. E tomem um banho depois.

Ao menos salvamos o nosso amigo. Senão, nem isso se safava.