[Se quiserem passar à frente das idiossincrasias deste membro do galinheiro, façam scroll até ao segundo sub-título onde começo a falar mesmo do jogo. No penúltimo parágrafo digo quando acho que o devem comprar. Claro que quando vão a um restaurante com estrela Michelin não vos mostram logo a comida certo? Não têm de quê.]

Arc(o)eus Primeiro – Uma Review com ligeiros toques fretados

[Redactor e Querido Líder encontram-se para beberricar um café e precisar da ajuda de um simpático estranho para se lembrarem do nome de Brian Johnson, vocalista dos ACDC]

QL: “Então vais fazer tu a review do Brilliant Diamond/Shinning Pearl (BDSP) não é?”

Eu: “Como assim? Para quê?”

QL: “É que eu já encomendei os dois e tenho muita coisa para review

Eu: “Mas vê lá, aquilo só vai ter mais piada jogar lá para Fevereiro, quando for compatível com o Pokémon Home…”

QL: “Faz lá isso, não te custa nada…”

Eu: “Epá, os tipos da Nintendo vão achar outra vez que não paramos de bater no ceguinho, depois do que tu e eu escrevemos do Sword/Shield. Mas pronto, se tem de ser…”

[Pelas traseiras do palco entra em cena um estafeta à procura do QL – traz no seu regaço Brilliant Diamond e Shinning Pearl.]

QL: “São remakes, Senhor! E não é que chegaram mesmo na data do lançamento?”

Eu: “Remakes, em Novembro?”

[Pela lateral do palco entram em cena os petizes do Querido Líder, o mais velho dos quais esbugalha os olhos e afasta o tronco, mesmerizado por ver aquelas lindíssimas capas, ainda no plástico. Fim de cena – vocês já sabem que não consigo escrever uma review normal, muito menos sobre Pokémon]

Vamos começar pela reacção do Pequeno Querido Líder. Já aqui escrevi que a melhor sensação ao receber uma prenda foi um GameBoy Color quando tinha nove anos. Aos 30, já não tenho essa reacção com quase nada (aconteceu quando soube que a minha PS5 estava na loja para levantamento), muito menos com um jogo de Pokémon. Tenho saudades de como me sentia como o PQL. E sabem porque é que BDSP dificilmente vos farão sentir como ele?

Porque são essencialmente os mesmos jogos de 2007*, mas com uns Poké Poffins gráficos à mistura.

Outrora cozinháveis com o ecrã táctil, agora temos de rodar o analógico na direcção certa. Podia ter pelo menos aproveitado as mecânicas de movimento dos Joy-Cons.

Arc(o)eus Segundo – Evangelho segundo ILCA, Primeiro dos Apóstolos da Game Freak

Numa coisa tendo a estar de acordo (já pensei diferente e posso voltar a pensar) com a Pokémon Company: Pokémon é um jogo que se quer universal, para miúdos e graúdos, e não tem nada de ser todo edgy e sombrio. Suas sumidades da Game Freak estão ocupadas a trabalhar em Pokémon Legends: Arceus, pelo que até creio que a decisão de entregar BDSP ao estúdio ILCA foi sensata, de forma a trazer um agradável tie-in de Sinnoh antes da aguardada prequela. A ILCA, entre outros projectos, foi responsável pelo desenvolvimento de Pokémon Home (já lá voltamos) e revela em BDSP seguir à risca o dogma dos originais.

Nos remakes da quarta geração pokémónica salta à vista a direcção artística. Desconfiei do estilo chibi dos trailers, mas, depois de jogar, não me incomoda nada. Tem imperfeições e podia ser melhor? Claro, mas nunca foi pelos gráficos que alguém alguma vez jogou Pokémon. Dá-lhe até um ar adorável, que ajuda a essa universalidade que se lhe pretende. Se no mapa tem aquela bonecada cabeçudinha, nas batalhas vai mais ao encontro de Let’s Go – e tudo bem, que também isso me agradou mais do que o que se conseguiu com Sword e Shield. O meu único reparo ao aspecto de BDSP é mesmo o ar adorável que todos os vilões têm.

Ai que meeeedo!

Continua a ser uma delícia passear por Sinnoh tal como em 2007. Aceito a decisão de fazer um remake com uma perspectiva semelhante à original, mas com um ar mais contemporâneo. As cores vívidas, os lagos, os vários percursos e até mesmo os fundos de batalha estáticos encaixam bem na aventura. Não vou tecer considerações sobre a qualidade técnica dos modelos e objectos, pois não percebo nada disso nem me afetou a experiência. Se não soubermos que foi a ILCA a projectar BDSP, facilmente passava por um trabalho da Game Freak (que supervisionou). Se estou a exigir pouco de uma franquia do pedigree e orçamento da Pokémon? Estou, mas não vale a pena bater mais no ceguinho.

A banda sonora fica-lhe um pouco atrás, mas sem fazer qualquer desonra à original. Não há nada de errado com o enquadramento ou ambiente de BDSP – acontece que o jogo nunca sai da zona de conforto do original. Sublinho: original, que as versões de 2007 chegaram a ter a superaditivada versão Platina. E essa versão, lamento informar, foi melhor que estas duas agora lançadas.

Fiquei surpreendido por gostar tanto do ar chibi do jogo.

Vamos esquecer por um segundo que Pokémon está no mesmo patamar de FIFA ou NBA2K e que entre 2013 e 2022 teremos oito lançamentos desta franquia anual. Esse jogo que se ansiaria universal apenas teria de manter a sua base temática e narrativa para se dar a conhecer a novos jogadores, introduzindo novas mecânicas, puzzles e – caramba – surpresas para trazer velhos jogadores para uma experiência refrescante. Não parece muito difícil, até porque a versão Platina já o conseguiu.

Arc(o)eus Terceiro – Um cartucho de Pokémon Pearl e um Bibarel feitos 14 Anos Escravos

[Redactor tem um Natal particularmente lucrativo e pretende deixar para trás a emulação deficiente da NDS à altura para se lançar sobre a Geração IV]

Eu: “Mãe, quero ir comprar a Nintendo mais o Pokémon Diamond com o dinheiro do Natal”

Mãe: “Isso vende-se onde?”

Eu: “Aqui nas Caldas só vi à venda o outro jogo – mas é cor de rosa, podemos ir a Torres Vedras?”

Mãe: “Se quiseres, é o que há nas Caldas”

[Mete a viola no saco e vai à loja das Caldas. Entretanto na loja, dispõe a consola e o jogo no tapete da caixa e operador de caixa só regista a consola. Coração acelera]

Infeliz operador: “São €€€, por favor.”

Mãe: “Então mas isso não…?”

[Redactor olha com ar suplicante em direcção da progenitora enquanto lhe dá uma gentil cotovelada. Mãe desiste com um olhar incomodado e reprovador, questionando-se onde pode ter errado ao criar um ser humano cuja moralidade é tão ambígua]

Ao mesmo tempo que um cartucho de Pokémon Pearl era raptado, era uma vez um adorável e rechonchudo castor chamado Bidoof. Gostava de mordiscar troncos de madeira e mandar pausa ao pé do rio. Um dia, evoluiu para Bibarel, um ainda adorável e mais rechonchudo castor que monta diques que é uma categoria. Um dia, virou meme, pois toda a gente o utilizava como escravo, que em batalha não era nada de especial. E para que era escravizado o pobre castor? Podia aprender seis das oito Hidden Machnes do jogo, pois então. Fosse a cortar arbustos, partir calhau ou levar-nos pelo oceano, Bibarel fazia tudo, pois dava muito trabalho andar sempre a trocar de Pokémon quando era preciso atravessar Sinnoh.

Felizmente, as Hidden Machines são coisa do passado desde Sun e Moon. Em BDSP, ficamos simplesmente com o ataque registado no Pokétch (um relógio digital de fundo verde e preto como antigamente e que, em 2007, ainda ninguém sabia que era um Smart Watch). Quando o utilizamos, se nenhum dos Pokémon da party o souber, a animação mostra um por defeito – e Bidoof/Bibarel aparece em todos os ataques que pode aprender. A ILCA eternizou o HM Slave no jogo, o que mostra a intencionalidade em realizar uma homenagem aos originais, acima quiçá de qualquer incompetência que possa ter existido para o fazer. Isto, senhores, fez-me sorrir.

Como este exemplo há dezenas. As batalhas voltam ao estilo visual 3D de Let’s Go, mas no seu início vemos a ridícula mas adorável pose estática 2D de cada treinador, tal como no original. Em modo portátil, o Pokétch permite interacção táctil na Switch, um gimmick que era toda a base da Nintendo DS e que a geração actual da Nintendo tem ignorado gritantemente na maioria dos jogos. Nesta tentativa de recriar um jogo para o qual o ecrã duplo era fundamental, perdeu-se uma oportunidade de fazer o ecrã táctil brilhar mais uma vez, na totalidade do jogo e não apenas em partes específicas.

BDSP teima em lembrar-nos dessa prática decepcionante de Pokémon retirar mecânicas bem recebidas a cada jogo. Sim, temos uma área de post-game do que de melhor se fez na franquia. Sim, é possível caminhar com os nossos Pokémon a toda a hora (embora o meu Gyarados seja inexplicavelmente minúsculo). Sim, temos uma espécie de Safari Zone para apanhar lendários que lembra os saudosos Mystery Tickets que desbloqueavam pequenas áreas para capturar esses monstrinhos (queria mesmo que estes tivessem voltado). Sim, o Grand Underground é algo de bem mais substancial do que em 2007. Só que esse mesmo Grand Underground é o único sítio onde se podem ver Pokémon selvagens à superfície, depois de Let’s Go e SHSW o terem feito relativamente bem, ao invés de exclusivamente escondidos na relva. Só que vão encontrar os mesmos diálogos. Só que vão encontrar os mesmos ginásios, com os mesmos puzzles. Só que pese Platinum ter tido direito a uma pequena Battle Frontier no post-game, BDSP tem apenas a standard Battle Tower do costume (tem sido isso ou semelhante desde a era 3DS).

Brilliant Diamond e Shinning Pearl são, acima de tudo, jogos básicos, que me fazem sentir o mesmo quando vou jogar Red e Blue originais – já existe algo melhor em todos os sentidos, Fire Red e Leaf Green.

Arc(o)eus Quarto – Perdoa-me, Senhor, pois voltei a bater no ceguinho

Mas se querem que fale sobre básicos, vamos ser básicos: Pokémon é, essencialmente, porrada. Gratuita. Entre monstros. De preferência, os nossos são mais fortes que os dos outros e fazem tudo desmaiar. Digam o que quiserem, mas seja em 2D, 3D, top down, pixel art ou chibi-cenas, o que nos agarra do início ao fim são as batalhas, o vencer ginásios, desenvolver a nossa party. Só com essa mecânica base consolidada poderemos também apanhar todos os Pokémon – até porque para desbloquear a National Dex (até à 4ª geração claro) é preciso primeiro ver os 150 Pokémon base da Pokédex, e pelo meio vai-se combater imenso.

Desde X/Y que é possível partilhar a experiência entre todos os Pokémon da party mesmo que só um combata. Em BPSP, isso não é mais uma escolha (tal como em SWSH), é obrigatório. Torna o jogo fácil? Sim, mas há muito que Pokémon é fácil, e o jogo ainda se quer universal como escrevia. O problema é que o ritmo de BDSP é extremamente enfadonho: tirando nas batalhas finais da Elite Four, estive sempre vários níveis acima de qualquer adversário. A experiência é ganha à escala de quanto mais próximo ou abaixo estamos do adversário, mais experiência uma vitória arrecada. O problema não tanto vencermos todos com facilidade, antes que a progressão de níveis se torna demasiado lenta, por acabarmos por estar tão acima que ganhamos muito pouca experiência de cada vez. A pior sensação que tive com este jogo foi mesmo suspirar pelos 20 treinadores entre mim e a próxima cidade, sem que essas batalhas representassem aquele estímulo de subidas de nível, desbloqueio de novos ataques e evoluções. Um jogo pode ser fácil, mas tem de ser divertido.

“Macho-macho-Gyarados…”

Lá estou eu a bater no ceguinho, mas há muito que a Pokémon Company não se esforça por aprimorar a vaca leiteira e falha redondamente na sua tentativa de encontrar um jogo universal. Era só fazerem o que outros jogos fazem há vinte e tal anos: darem-lhe opções. De dificuldade. De se queremos ou não ver Pokémon selvagens no mapa (já que os dois sistemas coexistem em SWSH). De darmos skip a cutscenes ou diálogos que já vimos 20 vezes. De ligar ou desligar o Exp. Share.

A única opção que nos resta é a de não os comprar. Pelo menos não agora, pela maior falta de respeito que estes remakes fazem aos originais e à comunidade, que vos passo a explicar.

Em 2007, o WiFi em Portugal não era assim tão comum. Estávamos a começar a ter portáteis em massa com o e-Escola ou o Magalhães, mas ligar a DS a uma rede da altura era um sarilho. Ainda assim, a versão original do Japão era para ter sido lançada em 2005 e só foi em 2006 porque a tecnologia de WiFi ainda não era suficiente para a visão que a Game Freak tinha para Pokémon Diamond e Pearl.

Sinnoh continua deslumbrante.

Outrora restritos a ligar um cabo entre consolas (onde ainda hoje está perdido um Mewtwo da minha versão Vermelha) nesse maravilhoso anúncio em que os Pokémon saltam do GameBoy para caminhar em cima de um cabo que liga dois prédios, Pokémon eram agora transacionáveis entre qualquer parte do mundo via Internet. Quem, como eu, já não tinha amigos a jogar Pokémon, sorriu de êxtase quando se apercebeu de que não estava sozinho.

Tal não foi a minha surpresa quando cheguei a Jublife City, a primeira pequena metrópole de Sinnoh em BDSP, me dirigi ao local onde seria o Global Trade Station e reparei que uma irritante senhora não me deixava passar. “Devo precisar do primeiro crachá como no original“, pensei eu. Mentira: podem terminar o jogo e tal coisa não existe. Naquele local existirá apenas o Global Wonder Station, que trará de volta as Wonder Trades (aleatórias). E o GTS? Quando algures no início de 2022 existir compatibilidade de Pokémon Home com BDSP, é a partir daí que a funcionalidade existirá no jogo. OK, nos originais a tecnologia da altura tornou a mecânica problemática, mas era algo de tremendo quando funcionava. Nem sequer a colocar até dois ou três meses após o lançamento (ainda que depois esteka disponível na versão gratuita da aplicação) e fora do ambiente de jogo? Quando o estúdio a cargo deste jogo foi quem desenvolveu a plataforma? Que desperdício.

Tentei camarada, mas não me deixaram passar.

Foram Diamond e Pearl que consolidaram o formato original de Red e Blue, deram a maior variedade de features de que me lembro e estabeleceram mecânicas ainda hoje seguidas na comunidade competitiva como os ataques físicos e especiais. A ILCA lançou estes remakes de jogos altamente progressistas para o seu tempo como produtos extremamente conservadores – é em torno desta ideia que estes não passam de medíocres sombras das maravilhas nas quais se inspiram. Quem nunca jogou os originais ou Platinum deve gostar. Quem já o fez, terá mais dificuldade com tão pouca novidade – mesmo que a adaptação gráfica e de progressão pelo mapa seja para mim uma aposta ganha e o que torna a experiência mais divertida. Em qualquer que seja o vosso caso, comprem isto para o ano que vem: já terão Pokémon Home e os últimos patches que deverão adicionar o conteúdo que fala e está escondido no jogo.

BDSP fizeram-me sentir como os crachás do jogo: tanto nos originais como nos remakes, é possível puxar-lhes o brilho num movimento táctil intuitivo. Se não fizermos manutenção a esse brilho passados alguns dias os crachás escurecem…

*Pokémon Diamond e Pearl foram lançados no Japão em 2006, mas o resto do mundo só os viu localizados no ano seguinte.