A famosa jornalista e crítica de videojogos Leigh Alexander, escreveu recentemente num artigo: “Perdoem-me, mas o acto de jogar videojogos tem sido predominantemente um hábito de nerds brancos sozinhos em casa, já há tanto tempo, que as pessoas parecem ter medo de discutir todas as formas que o acto de jogar pode e deve ser um lugar onde todos são recebidos e tomados em conta  como jogadores, criadores e escritores.” É curioso que seja uma mulher a reacender uma fogueira que, infelizmente, não passa ainda de uma braseira morna ao fim da noite, mas foi este texto que deu o mote à minha interrogação: Onde estão as mulheres? E em particular, onde estão as mulheres portuguesas?

Vamos aos números. As estatísticas mais recentes apresentam as mulheres como 42% da fatia total de jogadores no mundo. Curiosamente, analisando estes números universais, existem mais mulheres com mais de 18 anos a jogar (37%) do que rapazes abaixo dos 17 anos (13%). Quase três vezes mais. Creio que podemos pelo menos deduzir, se não quisermos ser demasiado atrevidos numa conclusão apressada, que grande parte dos entusiastas dos videojogos são, na realidade, mulheres adultas.

Após queixas dos fãs, a estatueta de Liara T’Soni viu-lhe serem reduzidos os “implantes mamários”, entre o protótipo e a versão final. Acham que as queixas foram exclusivamente do sexo masculino, supostamente os jogadores de Mass Effect?

 

Eu pertenço a uma geração, a um tempo longínquo, onde as mulheres afirmavam que não percebiam de computadores e onde as raparigas garantiam que não gostavam de videojogos. Na minha experiência pessoal, essa ausência de gosto era, frequentemente, desconhecimento (nunca sequer tinham experimentado) ou insegurança (cansadas das humilhantes interacções com os irmãos, a dois na consola). É no entanto impossível que estes 42% tenham aparecido de forma mágica de um dia para o outro e, como veremos mais à frente, a Wii e o Facebook não podem servir de bodes expiatórios para tudo. Tinham de existir muitas raparigas a jogar quando eu era adolescente. Quem sabe, em segredo.

É sabido que todas as mulheres partilham as mesmas três características: 1) Vivem para as compras; 2) Não conseguem ir à casa-de-banho sozinhas; 3) Falam demasiado.

Se após este parágrafo, 100% das nossas leitoras estão já a escrever-nos um email inflamado, têm toda a razão. Os pecados mortais deveriam ser oito. Milton e Dante esqueceram-se de escrever sobre o pecado da redução ao estereótipo.  Da mesma forma, quando se afirma que as mulheres só jogam videojogos casuais no computador, sociais no Facebook ou os jogos de festa nas consolas, estamos também todos nós a cair no perigo da conclusão fácil e errada. As tabelas de 2011 da ESA (Entertainment Software Association) apresentam os jogos casuais (Bejeweled, FarmVille, Professor Layton, etc) como representando 5,2% do total de receitas (nas consolas) e 19,5% do total (nos PC’s). Já os jogos para a família (Singstar, Just Dance, Wii Party) correspondem a 9,1% do total de receitas (nas consolas) e uns míseros 0,1% do total (nos PC’s).

Repita comigo: Juro solenemente nunca ter jogado FarmVille

 

Estes números tornam impraticável a defesa de qualquer estereótipo sobre as mulheres e os jogos. Olhando para o Top 20 dos jogos mais vendidos de 2011 apenas poderíamos tentar “colar” três títulos como supostamente sendo compras maioritárias do público feminino: Sims 3 (3ª posição), Wii Fit Plus (6ª posição) e Just Dance (7º e 15ª posições para Just Dance 2 e Just Dance). Mas afinal, quem não acredita que estes títulos são jogados por uma grande parte, senão a maioria do sexo masculino? Quem não acredita que estão milhões de barba feita agarrados ao FarmVille? Quem não acredita que a grande maioria dos seres humanos que urinam de pé (com o devido desconto aos casos clínicos) joga Tetris no telemóvel? Do outro lado da barricada, quem acredita, que atire a primeira pedra. Como diriam os Monty Python: Let’s go to a stoning!

A verdade é que as mulheres estão espalhadas por todos os géneros de jogos e em todas as áreas, da criação ao Hardcore Gaming. O que seria dos jogos sem a contribuição de mulheres como Jade Raymond, Alyssa Finley ou Laura Fryer. Algum homem poderia criar o sucesso que são os jogos da Nancy Drew no PC? (que batem os números de Harry Potter, também este de uma senhora). E o que seria de Uncharted sem a intuição de Amy Hennig? A web seria um local mais pobre sem as escritoras do sexo feminino, sem locais como as Gaming Angels ou as Thumb Bandits. As batalhas online perderiam muito do seu brilho se excelentes e duros clãs como as Frag Dolls não existissem.

Acham que a saga de Uncharted é demasiado masculina ou machista? Então queixem-se à criadora Amy Hennig. Acham Assassin’s Creed uma violência criada por homens? Falem com a Jade Raymond.

 

Existe porém a questão portuguesa que deve ser novamente lançada com um reparo. Isto é, melhor do que perguntar “Onde estão as mulheres?” é tentar saber “Onde estão as mulheres Portuguesas?”. Seja a causa derivada de um mercado muito pequeno, ou mesmo de um mercado demasiado tardio no seu arranque, Portugal está muito aquém da tradição dos videojogos relativamente a países como, por exemplo, Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha, para nem sequer abordar o caso extremo do Japão. Isto pode ser verificado atentando ao número reduzido de distribuidores presentes no nosso país.

Qualquer “casa” que se preze, seja ela a Activision, a Ubisoft, ou a Bandai, entre tantas outras, detém escritórios já aqui ao lado, na vizinha Espanha.  Já em Portugal, estamos limitados a alguns representantes que agregam entre si praticamente todas as marcas, num número aproximado de seis empresas e em que apenas três delas são representações oficiais: Electronic Arts, Microsoft e Sony (a Nintendo é ibérica). Isto confirma que o nosso mercado não é muito apetecível num esquema global, porventura devido ao número reduzido de jogadores e compradores nacionais. O que ainda torna mais difícil encontrar o sexo feminino em terras lusas.

É verdade que me chegam aos ouvidos alguns casos e histórias soltas. Da namorada de um amigo que é viciada em tudo o que é Assassins’s Creed; de uma conversa apanhada num café acerca de uma trintona que serve de “guia turística” aos novos membros de um clã de Counter Strike; de uma amiga que, dizem as más línguas, é imbatível no Quake. Mas tudo isto apenas me chega aos ouvidos. Da mesma forma que os crocodilos em Nova Iorque. Da mesma forma que as ratazanas gigantes do Convento de Mafra. A verdade é que já todos ouvimos as histórias mas poucos, ou nenhuns, as presenciaram.

Onde está a mãe que aconchega docemente a sua criança e de seguida aterroriza o multijogador de Modern Warfare? Onde está a juíza que após analisar casos com dezenas de dossiers passa horas a explorar o universo de Mass Effect, atenta a todos os pormenores do diário de Shepard? Onde está a mulher a jogar Zelda Skyword Sword que já foi a menina de Link to the Past? Não podem ser apenas mitos urbanos. Recuso-me a acreditar nisso. Por isso, se as virem por aí, digam-nos qualquer coisa. Por outro lado, se forem vocês mesmas que nos estão a ler, let’s go to a stoning? Online?