Ao longo da minha infância procurei quase sempre sem sucesso captar o interesse dos meus pais pelos videojogos. Recordo-me especialmente do período entre os meus 13 e 15 anos, onde residem algumas das memórias de jogabilidade mais significativas. Lembro-me por exemplo de muitas horas passadas no Verão, na empresa do meu pai, a trocar as disquetes de The Secret of Monkey Island (naquele que era um poderoso computador Intel 486) maravilhado com a narrativa, o humor e as escolhas possíveis ao nível do diálogo. Como um pequeno profeta tentei explicar ao meu pai o que ali estava em jogo, para que compreendesse a extraordinária evolução daqueles momentos, mas em vão foi a minha iniciativa. Como em tudo o que envolvia os jogos, era como se estivesse a tentar convencê-lo sobre o virtuosismo artístico de um livro do Tio Patinhas.
Existiram apenas três momentos em que por breves instantes pareceu que a tradição se iria quebrar e os meus pais iam ajoelhar-se perante mim e pedir para os treinar como cavaleiros ninja do gameplay. Acreditem, aos 13 anos cavaleiros ninja é algo conceptualmente possível. Em 1990, numa tarde domingueira, consegui convencer a minha mãe a experimentar Sonic The Hedgehog na Megadrive. Recordo-me da excitação que senti quando nível após nível a minha mãe não conseguia largar o ouriço e já começava a dominar o coleccionismo dos anéis e até o spinning mais rápido. Tinha encontrado uma companheira! A aceitação finalmente! Preparei-me para receber o solene pedido de treino. Só que nunca mais tornou a acontecer e a partir do dia seguinte o interesse dela dispersou-se para nunca mais regressar aos jogos.
No ano seguinte foi a vez do meu pai. Numa preguiçosa tarde de Verão no Algarve, com o apartamento ainda a cheirar a robalo grelhado, o chefe do clã resolveu experimentar (por não existir mais nada para fazer) o Super Hang-On também na Megadrive. Nessa tarde, quase que os meus pais se chateavam um com o outro, com a minha mãe vestida a querer sair para jantar e o meu pai constantemente a pedir só mais uma volta. O casamento deles podia acabar naquele momento que eu não queria saber. O meu pai vergava perante o poder absoluto do comando e todo o meu eu se iluminava por dentro. O meu pai estava na equipa! Mas, a partir desse dia, assim como acontecera com a minha mãe, os jogos pararam, o casamento continuou.
A terceira e derradeira oportunidade chegou com pompa e circunstância sonora. Após juntar várias mesadas e envelopes de Natal e aniversário, encaixei uma placa de som SoundBlaster 16 no meu computador para o tornar capaz de abrir a goela e soltar sons realistas. No dia em que as metralhadoras de Wolfenstein 3D disparam altas pela casa provocando os gritos de dor dos Nazis, os meus pais foram espreitar ao quarto. No dia em que as personagens de King’s Quest VI literalmente falaram no meu computador, os meus pais também foram ao quarto espreitar. Em ambos esses dias a reacção foi pedirem-me para baixar o volume e a partir desse dia percebi que, entre as paredes do meu quarto, estaria só com a minha paixão.
Quando a minha filha tiver 14 anos, eu vou ter 48 anos e uma única certeza. Vou continuar agarrado aos jogos de todas as plataformas e géneros existentes nessa altura e, muito provavelmente, serei o oposto do que os meus pais foram para mim. Eu vou conhecer o que há para conhecer, eu vou entender quando algo é novo, eu estarei lá agarrado ao segundo comando ou com o cabo usb enfiado na cabeça, a jogar. Eu estarei lá para a treinar, ou para receber o seu treino. Para o jogo cooperativo ou para o jogo competitivo. Vamos procurar as novidades, vamos experimentar juntos a história que está para trás em todas as consolas antigas na arrecadação. Na minha cabeça está uma relação feliz, com comandos, risos e gargalhadas, testas franzidas de concentração, nuvens muito brancas de algodão, fogo-de-artifício, dragões com as cores do arco-íris a chacinarem pequenos póneis brancos para depois lhes comerem as entranhas.
Mas depois surge a inquietação: e se a minha filha não gostar de jogos? Ficarei preso num limbo entre duas gerações que deles não gostaram? O que me leva a concluir com a pergunta sem resposta: o que somos nós os jogadores dos anos 70? Todos os analistas nos apresentam como o jogador médio, por volta dos 37 anos. Mas seremos a geração do início, do meio ou do fim? Continuaremos a jogar as novidades aos 60 anos, ou teremos que ir limpar o pó às consolas actuais por ser o que existe? E aos 80 anos? Estaremos a jogar LarDeIdososVille, ou já nem existe o conceito de videojogo? Valha-nos uma esperança. Se tudo falhar e os nossos filhos não gostarem de jogar temos sempre o bairro alto. Se ainda existir.
Comments (19)
Penso que esse teu medo de o gosto de jogar se perder nas gerações não vai acontecer, eu como jogador dos anos 90 vejo-me naquela zona cinzenta muito estranha que é o antigo que deu lugar ao novo e com muita sorte apanhei as duas alturas, sendo até os jogos que mais prazer me deram a jogar serem os point and click da Lucas Arts. Vendo agora crianças a crescerem literalmente com o comando na mão e a dominarem aos 10/12 anos jogos como Modern Warfare, Fifa, etc, penso que o futuro está garantido embora mais virado para o sexo masculino. Pelo que tenho presenciado as raparigas que partilham o gosto pelos videojogos tiveram sempre alguém com grande paixão pelos videojogos a acompanhar de perto o seu crescimento, e vendo o amor que tens pelos mesmos acredito solenemente que a tua filha também vai partilhar desse amor.
Esperemos que assim seja Ricardo. Fica sempre a dúvida se daqui a 20 anos os videojogos ainda vão ser algo corrente. Eu também penso que sim, mas não sabemos que surpresas a ciência pode trazer. Comprimidos de experiências? :)
O meu pai jogou e ainda joga (agora só ocasionalmente) todos os RTS que saíram de 1995 a 2009, sensivelmente. Dune, Command & Conquer (1,2,3), Age of Empires (1,2,3), Constructor, Red Alert (1,2,3), Total Annihilation, Rise of Nations, etc… Tem hoje 78 anos.
Filho de peixe? :D
75 Meu Querido, 75… e tenciono jogar ainda com 78, ou 80 e tantos. Chamo a isso um pé-de-vento fresco que sacode o remanso da recapitulação dos meus dias. Se algum rapaz desta era me ler, instigo que jogue também, porquanto viver não é só recordar, mas sobretudo, inovar e inventar.
Isto é um exemplo para todos! Que cheguemos à mesma idade e ainda a jogar o Call of Duty 37 :)
O meu pai foi quem me fez jogar (para tristeza da minha mãe), com jogos que ainda hoje adoro! Monkey Island, Populous: The Beginning e Nerverhood. Consolas nunca foi uma coisa que o meu pai gostasse tanto como jogos no pc, ainda o vi a ficar viciado em Tomb Raider…
Depois teve mais filhos que só jogam playstation e ele perdeu um bocadinho o hábito, mas ainda o vejo a jogar com eles, às vezes com mais interesse que eu.
Tive uma boa infância com a minha N64, e espero nunca perder o hábito de jogar e um dia poder fazer o mesmo com filhos.
Neverhood… :)
Eu já cumpri o meu papel, tendo o meu puto hoje 10 anos, é com alegria que o vejo agarrar em tudo o que é estilo de jogo, seja lá FPS, RTS, ou MMO, assim como se dá bem com um comando de qualquer consola na mão ou com o teclado / rato do PC.
Já me espancou violentamente no PES, da mesma forma que encheu no Tekken e juntos procuramos saidas em modo Co-op de Portal 2 ou limpamos hordas de Zombies em Left 4 Dead, da mesma forma que moemos a cabeça do prédio todo com horas de Guitar Hero.
Basicamente a sala é um salão de jogos e a TV praticamente só serve para jogar, bem podem desligar o sinal de TV de todos os operadores que por aqui pouco ou nada se vai notar.
Quanto aos jogos acabarem… bem enquanto houver PCs para mim os jogos não acabam, nem que programe os meus :).
Left 4 Dead Co-Op. Ora aí está uma criança bem educada! :)
João, se tudo correr bem o teu puto será um role-model para o meu.
Só não o ponho a jogar DM comigo porque acho que é chato para ele :D
Lembro-me quando o meu velhote comprou o ZX Spectrum + em 1985 e de o ver concentradíssimo a jogar um jogo do qual não me recordo o nome (o título não foi tão marcante para mim quanto foi para ele certamente). No mesmo, o protagonista (um urso) tinha que passar através de garrafas de leite, que íam caindo de plataforma em plataforma para serem de seguida empilhadas numa furgoneta, a minha avó chamava-as assim e já que estou a falar do passado…
Mesmo depois de insistir repetidamente para tentar a minha sorte, lembro-me de, primeiro: o meu pai simplesmente não me responder. Fenómeno que não é estranho a nenhum de nós quando estamos completamente imersos na experiência de jogo. Segundo, por sucessivas vezes a força exercida no joystick (um Spectra Vision Quickshot por sinal) era tal que o mesmo saía disparado do banco em que estava fixado (ainda se lembram das ventosas?). Sem o deixar cair, ele agarrava no dispositivo e voltava a colocá-lo no sítio de onde nunca devia ter saído. Depois, de forma muito natural, continuava a jogar como se nada se passasse. Parece demasiado rebuscada esta descrição? É a mais pura e singela verdade, o cenário não era bonito.
O meu pai nunca foi de muitos jogos, mas houve dois em que se distinguiu consideravelmente. O primeiro foi River Raid. Este título, desenvolvido pela Activison, limitava-se a percorrermos, com o nosso avião, um rio repleto de helicópteros, barcos, aviões e canyons. Era primordial abastecer o avião nos vários depósitos de energia espalhados pelos níveis, que por sua vez, eram separados por “portões” que tinham que ser destruídos. O meu pai perdeu a juventude a tentar chegar ao fim do jogo, ultrapassando etapa após etapa, estando por vezes horas seguidas a jogar. Ao que parece, não existe um fim para o jogo, ou pelo menos um que seja convencional. O terminus da aventura dá-se quando a pontuação chega a um milhão de pontos. Nessa altura o avião explode e o contador substitui os números por pontos de exclamação. Poético, dona Carol Shaw… Com uma família para cuidar, o Alberto Francisco desistiu da demanda de ser o king of the River (whatever the hell that means) e virou a sua concentração para o jogo que a seguir vou passar a descrever.
O Highway Encounter era um jogo mais meticuloso, aliás, bem ao jeito do meu pai, sempre a fazer tudo de uma forma muito cuidada e profissional. O desafio proposto pela Vortex colocava-nos na pele de um robô (o paradoxo) que tinha pela frente a árdua tarefa de abrir caminho para outros quatro robôs empurrarem em linha recta um pequeno dispositivo originalmente chamado de lasertron. Este seria utilizado no último nível para eliminar o boss final. O problema (e o maior desafio do jogo) residia na inércia que caracterizava o movimento do robô, sendo difícil controlá-lo. Quem ainda se lembra do joystick e das suas idiossincrasias, sabe a dificuldade de manusear o mesmo. Nesta altura porém, o meu pai já se tinha equipado com a versão que sucedeu ao Kempston joystick que referi atrás. O novo modelo tinha a particularidade de a cada movimento (ou também ao pressionar os seus botões) se ouvir um clique vindo de switches montados elegantemente na sua estrutura. Sem querer alongar muito este post (que já vai longo) esta descrição tem o propósito de explicar a vantagem que o meu pai teve ao jogar este título, uma vez que já era possível dosear a força de uma forma muito mais controlada. O meu pai não é trapalhão de todo, mas do jogo do urso para este, pode dizer-se que foi uma óptima terapia. :)
Por várias vezes aquele “exercício” foi concluído com sucesso. Enquanto uns passam para o desafio seguinte, outros tentam aperfeiçoar a sua performance. O meu velho é um perfeccionista… bom…menos no jogo do urso, aí era um verdadeiro pedreiro (respeito em absoluto a actividade citada diga-se). Ainda hoje quando a “conversa vem à baila” (mais uma expressão velhinha) lá vem o meu pai vangloriar-se, dizendo que sou muito bom em jogos mas que no do robô não lhe cheguei aos calcanhares.
Talvez quando tiver filhos repita o mesmo comportamento (não estou a falar da violência empregue no jogo do urso). Talvez eles consigam ganhar-me quando controlarem com a psique, gráficos holográficos, universos virtuais e realidades aumentadas. Eu terei sempre as seis voltas seguidas que dei à versão do Bruce Lee para o ZX Spectrum e às consecutivas vezes em que enfrentei os dois inimigos do jogo, a quem o meu pai apelidou carinhosamente de Mao Tsé-Tung e Zé do cacete. Não que os meus eventuais descendentes não consigam ter sucesso neste jogo, dúvido é que tenham paciência para o jogar tanto tempo. No que diz respeito a esta qualidade humana o ZX Spectrum treinou-me muito bem. :)
Ps: O jogo do urso era Bear Bovver. Hoje em dia encontra-se tudo na net…
Grande comentário Rui. Partilho contigo o amor pelo Bruce Lee e por vezes dou uma voltinha ao zxspectrum.net para o jogar. Mas confesso que a minha obsessão de horas a fio foi o Formula 1 no spectrum com semanas a ver os carros a passar. Este tópico está a proporcionar boas passagens por memory lane :)
Curiosamente nunca joguei muito ao Formula 1. Lembro-me porém que era jogado por um batalhão de gente, mais uma vez, com uma grande dose de paciência. Pelo que me lembro tinhamos que gerir o nosso carro e esperar que as coisas corressem pelo melhor. A vida ía passando e os carros também… :)
Bem Rui… eu tive (tenho?) tantas obsessões com o Spectrum que nem é bom começar aqui a falar delas :D
“O meu pai perdeu a juventude a tentar chegar ao fim do jogo.” Só mais uma coisa: Este é o melhor comentário de sempre! Eu próprio acho que perdi a juventude a jogar HL :D
O meu pai é um gamer avido de shooters de guerra. Medal of Honor, Call of Duty. Dá-lhe que ele joga. Há cerca de 3 anos que joga com um clan e tem matches oficiais no Medal of Honor Spearhead (grande jogo!).
É qualquer coisa de hilariante chegar a casa e ouvi-lo no quarto com o seu headset e mic aos gritos “SHOOT HIM! HE’S RIGHT THERE! OH FOR FUCKS SAKE! NOOB!”…
Orgulho :)
Muito bom! :)
LOLOLOL “Qual seria a decisão da minha filha com a bomba de Megaton” tão bom! ahhaha
Confesso que já pensei nessa questão: e se alguma vez eu tiver filhos, e eles não gostarem de jogos? E se virem que a mãezinha continua colada online, ou numa consola, e pensarem que isso é ridículo e não tiverem interesse nenhum? Acho que iria ter um grande desgosto :D
Eu nasci filha mais velha e numa família onde ninguém jogava nada além de jogos de cartas e outros jogos de tabuleiro tradicionais tipo damas e xadrez. Nunca tive incentivo nenhum para adquirir uma consola (na altura os computadores ainda não estavam no meu grupo de interesses porque não conhecia ninguém que tivesse um. estamos a falar de por volta de 1992). Tive a grande sorte de existir uma NES (ou outra consola da nintendo anterior, ja não me lembro bem) no infantário/ATL onde andava e… começou aí a minha odisseia! Durante bastantes anos tentei convencer os meus pais a darem-me uma Super Nintendo, Mega Drive, a seguir uma Playstation.. e finalmente consegui a minha primeira consola: a N64. Sim, ser rapariga tem que se lhe diga em termos de convencer pais a comprar consolas. Foi MESMO MESMO difícil. Entretanto, a minha irmã mais nova já tinha idade para jogar consolas e perceber o que se passava, e foi um instante enquanto ela ficou viciada também :) Hoje em dia, ambas jogamos activamente, temos uma grande colecção de jogos e consolas, passámos por vários MMOs e pertencemos a equipas/guilds/clãs em jogos online.
Com isto quero dizer que até foi bastante simples eu interessar-me por jogos (praticamente sem influência de ninguém) e arrastar a minha irmã comigo! No entanto, nunca consegui trazer amigas minhas para o meu mundo feliz dos videojogos, o que me leva a concluir que provavelmente não é assim tão fácil.
Sinceramente, se alguma vez tiver alguma filha, espero que ela pertença à categoria de miúdas que se vão interessar, maravilhar e participar neste mundo maravilhoso. Pelo menos, vou-me esforçar por isso :)
Patrícia (26 anos)