Caçada Semanal #155

De todas as manias presentes no título só tenho mesmo o hábito de pedir café cheio e indies, e acho que nunca me aconteceu pedir ambos ao mesmo sítio. Para os pedidos de café mais bizarros e complexos que já vi, acredito que fosse possível uma coisa destas acontecerem. Se ainda acho que um café cheio não é um pedido exótico, sempre estranhei quem pedia chávena fria, quente, mas era sobretudo a parte do princípio e fim que me soava a invocação lovecraftiana, e sempre esperei que o cheiro do grão torrado do café prenunciasse a vinda de um dos Antigos.

As pessoas são estranhas, e, diria, ainda bem. Os jogos de estratégia são menos estranhos, e regra geral cosem-se com linhas muito idênticas entre si, quase sempre baseadas em exemplos herdados do apogeu do género, na década de 1990. Não são, porém, o exemplo dos 2 jogos por turnos que trazemos hoje e que devem ser servidos como um bom café: cheios, quentes, e sem açúcar.

March to Glory

Para quem conhece o nicho ocupado pela Slitherine, sabe que regra-geral o seu catálogo é muito direccionado a entusiastas dos jogos de estratégia e dos jogos de guerra, cuja complexidade tenta responder às suas exigências tácticas. O problema é que o nível de entrada nestes títulos costuma, por consequência, ser proibitivo a neófitos dos géneros, ou a meros curiosos.

March to Glory move-se pela Europa do início do Séc. XIX, onde Napoleão entrou em guerra para expandir o Império Francês, trazendo uma interpretação mais “leve” dos palcos em beligerância das Guerras Napoleónicas. E para além da campanha single player com batalhas históricas, é mesmo a componente multiplayer o seu grande alvo.

Desenvolvido pelo sobejamente conhecido Shenandoah Studio, criadores de Drive to Moscow e Battle of the Bulge, o que Mach to Glory tenta apostar é em despir-se de algumas complexidades que tornam estes jogos inacessíveis a grande parte do público, mantendo a essência de um wargame com alguma profundidade.

A vista de tabuleiro deste jogo com os segmentos de mapa a serem recortados ao estilo do clássico Risk (e demais congéneres) renegando os hexágonos que parecem dominar muitos dos jogos de estratégia por turnos. Esta mudança, acredito, ajuda a tornar o jogo mais próximo do público exterior aos wargames, pela sua habilidade de ser mais imediatamente reconhecível.

Stormland

Desenvolvido por uma equipa de dois, Antonin Deudon e Alexandre Pointet, Stormland é um jogo de sobrevivência por turnos que está em Beta no itch.io e que apresenta um pequeno twist ao género.

O primeiro passa pelo setting, em que temos um número reduzido de pessoas náufragas numa ilha e temos de utilizar todos os recursos disponíveis para reconstruir a Humanidade. Um futuro plausível num mundo em que temos um Presidente dos EUA como Trump.

A forma como Stormland nos apresenta cada turno é através da gestão e do gasto de energia em cada um dos personagens, sendo que aqui o cansaço é representado pelo número de horas que cada um dos nossos humanos consegue trabalhar. Findas essas horas já não tem mais energia, ou seja, acções disponíveis até ao próximo dia. Cada acção requer um número de horas para ser efectuado, e há muitas outras que necessitam de especializações que nem todos os personagens têm.

É neste sistema de estratégia e de racionamento não só dos recursos mas também da “energia” limitada por dia/turno que temos progressivamente de ir evoluindo a civilização possível de ferramentas de pedra até à mecanização, sobrevivendo a intempéries e às usuais fraquezas (reais) como fome, cansaço e doença.

Há algo que joga e muito a favor de Stormland: a circunscrição ao espaço da ilha e que permite o foco na gestão e procura de recursos, ainda que (pelo menos para já) todas as acções sejam resolvidos com cliques, com os personagens ausentes do mapa. Um jogo em Beta que está a ser trabalhado por estes dois autores e que é um take subtil mas coeso nos jogos estratégia a roçarem os survival games, e que tem muito potencial para ensinar algumas ideias a tantos outros jogos que se limitam a repetir as fórmulas corriqueiras.