Quando damos por nós a assumir o papel de Mestre de Jogo, e dependendo do quão imersos estamos, diria que é só uma questão de tempo até deixarmos de optar por material já existente e começarmos a incluir nas nossas sessões toda uma série de elementos banhados (figurativamente) no nosso sangue, suor e lágrimas.

Quer seja um item, um arquétipo ou até mesmo uma nova classe, por vezes deparamo-nos com ideias que são simplesmente boas demais para serem dispensadas. Está é certo que adaptá-las a este formato pode ter o seu grau de dificuldade, ou pelo menos de exigência.

Há dois aspectos que são importantes e cuja importância varia consoante o que está a ser criado. Refiro-me à mecânica/utilidade e à relevância narrativa. Desconstruindo, no primeiro debatemo-nos com o funcionamento da criação, os atributos que lhe são associados e demais benefícios e malefícios. No segundo, tratamos de abordar o sentido da criação no setting que se está a usar.

No que toca a itens e afins, diria que a componente narrativa é quase que secundária, uma vez que podemos facilmente criar algo oriundo de um outro plano de existência ou de uma realidade paralela e tê-lo a funcionar bem de um ponto de vista mecânico. Pode parecer estranho, até visualmente, mas é algo que pode ser feito sem grandes prejuízos. Agora, de um ponto de vista mecânico, temos que nos certificar que a criação introduz efectivamente algo interessante para o jogo e para a personagem que eventualmente irá apoderar-se de si. Contudo, o interessante tem que ter limites e respeitar uma série de parâmetros. Não queremos criar algo fraco ao ponto de ser considerado inútil, nem algo forte ao ponto de conseguir quebrar o jogo. De forma a evitar o último ponto, é sempre bom impingir limitações, como por exemplo, usar a habilidade especial (ex.: critical hit automático) uma vez por dia, ou necessitar de um alinhamento específico para poder usar essa mesma habilidade. Uma outra forma deveras interessante de cumprir este mesmo objectivo, é amaldiçoar aquele que se liga ao item, maldição essa que é apontada depois de uma investigação especializada, ou simplesmente quando é tarde demais.

Quando falamos em classes e arquétipos, a questão muda um bocado. A relevância narrativa começa a ter um destaque maior, apesar de se poder na mesma recorrer ao exemplo acima. Quanto à classe em si, convém termos uma ideia e uma razão para a implementar no nosso setting. Pessoalmente, e dentro do projecto Rola Iniciativa, criei a classe do Grave Digger para Dungeons & Dragons 5e. A ideia para esta classe resume-se à imagem de uma figura que vagueia pelo mundo de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, com uma pá ao ombro e a certificar-se que os mortos ficam mortos e que ninguém escapa ao ciclo natural da vida. Quanto à implementação no universo de D&D, à partida o Grave Digger não irá prestar vassalagem a nenhuma entidade (podendo haver excepções) e não é daí que ele vai buscar o seu poder. Para ele há apenas dois tipos de pessoas, independentemente da raça: as vivas e as mortas. E seja qual for a fé professada, ele vai sempre certificar-se que o seu trabalho fica bem feito.

De um ponto de vista mecânico, convém olhar para o que já existe e procurar algo que assemelhe a linhas de orientação. Algo que nos sirva de base sustentável para adaptar o que já existe e criar algo completamente novo de forma mais confortável e segura.

Isto leva-me aos arquétipos. Como os mesmos vão estar directamente associados a uma determinada classe, podemos usar os já existentes como exemplo e fonte de inspiração para o que já está presente e como é que funciona. Da minha parte criei os arquétipos para Bard de D&D 5e College of Metal e College of The Drunk Poet. Peguei nas escolas já existentes e fiz delas a fundação destas, fazendo as alterações que me permitiam assegurar este fim. No primeiro caso, dar mais versatilidade à Inspiração, podendo usá-la mais que uma vez num turno, tanto para aliados (buffs) como inimigos (debuffs); e no segundo, uma série de habilidades, todas elas associadas a este particular estilo de vida, e que podem somente ser utilizadas quando se está num estado considerável de embriaguez.

Equilibrar tudo ao ponto de ser algo jogável sem riscos de arruinar a experiência de jogo pode nem sempre ser fácil, e mais vezes que não, iremos dar por nós a ter em mãos algo bastante poderoso. Mas, ainda assim, é preferível ter algo muito forte e ir limando arestas até estar como queremos do que ter algo muito fraco e ter que arranjar maneira de lhe dar algo mais.

Depois de termos a nossa ideia no papel e pronta a ser posta em prática, passamos para a fase do playtest onde se irá ver como é que tudo realmente funciona. Mas mais importante que isto, e uma vez que muito pode acontecer nesta fase, temos que estar abertos ao criticismo e procurar implementá-lo da forma mais favorável. Ao fim do dia, será sempre melhor termos algo aceite por todos através do feedback com o qual estivemos a trabalhar do que ter algo a ser rejeitado pela comunidade porque não quisemos dar o braço a torcer.