Caçada Semanal #158

A pixel art é coisa para me fazerem as lágrimas rolarem pelo rosto, como algumas músicas do Steven Wilson ou os programas de debate desportivo da TV. No caso da pixel art eu até sei de onde a coisa vem: de reconhecer por um lado a nostalgia dos exemplos com os quais cresci, e por outro as verdadeiras maravilhas artísticas e técnicas que muitos dos ilustradores e animadores indie conseguem com as ferramentas disponíveis no mercado.

Os 3 jogos indie da semana são dos melhores exemplos de utilização de pixel art em jogos interessantes, e que demonstram toda a força desta abordagem estética, em jogos adultos e com temas pesados.

The Long Reach

Há tanto a agradecer aos developers indie actuais por quererem puxar o género dos jogos de aventura para lá das meras imitações humorísticas do que de melhor a Lucas Arts fez. The Long Reach, do estúdio Painted Black Games, não só é uma demonstração exímia das capacidades artísticas dos membros do estúdio em termos de pixel art, mas também um grande exemplo de como contar uma excelente história utilizando recursos nostálgicos, e ao mesmo tempo, fazê-los soar contemporâneos.

A primeira decisão excelente é a forma como o estúdio decidiu pensar The long Reach para além dos limites clássicos do PC. Visto que nos movemos em bidimensionalidade (com alguns óptimos efeitos de paralaxe), o que o jogo fez foi que em cada cota corresponderia apenas a 1 objecto com interface, o que significa que sempre que nos movemos iluminam-se objectos que têm interacção connosco, sem necessitarmos de pixel hunting com rato ou botões analógicos.

A segunda é a própria aura do jogo brilhantemente captada do cinema de Carpenter e traduzida de forma exímia para pixel art. O enredo de horror psicológico onde até podemos morrer se tomarmos as decisões erradas (e um rotundo “You died” a vermelho surge no ecrã) ajuda-nos a mergulhar numa excelente história cheia de suspense, com diversos twists e com uma tensão constante que nos acompanha desde o primeiro minuto.

The Long Reach é indubitavelmente um dos melhores jogos de aventura/thrillers psicológicos da actualidade.

The Thin Silence

Com tantos jogos a apelarem a temas sérios, The Thin Silence é um conto de depressão e culpa, e que nos põe a viver a pele de Ezra, cuja terra por si liderada entrou em guerra civil. A sua reclusão auto-imposta serve de metáfora para o tema subjacente a todo o jogo, que variadas vezes nos lembra que a depressão é um problema para quem o sofre, e que apesar de não parecer, nunca está sozinho.

A pixel art de The Thin Silence é de um nível soberbo e ajuda a criar esta ideia de isolamento, por entre o cenário negro e solitário. Aborda temas sérios como o suicídio da forma certa, com uma melancolia contagiante que passa de Ezra para nós, e que é por vezes entrecortada pelos puzzles que vamos resolvendo.

Depois de iniciativas como o “nosso” Games for Good, é interessante ver que um jogo com uma temática tão séria pudesse simultaneamente aliar criadores e uma organização não-governamental que se debruça sobre a depressão e o suicídio, permitindo que os videojogos sejam mais uma vez um veículo de uma discussão séria.

The Thin Silence é um bom jogo cuja tentativa de nos pôr a falar de algo tão pesado pode muitas vezes tornar o próprio enredo evasivo. Mas o sofrimento da depressão também é isso: um refúgio da admissão da sua existência, escudando-se na melancolia e na escuridão.

STAY

Passando ao lado o facto de que raramente consigo pensar ou dizer o nome deste jogo em letras capitulares sem me lembrar da maviosa voz de Morken Harket a cantar a maravilhosa Summer Moved On, e caindo directamente no que este STAY, do estúdio Appnormal Games faz de bem. Já agora: sabiam que o record de nota mais longa registada numa música que entrou alguma vez nos charts mundiais está nesta Summer Moved On? Grande Morten!

STAY fica no ponto médio entre os dois jogos anteriores, por um lado por trazer um thriller psicológico (mas infelizmente não tão eficaz quanto The Long Reach, que sintetiza na perfeição o ambiente carpenteriano em pixel art) e The Thin Silence (mas não se focando unicamente na temática da depressão).

Em STAY controlamos um terapeuta deprimido que é raptado e colocado numa sala escura, sem explicação de porquê ou por quem. Cabe-nos a nós (já que o jogo é auto-consciente e se dirige directamente a quem está a jogar) a missão de manter a sanidade do protagonista, e conduzi-lo à sobrevivência com uma série de tomadas de decisões.

Há um discurso pesado que acompanha todo o jogo, com as nossas resoluções de puzzles e escolhas a servirem para tecer um final único para Quinn, sempre com um foco muito grande na força emocional de todo o jogo.

STAY é um dos 3 curiosos exemplos que nos chegaram praticamente ao mesmo tempo e que demonstram a maturidade dos jogos de aventura clássicos mas feitos nos dias de hoje, as suas possibilidades narrativas e a maravilhosa força de uma pixel art exímia.