Se tivesse de encontrar o momento da História recente em que o mercado dos videojogos se re-apaixonou pelos twin stick shooters, diria que tinha sido com o lançamento do genial e emblemático The Binding of Isaac, especialmente pela forma como Edmund McMillen afastou o género dos habituais conflitos bélicos e/ou espaciais.

Dezenas de estúdios e developers indie a solo seguir-lhe-iam as pisadas, e não é incomum que as nossas Caçadas Semanais venham cair a territórios em que ambos os polegares trabalham em uníssono. E depois existem os casos como o de AereA em que que o twin-stick foi retirado “porque sim”, quase estragando todo o jogo.

No caso da ideia romantizada de hacking, os meios culturais especialmente o cinema ajudaram a criar uma ideia de que “hackear” algo é  uma tarefa tão simples quanto por a correr uma pen ou um disco e uma barra que enche até aos 100%. Et voilá! Fez-se o hacking! E antes que alguém se lembre de WatchDogs, esse jogo do qual tanto gosto e onde o hacking se limita a ser algo feito com um telemóvel mágico que consegue introduzir-se em todos os sistemas, peço-vos para se acalmarem. Apesar de nunca ter feito hacking (nem tenha o conhecimento para tal, e ainda que aos olhos da minha família a minha capacidade de resolver pequenos problemas de Windows sejam algo quase mágico) as soluções todas que nos surgem são tão verosímeis quando a qualidade do jornalismo do Correio da Manhã.

Mas voltando ao assunto, ou aliás, entrando nele finalmente, ATOMINE, criado pelo estúdio Broken Arms Games é um twin stick shooter que vai para longe ora do espectro roguelike com fantasia medieval, ora do ambiente sci-fi clássico, e opta por criar um paralelismo entre o conceito quase orgânico de hacking, onde formas conscientes se digladiam pelo controlo da rede.

O design minimalista de todo o jogo é outro contraste óbvio de um jogo que se quer destacar dentro de um género usualmente circunscrito a um nicho. Esta depuração quase monocromática funciona especialmente bem em todo o IUX, cujo design hiper-minimalista baseando quase toda a linguagem a formas poligonais constituídas por linhas muito finas é dos mais bonitos e sóbrios que vi nos últimos meses.

ATOMINE demora muito pouco tempo a ambientar-nos à sua linguagem visual. Os sólidos geométricos que se movimentam pelos terrenos processualmente gerados e que vão disparando projécteis luminosos e que são os actores deste jogo. Nós próprios somos um pequenos cubo preto que percorre com ligeireza os corredores pretos e brancos dos diversos níveis com tarefas simples, mas muito difíceis. Destruir todos os inimigos, evitar ser destruídos, e encontrar os nódulos de comunicação que nos permitem “passar de nível”.

O frenetismo monocromático de toda a acção é apenas entrecortado pelos rastos verdes e vermelhos das balas pelo ecrã, que nos obrigam a estar constantemente em movimento para destruir os inimigos e apanhar o precioso XP que deixam cair, essa “moeda” de troca que nos permite comprar upgrades que tentem minimizar a extrema dificuldade que este twin stick shooter tem.

Em linha com a linguagem e o tom de todo o jogo, os bosses apresentam a mesma direcção geométrica mas mais complexa do que a dos meros minions, e que encaixa na perfeição no aumento de dificuldade que as boss battles têm para um jogo que por si só já é difícil.

Depois de ter jogado tantos roguelikes nestes anos, e de adorar o género, é curioso como a total diferença deste ATOMINE para qualquer outro congénere fá-lo-á ser um dos mais memoráveis, ainda que passe invariavelmente por debaixo do radar de toda a gente.