Vem-me à memória aquela imagem famosa dos três macacos: um que tapa os olhos, outro a boca e outro ainda as orelhas. No último ano tenho lido e ouvido muitas pessoas inteligentes e informadas afirmarem que os jogos mobile estão a condenar os jogos Triple-A à ruína e extinção. O sucesso de massa destes jogos, aliado ao seu preço baixo, faz com que os jogadores não queiram investir em títulos mais caros por considerarem que o alto preço já não é justificado. Ora, face a esta revolução portátil, as produtoras vão ter que cortar no preço dos jogos e, por consequência, baixar os orçamentos de produção dos mesmos. Infelizmente, tal como o macaco, tenho ficado calado.
É certo que os jogos em tablets e dispositivos móveis são um sucesso. Um preço baixo aliado a um catálogo interminável e acessível ao toque de um dedo é uma receita para o sucesso. Mas o factor de que todos estes analistas se esquecem é que o tempo por pessoa investido em cada jogo é muito reduzido. O sucesso do mobile é o do jogo de ocasião. O jogo de autocarro e comboio. O jogo de fila de espera. O jogo dos últimos dez minutos antes de apagar a luz. O jogo de sanita, até. Enfim, o jogo descartável. É a relação entre custo e recompensa que está aqui em causa. Eu pago um euro pelo divertimentos de alguns minutos. Várias vezes um minuto apenas. Os jogos mobile são o equivalente aos divertimentos de centro comercial para os miúdos, se bem que com um sistema áudio um pouco melhor. E daí…
Do lado dos colossos da indústria o tempo que cada pessoa está disposta a investir é completamente diferente. O meu Fallout 3 avisa-me que tenho mais de 100 horas de jogo investidas, o meu Grand Theft Auto IV avisa que são mais de 70 horas (deprimente o facto de várias delas terem sido a matar pombos). Garanto-vos que mesmo com estes números sou um menino. Analise-se as horas de jogo investidas no multiplayer de qualquer shooter ou jogo desportivo, por jogador, e vão perceber que esses jogadores estão dispostos a pagar muito mais do que 1 euro pela diversão.
Não há nada melhor para esta discussão do que os números. É consensual que o sucesso máximo da nova era fantástico-portátil-digital é o Angry Birds da Rovio. Estes bandos de pardais à solta venderam aos putos (e aos pais deles) mais de 500 milhões até aos dias de hoje. Mesmo que contássemos que todos fossem uma compra (pois a Rovio apenas fala em downloads, onde também contabiliza quem já apagou o jogo e mais tarde volta a fazer a transferência) teríamos a 0,99 dólares por compra, aproximadamente 500 milhões de dólares. O novo Modern Warfare 3 vendeu no primeiro dia umas estimadas 6 milhões de cópias que perfazem um total de 400 milhões de dólares. Com as vendas da primeira semana a estimarem cerca de 12 milhões de unidades, estamos a falar de um jogo fazer numa semana quase o dobro do que Angry Birds fez na vida toda. E a montanha-russa armada não está sozinha nesta guerra. Uncharted 3, primeiro dia: 3,8 milhões de cópias; Elder Scrools: Skyrim, primeiros dois dias: 3,5 milhões de cópias: Battlefield 3, primeira semana: 5 milhões de cópias, o mesmo número para Batman: Arkham City. Esperem agora pelos números das novas edições de Assassin’s Creed, Zelda e Super Mario Land entre muitos outros para verem quais os números dos AAA só neste mês, nos vários géneros e consolas. Até o raio da 3DS (confesso que tenho uma vermelha há menos de duas semanas e já me apetece ir trocar pela edição especial Zelda) vai vender mais no seu primeiro ano que a DS original vendeu. A expressão “desastre de vendas” assumiu novos contornos nestes tempos.
O mercado dos jogos AAA está condenado, sim. Condenado a apresentar novas sequelas para estes títulos no próximo ano e a deitar por terra todos os recordes de vendas do ano anterior. Quem acreditar no contrário, está a fazer como os macacos. Por falar nisso, quanto terá vendido o Donkey Kong?…
Comments (7)
Não acredito no fim dos AAA nas consolas de sala, quando aqui há pouco tempo falei na morte das consolas na Eurogamer era da consola mesmo, não dos jogos AAA.
Já as consolas portáteis da Nintendo e Sony são todo um outro campeonato e os seus números recentes mostram que a era do domínio Nintendo já deu o seu lugar aos smartphones.
Concordo com as consolas de sala, mas a muito longo prazo. Há problemas técnicos de massificação de banda larga que têm de ser resolvidos. Mesmo as redes de Fibra por vezes vêm-se à rasca para aguentar apenas a parte multiplayer de alguns jogos, quanto mais aguentarem ainda o próprio jogo também. Mas acredito que será algo que daqui a 5 anos (no nosso país) será corrente. Haverá provavelmente um período de transição com as consolas da próxima geração a serem híbridas entre cloud gaming e capacidade própria. Os developpers já receberam “caixas sdk” do que serão as próximas da Sony e da Microsoft, e a Nintendo manterá com a Wii U uma consola independente também. Serão consolas de transição.
Quanto às portáteis tenho de discordar Nelson. Os smartphones podem estar a crescer imenso mas não estão a roubar um certo mercado às consolas. A 3DS não sofreu por causa dos smartphones. A 3DS tinha um preço absurdo para as características e uma ausência de títulos. Agora inverteu o rumo e prepara-se para chegar ao fim do ano com mais vendas que a DS original. Aliás, as novas vendas da 3DS são parte responsável pelo recuperar este mês da indústria dos videojogos em percentagem.
Estou curioso para ver é como se comporta a VITA, que é uma consola portátil ainda com capacidade de correr “jogos Hardcore”. Se bem que o iPad 2 já tem um óptimo processador e o 3 ainda terá melhor, a VITA é alimentada pelo poder de uma quase PS3, algo bem acima dos A5 da Apple ou dual cores similares de outras máquinas. Por outro lado, a inclusão de dois joysticks analógicos poderá abrir caminho a comunidades gigantescas online com franchises portáteis como Call of Duty e Battlefield.
Os jogos de smarthphone crescem cada vez mais, os jogos de facebook também. Mas não estão a roubar jogadores às outras. Estão sim é a ir buscar novos públicos. Quantas pessoas conheces que jogam Farmville mas que nunca na vida pegaram numa consola’ :)
Estive agora a ler o artigo da Eurogamer Nelson. Atenção que não era de todo a ti que me referia, até porque desconhecia o artigo. Refiro-me isso sim é ao último ano de muitos jornalistas em sites como o Mashable, o IGN, a Slate, entre muitos outros.
hehe não pensei que tivesses escrito isto por causa do meu artigo, esta é uma discussão corrente. só o referi para facilitar a discussão.
estamos em sintonia nas consolas de sala e jogos AAA, mas não nas portáteis :), mas ficam aqui os últimos dados quanto aos lucros nas vendas de jogos em 2011, comparados com 2010 e 2009. A Nintendo perdeu quase 2/3 do terreno, a Sony passou a insignificante, e o mundo portátil é cada vez mais iPhone e Android.
http://www.facebook.com/photo.php?fbid=10150367276998602&set=a.136469163601.109686.559843601&type=1
Eu percebo Nelson. A minha dúvida nesses gráficos é que não apresentam o total de vendas final em dinheiro, entendes? Hipoteticamente, se o gráfico de 2009 correspondesse a 10 milhões e o de 2010 a 15 milhões, os smarthphones não tinham roubado mercado na realidade. Falta-me esse número. Mas continuo a acreditar que são na maioria newcomers e não os jogadores já existentes.
Miguel isso é verdade, mas a realidade não é essa como podes ver no texto abaixo.
Não arranjei os dados de 2011 para o gráfico que meti no Facebook, mas ficam aqui relativos a 2009 e 2010.
“Overall, total U.S. game revenue from 2009 to 2010 is relatively flat, totalling $10.4 billion and $10.7 billion, respectively. However, while console game revenue increased slightly, from about $7.4 billion in 2009 to $7.8 billion in 2010, the combination of declines in portable gaming software and a jump in smart-device app sales has squeezed the portable game category down from 24% market share in 2009 to just 16% in 2010.”
http://blog.flurry.com/bid/60307/Apple-and-Google-Capture-U-S-Video-Game-Market-Share-in-2010
Será interessante acompanhar o próximo ano ou dois seguintes. As portáteis das marcas vão ser novas em vez de estarem em fim de vida. Vamos ainda perceber se o gaming nos iOS e outros é uma “fad” ou se está mesmo para ficar. Vai ser curioso.
Thanks pelo debate. :)