A frase do título não é minha, mas acho que o Miguel Nogueira, o fundador do Rubber Chicken não se importa que me aproprie de algo que ele casualmente me disse enquanto bebíamos café. Não se importa sobretudo porque a afirmação é verdadeira e diz mais sobre o estado do mercado, sobre os consumidores do que a própria frase queria dizer. Por trás do barulho das luzes do mercado há verdadeiras pérolas multi-plataforma que aparecem e desaparecem sem que ninguém dê por isso.

Yoku’s Island Express é um metroidvania com pinball. Dizer apenas isto já deveria ser suficiente ou para vos criar uma curiosidade merecida ou um desprezo injusto pela ideia. Se estes dois conceitos unidos parecem algo que a priori tem tudo para falhar, o estúdio Villa Gorilla prova-nos que as melhores ideias surgem das uniões mais inesperadas.

Dizer também que um jogo que tem como protagonista um escaravelho-do-estrume que empurra uma bola pinball pela ilha de Mokumana pode não ser grande ajuda para vos criar a vontade o jogar. Mas é também a loucura pueril das ideias ligeiras narrativas de Yoku’s Island Express que contribuem para o seu charme e para ser um dos jogos mais originais dos últimos anos.

Neste jogo somos Yoku, o titular escaravelho que cai em Mokumana e se vê forçado a assumir o papel de director do serviço postal e carteiro. Tudo isto num momento em que um ser maligno anda a eliminar algumas das divindades da ilha. Para defender a ilha temos de pedir ajuda e reunir três líderes de tribos adversárias de Mokumana, adicionando aos já alguns trabalhos que temos a obrigatoriedade de ser uma espécie de Fátima Lopes no Perdoa-me. O que pensando bem não chega a ser uma despromoção para um animal que está habituado a carregar bolas de matéria fecal por todo o lado.

Como em qualquer metroidvania, a ilha de Mokumana está completamente aberta para a nossa exploração… Yoku é que não tem a capacidade para lá chegar, sobretudo porque o pequeno escaravelho não consegue saltar, o que à primeira vista é coisa para ser tramada num jogo que envolve plataformas. Mas é aí que entram em campo (leia-se cenário) os flippers, bumpers e os buracos, à medida que Yoku vai rolando preso à sua pequena bola prateada.

Para quem jogou Sonic Spinball ou Metroid Prime Pinball esta ideia de Yoku’s Island Express consegue ser facilmente compreensível. Mesmo que o nosso protagonista não consiga saltar, isso não o impede de chegar a sítios aparentemente inacessíveis à medida que vai rolando e ricocheteando pelas paredes e pelos túneis escondidos da ilha de Mokumana.

Ao invés de termos pontuação como noutros jogos de pinball, apanhamos fruta que serve de moeda para tudo em Yoku’s. Seja para desbloquear flippers que estão inoperacionais e que nos permitem chegar a novas zonas, ou para “comprar” o acesso às beelines, que são o pseudo-método de fast travel deste título. Ou, como puro metroidvania que é, permitindo-nos comprar upgrades que de imediato nos possibilitam chegar a zonas inóspitas da ilha, como o apito de festa ou o aspirador que suga insectos explosivos. A criatividade dos upgrades e “poderes” novos de Yoku são apenas a ponta de um icebergue repleto de originalidade, tanto no brilhante level design como na concepção das muitas personagens fofinhas com os quais temos de interagir.

Para além das ideias extremamente divertidas que se espalham por todo o desenvolvimento deste jogo, é impossível não aplaudir algumas decisões mecânicas espalhadas pela ilha. As boss fights são uma delas, com “combates” originais que aliam grandemente o desafio com a originalidade tanto nas criaturas que defrontamos, como pelo facto de que no meio de todos os upgrades que conseguimos nenhum deles dota Yoku de capacidades ofensivas. Temos de resolver mini-puzzles de cenário para conseguir infligir dano nos bosses, que passam quase sempre por expô-lo a levarem com a nossa bola projectada de forma certeira pelos flippers.

Yoku’s Island Express está repleto de backtracking, o que até desbloquearmos as beelines (e até depois) nos obriga a “refazer” secções de pinball apenas para chegar a outra região da ilha. O que num platformer normal pode ser fácil, num jogo em que o domínio dos flippers são a separação do sucesso e do falhanço acaba por tornar o simples backtrack como uma verdadeira missão de resistência.

Este é um jogo fácil, mas não demasiado. Houve secções de verdadeira dor-de-cabeça e lembro-me de uma quando desbloqueamos a capacidade de nos prendermos a flores e rodarmos à volta dele que quase me enfureceu. Depois de termos acesso a esta habilidade temos de escalar uma grande ravina com este método: rodando em torno de uma flor e deixando-nos projectar em direcção à próxima como uma funda. Mas foram tantas as vezes que caí a meio do trajecto e que tive de recomeçar que aproveitei para desligar o jogo e voltar depois. Como dizia, Yoku’s Island Express não é propriamente um jogo difícil mas carece de um grande domínio de pinball, coisa que a malta mais velha deve ter de forma quase inata pelos serões nos salões de arcada, mas que acaba por ser um bom “gateway” para os mais novos, que provavelmente nem sabem que estas máquinas existem.

Se mecanicamente o jogo está hiper-aprimorado, a verdadeira masterclass de Yoku’s Island Express ultrapassa a sua doce e bela direcção artística ou o seu pequeno conto infantil mas tão apetecível. Onde esta criação do estúdio Villa Gorilla é exímia é como lição de game e level design. Sempre olhei para os mapas de metroidvanias como uma macro-estrutura segmentada por imposições e limitações mecânicas que necessitam de ser transpostas entre si. Mas a ilha de Mokumana é mais do que uma área aberta: dentro do contexto de um pinball metroidvania é como uma gigantesca mesa de flippers, onde todas as suas muitas secções e áreas secretas estão detalhadamente pensadas e afinadamente pensadas para serem acessíveis apenas com muita precisão. Se este rigor é difícil de conseguir numa mesa clássica de pinball, o que vão sentir ao jogar este Yoku’s Island Express é a excelência dos seus criadores em terem todos os pequenos ricochetes de flippers e bumpers estudados ao pixel. Yoku’s Island Express é um dos pontos mais brilhantes de união e afinação mecânica com level design que já tive o prazer de ver.

Adoramos metroidvanias e o mercado indie tem, para nosso prazer, trazido uma revitalização do género com títulos brilhantes como SteamWorld Dig. Mas no meio de tantos metroidvanias (e putativos metroidvanias) que vão saindo, por vezes sentimos que há muito pouca originalidade na forma como se repensa o género, algo que vai sendo transversal a grande parte do meio. Mas Yoku’s Island Express é indubitavelmente uma das ideias mais originais que já vimos, e que resultou num título obrigatório e dos melhores e mais divertidos jogos desta primeira metade de 2018.

Yoku’s Island Express está disponível para PS4, Xbox One, Switch e PC.