Eu tentei muito e fui buscar paciência onde nem sabia que ela existia, e nem precisam de assistir ao episódio todo do Caça ao Indie da passada terça-feira para o perceberem. O esforço a que me obriguei para continuar a jogar Distortions, quando o bom-senso já me pedia para parar no meio de uma das produções mais bugged que tive o desprazer de jogo, onde praticamente nada conseguia manter-se à tona de um festival de mediocridade. Este jogo foi desenvolvido pelo estúdio brasileiro Among Giants e queria viver no mesmo ambiente onírico dos jogos de aventura do início do milénio, do qual os jogos de Benoît Sokal são o maior e melhor exemplo. Por várias razões este Distortion nem aos pés desses exemplos chega.

Que um estúdio independente tenha limitações orçamentais e de recursos humanos é algo perfeitamente compreensível. Ao ritmo que tenho vivido de jogar centenas de jogos anualmente (maioritariamente indies) sinto que um dos grandes segredos dos melhores jogos independentes, como em quase tudo na vida, é a sua capacidade de auto-reflexão e de auto-identificação das suas fraquezas, e utilizá-las a seu favor. Essa pode ser uma das razões pelas quais alguns jogos indie tridimensionais tenham uma linguagem e uma direcção artística únicas. A sua forma de contornar não só a vontade como o possível erro de criar algo putativamente realista.

A tentativa que Distortions tem de criar um mundo onírico, surreal, com uma expressão de realismo é uma das suas grandes falhas. Não precisamos de muito tempo para perceber as suas notórias limitações e falhas técnicas, o que inclui a protagonista que parece um modelo 3D construído por defeito através tutoriais de software de modelação, parecendo uma versão genérica das personagens principais dos jogos criados pela Dontnod. 

As animações sofrem do mesmo problema que a modelação tridimensional, com sequências quase risíveis para um jogo de 2018, em nada auxiliadas pela terrível câmara que o acompanha. Havia um pecado capital na passagem dos jogos de aventura para o 3D e quase sempre se resumia à forma histriónica como a câmara ia mudando para dar a ideia de passagem de ecrã. Distortions foi buscar esse mesmo elemento numa câmara que vai mudando de ponto de vista e que interfere na já terrível movimentação da protagonista pelo cenário, e na quantidade de vezes que caímos pelos buracos que o terreno tem.

Estas mudanças de câmara poderiam ser interessantes mas pouco trazem ao jogo que não seja mais uma facada no seu ritmo. Entre alternar de uma visão sobre o ombro, uma aérea e uma de side scrolling quando somos apresentados às criaturas das sombras que nos podem matar, percebe-se que estas alternâncias todas são um maior sinal de que Distortions está “por todo o lado”, não estando, na realidade, em lugar nenhum.

Isto pode parecer anormalmente mesquinho da minha parte que raríssimas vezes foquei a atenção de uma análise nas qualidades ou deficiências técnicas de um jogo, mas Distortions é um daqueles exemplos em que quase tudo está feito de forma medíocre ou terrível.

Conceptualmente existia aqui muito pano para mangas, com a história trágica e traumática de reconstrução das memórias da protagonista, no qual ora nos é criada a vontade para saber mais como nos é dado espaço para cogitar sobre o realmente aconteceu. O problema disto é que tanto nós como os membros do estúdio Among Giants já vimos este tipo de abordagem ser feita de forma exímia, sendo que The Last Day of June é um dos melhores e mais recentes exemplos. E se tudo o que esse jogo fez de bem em oposição a Distortions é que consegue conectar-nos com um bom ritmo narrativo e emocional, ao contrário deste que nos quer levar por uma montanha-russa descabida que a noção de ritmo e investimento afectivo descarrila nos primeiros segundos.

A outra componente que é um dos selling points do jogo é a inclusão de uma camada de music game à la Guitar Hero em que usamos o violino para restabelecer parte do mundo, com um sistema musical que bem conhecemos. O problema? É que esta componente, assim como o papel do violino em toda a trama parece excessivamente martelada e desconexa com todo o ambiente geral do jogo. E nem sequer é tão aproveitada quanto deveria, remetendo-se apenas para uns puzzles desenxabidos. 

Há, porém, momentos em que o jogo funciona. Como disse na experimentação ao vivo no Twitch, senti que os momentos passadas na casa da protagonista em que o ambiente era todo branco sem texturas poderia ter sido uma melhor abordagem generalizada ao jogo, e de alguma forma impedia-o de parecer visualmente tão genérico e tão pouco identificativo como é. De uma certa forma poderia ajudar a estabelecer a ideia do mundo fragilizado e despedaçado das memórias que tentamos reconstruir e teria, certamente, um melhor resultado que a tentativa falhada de ir por um caminho mais realista. O contraste com o mundo exterior onde nos movemos, com texturas e ambientes tão banais quanto a visão que temos hoje de um jogo feito em 2000 não seria de todo a melhor aposta.

Mas dentro de todos os terríveis falhanços de Distortions, há um elemento onde o jogo é verdadeiramente exímio: a banda-sonora. Se o sound design em geral é tão mediano quanto o resto do jogo, as músicas e as composições originais que o acompanham são verdadeiramente soberbas, demonstrando que aquilo que é um jogo medíocre poderia ser na realidade um excelente álbum de música ambiente.

Não vou desculpar as terríveis falhas de Distortions com o tamanho da sua equipa ou o orçamento disponível porque seria injusto para tantos outros excelentes jogos que fizeram mais e melhor com tanto ou menos. Há potencial perdido, há uma irrealista identificação das capacidades técnicas dos seus criadores e uma terrível noção de ritmo, num jogo que pelas dinâmicas emocionais necessitava de ser mais limado do que é. Mas há aqui a salvar a casa de este ser um dos piores jogos que joguei este ano uma excelente banda-sonora. Perdeu-se um potencial óptimo jogo independente, demasiado caro para a falta de qualidade que tem, mas ganhou-se um óptimo álbum para ouvir enquanto se trabalha. As distorções da vida são assim mesmo.