Se perguntarem ao pessoal da minha idade e mais velhos o porquê de gostarem tanto de Baldur’s Gate a resposta vai ser provavelmente consensual, e muito simples: porque era a ligação perfeita entre o jogo de mesa e o videojogo. Desde o seu lançamento e os dias de hoje muito mudou, em especial aquilo que se entende pela definição de RPG.

Não só o acrónimo é massivamente conhecido como, se analisarmos bem, já não significa bem a mesma coisa. Hoje todos os jogos “são” RPGs, tudo tem elementos do género e os conceitos de game design por baixo deles parecem ter chegado a praticamente todos os mercados e para além deles.

Com a definição dos action RPGs a substituir no pensamento colectivo aquilo que são os clássicos RPGs, abriu-se um buraco no mercado que quase não teve resposta. E foi aí onde o primeiro Pillars of Eternity se situou, para gáudio dos milhares de backers que o apoiaram no Kickstarter, e que sabiam de antemão que nele iam encontrar resquícios daquela ponte generosa entre os pen and paper RPGs e os videojogos, como outrora o mercado tão bem lhes soube dar.

A sequela seguiu pelo mesmo caminho. Mais uma campanha de Kickstarter, mais um jogo de uma companhia que parece ter encontrado o tom e a qualidade certa numa produção e numa propriedade sua do que alguma vez obteve a criar sequelas “girinhas” do que outros fizeram de muito bom. E foram inteligentes o suficiente para não alienar jogadores do primeiro para o segundo, permitindo que quem jogou o original possa transpor as suas escolhas e quem chega de novo perceba o enquadramento do que se passa, num mundo onde tudo se resume à palavra “almas”. E o quickstart deste Deadfire permite-nos seguir linhas pré-estabelecidas como se tivéssemos vivido os acontecimentos do primeiro título.

Se o campo dos RPGs revivalistas foi chão que deu uvas, e secou, o lançamento do primeiro Pillars of Eternity abriu as portas a uma série de títulos independentes que apelaram ao mesmo circuito de público, e quase todos foram brilhantemente recebidos. Deadfire tinha de ir mais longe do que no momento em que nos arrancou da mesa, nos tirou os dados da mão e nos relembrou que os videojogos podem ser palco para uma experiência “clássica”.

Falar dos excelentes momentos à la DnD de ambos os Pillars of Eternity parece quase redundante, porque os ingredientes que fizeram do primeiro jogo da série o sucesso crítico e comercial que foi, foi a forma como interligou todos esses excelentes elementos. O argumento, o peso das escolhas, o desenvolvimento de personagens e o dinamismo dos party members que entram e as escolhas mecânicas que temos direccionando os nossos personagens para aquela ideia mecânica que concebemos deles.

Mas Pillars of Eternity II: Deadfire tinha de ir mais longe. E para lá chegar decidiu ir de barco.

A vertente marinhas deste jogo acabou por ser o seu sabor diferente em relação a si mesmo como aos títulos que com sucesso aproveitaram a sua deixa para existirem. As deslocações pelos arquipélagos de Deadfire obrigam-nos a uma gestão do nosso navio, mas especialmente da nossa tripulação, versus os muitos perigos que vamos encontrar.

Mas a tripulação não conta apenas pelo habitual, onde as suas estatísticas de luta influenciam os resultados dos combates, sejam em batalhas navais ou abordagens. A nossa capacidade de contratar os nossos “marinheiros” envolve também as suas habilidades para cozinharem, para manobrarem as velas ou para curarem os restantes membros da embarcação.

É curioso que num ano em que já tivemos duas excelentes manifestações navais em formato de jogo indie (Nantucket e Abandon Ship), ainda seja um jogo com a complexidade e longevidade de Pillars of Eternity II a querer aventurar-se por mares agitados. E no meu entender a ultrapassar as tormentas sem dificuldade.

Onde os exemplos que demos de jogos de 2018 que içaram velas ao mar e incorporaram elementos de RPG, Deadfire é uma experiência complexa e inteira, onde a camada de viagens e peripécias no mar é apenas uma adição de um todo vasto. Depois de ter percorrido Nantucket e a sua experiência narrativa leve, onde o jogo de gestão e combate no mar resumia a experiência toda, quase que senti que esse mesmo título que tinha adorado este ano era quase um add on de um mundo de uma dimensão quase inesgotável. Ainda temos dezenas de horas nesta criação da Obsidian e sabemos que este é daqueles caos onde regressaremos com muita frequência para conhecer o mundo com outros olhos. 

A Obsidian podia limitar-se pela experiência de RPG clássico que ia fazer deste Pillars of Eternity II: Deadfire um sucesso com o seu mundo coeso, por vezes um pouco vasto demais para que consigamos agarrar em todos os seus fios, onde mecanicamente em exploração e em combate o sistema se desenrola com uma familiaridade tal que quase todos os trintões, quarentões, e até o pessoal mais jovem que alguma vez tenha posto o pé num pen and paper RPG vai sentir. Mas quiseram ir mais longe, não limitar a experiência a algo que todos já vimos e foi ainda incorporada uma nova abrangência que o enriquece e que fará as delícias do público-alvo. Pillars of Eternity II: Deadfire é um dos melhores filhos de Baldur’s Gate que poderemos encontrar, servindo de excelente resposta para todos aqueles para quem a ideia de RPG é algo bem diferente do que o mercado nos quer fazer acreditar.