Não sei se agradeci o suficiente à pessoa que me falou inicialmente de Recettear, e me permitiu conhecer uma das melhores ideias a chegarem ao mercado indie no início desta década. A verdadeira frescura que este jogo criado pelo estúdio EasyGameStation trouxe de repensar a forma como abordamos os dungeon crawlers foi apenas a abertura para tantos outros que aprenderam com a sua inventividade e lhe seguiram as pisadas. Se a Whoopi Goldberg nos ensinou que para nos safarmos por vezes temos de ir do cabaret para o convento, Recettear e todos os jogos que lhe seguiram provaram que, à semelhança do que muita malta da nossa geração sabe, que por vezes um emprego não chega para pagar as contas.

Moonlighter foi lançado há 2 dias e é precisamente a mesma ideia de Recettear se deste tirarmos o visual anime e o humor mais demarcado. No seu lugar está um delicioso e detalhado jogo com uma aproximação mais retro, com uma excelente pixel art a embelezá-lo e a fazer-nos brilhar com o seu esplendor artístico.

Neste jogo do estúdio Digital Sun controlamos Will que herdou a loja Moonlighter do seu pai, mas que ao ver tantos aventureiros a recorrerem aos seus serviços acabou sempre por sonhar em ser um. E é isso que faz, num misto de cumprimento de um sonho e de maximizar os lucros já que ao ser ele próprio a trazer os materiais das dungeons para vender, quebra com a existência de um intermediário.

Temos de dividir o nosso tempo entre a gestão da loja e as incursões pelas dungeons. Daí o trocadilho do nome da loja moonlighter, em referência à expressão inglesa moonlighting que significa quem tem um segundo emprego, normalmente à noitinha. E de onde é que esta peça de trivia quase inútil vem? De há uns anos ter lido a explicação do título da magnífica série dos 1980s com o mesmo título e protagonizada por Bruce Willis e Cybil Shepherd, que em Portugal conhecemos como Modelo e Detective.

A componente de action RPG e dungeon crawling não tem grandes alterações ao que estamos habituados do género. Sem qualquer tipo de level up disponível, são as nossas sucessivas incursões em cada uma das 5 dungeons que nos vai dotar dos materiais necessários para o ferreiro da vila forjar-nos novas armas e armaduras. Para sairmos de cada dungeon ou matamos o boss final, ou utilizamos o medalhão dos lojistas ou do portal directo, mas mais caro (que através de um certo pagamento nos permite sair ilesos com todo o nosso loot do bolso e teleportar-nos directamente para a cidade) ou “morrendo”. Mas morrer, como na vida real, é coisa que não dá jeito, especialmente porque em Moonlighter sempre que somos derrotados deixamos cair todo o loot que apanhámos à excepção dos itens que temos nos bolsos. O que está na mochila cai por terra e desaparece para sempre, já que as dungeons se reconfiguram proceduralmente sempre que lá entramos. Cada vez que a nossa barra de HP se esgota no meio de uma aventura, com ela esvai-se também qualquer possibilidade de lucro com o nosso suado loot.

Esta gestão entre arrojo e ganância valeu-me vários “mas porquês?” exalados de forma mais proeminente. Aquelas incursões onde temos a mala quase cheia e do qual sabemos que vamos obter um bom lucro mas pensamos “vamos lá investigar mais uma sala” e acabamos por deitar tudo a perder. É neste fio-da-navalha da coragem e de deitar tudo a perder que se situa o dungeon crawling de Moonlighter e facilmente percebemos que basta um pequeno menosprezo pelos inimigos e aquilo que poderiam ser os materiais para um novo upgrade passam a decorar o chão empedrado da masmorra.

Se no combate as coisas são relativamente “tradicionais” até na diversidade de armas, e onde os movimentos são um pouco rígidos demais tendo em conta a fluidez de outros retro rogue-lites é na gestão do nosso inventário que Moonlighter tem algumas ideias engraçadas. Há itens que apanhamos no chão com maldições incluídas e que requerem que fiquem colocados em locais específicos da mochila, ou outros que destroem o que estiver nas slots indicadas pelas suas setas, o que nos obriga a andar a micro-gerir cada quadrado da nossa mochila para tirarmos o máximo de proveito do nosso loot.

A segunda componente de Moonlighter passa pela nossa vida na cidade, na gestão da nossa loja e nos upgrades que podemos fazer-lhe e o investimento que podemos fazer para alargar a cidade, pagando as obras para que novas lojas se instalem. Esta última parte é possivelmente a mais superficial de todo o jogo com um número limitado de novas lojas disponíveis para estendermos, mas é na nossa loja onde iremos passar a maior parte do tempo.

Visto que as dungeons são mais difíceis à noite, o jogo quase que nos obriga a visitá-las nesse período já que a nossa loja só pode estar aberta durante o dia. Assim que abrimos portas o nosso objectivo é tentar ter o máximo de lucro com a venda de cada item, e até neste processo os criadores deste jogo criaram alguns momentos bem originais de como gerirmos a nossa loja.

Quando colocamos um item à venda não sabemos o quanto ele custa, e portanto temos de “atirar o barro à parede”. À medida que os clientes vão entrando eles vão revelando expressões que nos indicam se o preço está abaixo do esperado, se está no ponto ou se está acima, sendo que neste caso dificilmente comprarão. Na “enciclopédia” o jogo vai guardando estas informações para que saibamos a opinião dos clientes, o que nos ajuda nas flutuações de mercado que cada item possa ter, e a nossa necessidade de ajustarmos à oferta e procura. À primeira vista esta solução de percebermos quanto deverá custar cada item parece simples, mas é um sistema de tentativa-erro interessante e que nos obriga a estar atentos às reacções da clientela para termos o maior lucro possível com o nosso loot.

É fácil de nos perdermos na diversão que o loop de Moonlighter nos traz, entre as incursões de dungeon crawling e as sessões de venda na nossa loja, este é um jogo que vai certamente fazer as delícias de todos aqueles que não só adoraram Recettear como os tantos outros jogos que lhe seguiram as pisadas. Divertido, criativo em algumas coisas e visualmente delicioso, Moonlighter consegue ser bastante acessível até para quem mal conhece o género e é um dos dungeon crawlers mais interessantes que nos chegou este ano.