Todos os jogadores têm esqueletos no armário. Por detrás de um novo recorde de killstreak, por detrás de todos os troféus de platina conseguidos, por detrás da maior combinação de combos seguidos jamais atingida, estão momentos passados em jogos que podem destruir uma reputação de anos. Qual político apanhado em flagrante num escândalo financeiro, qual padre apanhado com a roliça mais viçosa lá da aldeia, confessar que se joga certas coisas ou, pior, vergonha das vergonhas, queda do Carmo e Trindade, ser apanhado, pode causar graves mazelas emocionais que só muitas consultas de psicoterapia podem resolver no longo prazo.
Chegou a hora de eu me despir no balneário perante todos. Aqui estão alguns dos meus podres:
The Sims Social (Facebook)
Existem provavelmente centenas de teses de mestrado e de doutoramento que explicam porque razão gostamos de gastar horas da nossa vida a jogar as coisas para as quais não gostamos de gastar horas da nossa vida. Tomar duche, passar a ferro, gerir as necessidades fisiológicas, cozinhar o jantar, trabalhar, pagar contas, são normalmente as partes do dia que se evitam ou que se esquecem rapidamente. Porque raio então jogamos exactamente a essas coisas?
A incursão da gigante licença Sims na maior rede social foi conseguida com muita inteligência no aspecto da mecânica de jogo e constitui talvez o melhor case study de gamification na plataforma. As tarefas foram reduzidas a pequenos segundos para cada uma e após satisfeitas rapidamente passamos ao que interessa que é evoluir a nossa personagem, os seus skills e as suas posses através de uma progressão de RPG, tentando atingir o nível seguinte. Todo o jogo foi reorientado para achievements e prémios quase imediatos onde a tarefa mais mundana de lavar os dentes proporciona recompensas instantâneas na forma de dinheiro e outros créditos. Junte-se a isto a interação funcional com outros jogadores e amigos reais, a necessidade de todos eles colaborarem entre si para se ajudarem a subir de nível e construir novos objectos, o facto de o jogo só permitir incursões produtivas de cerca de 15 minutos de cada vez e o sucesso está mais que explicado.
Este é o que menos me envergonho quando olho para a lista de amigos meus activos no jogo, onde desde intelectuais a actrizes de renome quase todos por lá se encontram. Esta é a unanimidade que o Farmville nunca conseguiu ter e talvez o melhor jogo dentro do Facebook.
Trauma Center: Under the Knife (Nintendo DS)
O meu pai bem me dizia, estuda filho. Mas o tempo passado a jogar deitou por terra uma promissora carreira na medicina. Trauma Center dá-me a possibilidade de viver a vida de um cirurgião, embora sem os benefícios à la Grey’s Anatomy com a equipa feminina do hospital. Este Guilty Pleasure permite executar dezenas de procedimentos médicos, onde uma stylus faz as vezes de seringas, fórceps, lasers e toda uma parafernália médica sempre com a vida de um paciente nas nossas mãos. Não é tão grave quanto jogar Cooking Mama, e sobre esse nunca me vão arrancar uma palavra, pois há limites para a vergonha. O jogo é ainda um verdadeiro teste à nossa capacidade de reacção sobre pressão. Para bem da humanidade quem não aguentar os nervos à flor da pele falhará apenas apenas no domínio do virtual. Evitam-se assim polémicas com a Ordem dos Médicos e a utilização em massa do livro de reclamações, como daquela vez em que eu fiquei divertido a ver um senhor esvair-se em sangue enquanto a assistente me gritava histérica para fechar as feridas.
Runescape (Pc/Mac)
A vergonha não é perder horas num universo de elfos e anões. A vergonha não é estarmos rodeados de jogadores com uma média de idades que varia entre os 8 e os 14 anos. A vergonha é perdermos horas (ou dias) (ok, ou semanas) a apanhar trigo, a transformar o trigo em centeio, a transformar o centeio em massa, a apanhar o barro, a fazer pratos com o barro, a pescar peixe, para finalmente juntar tudo em centenas de tartes de pescado que se levam ao forno para subir o nosso nível de cozinheiros, apenas para conseguirmos ter acesso a uma missão para ganhar uma capa. Maior vergonha ainda é pagar uma mensalidade por isto. De todos os jogos nesta lista, este é o que mais nos lembra o quão somos tristes. E caso o jogo não o faça, há-de passar por nós um puto de 9 anos nível 124 que fará questão de o apontar. Como um que um dia pescava ao meu lado e ao saber a minha idade me perguntou: – so how come you don’t have a life?
Super Rub ‘a’ Dub (Playstation 3)
Sabem que dentro de cada comando da Playstation 3 existe um sensor de movimentos? Não? Eu sei que não sabem e que quem sabe já se tinha esquecido. Após o grande alarido feito pela Sony no arranque da consola sobre o novo mundo de possibilidades que este controlador proporcionava (assim estilo o lançamento e promoção do Move) foram-se sucedendo os maus resultados com o mesmo e, aos poucos, a empresa tornou-se silenciosa acerca do Sixaxis. Lair (que era um jogo) foi um desastre, assim como os poucos títulos que dependiam exclusivamente do comando (excepção feita ao maravilhoso e irrepetível Flower). Um desses títulos que começou a sua vida como demonstração técnica foi Super Rub ‘a’ Dub em que o comando servia para guiar patinhos de borracha de banheira em banheira, evitando tubarões e outros obstáculos sempre com movimentos físicos de tombar o controlador. No Metacritic o jogo nem conseguiu passar a fasquia dos 50, ficando no vermelho e foi visto por todos como mais um fracasso da marca. Mas para mim continua a ser mais um prazer secreto e ainda hoje eu faço patos amarelos saltar de banheira em banheira. No entanto, não ponho as mãos na água pelo jogo.
Animal Crossing (Nintendo Wii)
Este não tem explicação possível. É o mais infantil de todos os jogos nesta lista e provavelmente o jogo mais inclassificável que tenho em casa. Podia tentar explicá-lo como um versão do mundo da Hello Kitty mas com muitos ácidos japoneses na mistura assim como outras drogas sintéticas e “fertilizantes”, mas mesmo assim nem chegava perto do quão para lá de tudo é este título. Este jogo também não é para ser literalmente jogado pois não existe um final à vista, mas é antes um universo onde se pode viver. Os dias passam em tempo real, o calendário também. O jogo existe já desde 2002 na sua versão de Gamecube e nem que me coloquem todo nu numa cadeira e me dêem chicotadas nas partes baixas como na célebre cena de Casino Royale, vos digo desde quando eu jogo Animal Crossing. Porque é que o faço? Sinceramente, nem eu sei. E preocupa-me que o faça. Ora aí está uma boa coisa para perguntar ao terapeuta.
Comments (4)
os miudos cá em casa adoram o Super Rub ‘a’ Dub :)
Lá está Nelson. Os miúdos :)
Hahaha, fantástico, também eu tenho alguns segredos talvez um dia os conte, mas o Super Rub a Dub, quando comprei a PS3 só jogava isso qual Resistance 2 qual que, patos a fugir do tubarão e a vontade imensa de conseguir pontuação máxima era um grande vicio. Mais uma vez um texto de opinião muito bom, parabéns Miguel!
É um guilty pleasure fabuloso sim :)