Só não é um telefone, e ainda bem.

No dia 9 de Janeiro de 2007, assisti, como sempre o fiz ao longo dos anos de forma religiosa (que o meu ateísmo conhece limites e detêm-se nas novidades tecnológicas), a mais uma keynote de apresentação de produtos de Steve Jobs. Esta era ainda mais esperada do que o normal, uma vez que desde há meses que circulavam rumores na web sobre um telemóvel da Apple, o que para os fãs era, no mínimo, muito estranho. Quando a apresentação acabou, toda uma epifania se realizou na minha mente. Pela primeira vez assistia a uma apresentação tecnológica na qual todo o meu instinto disparava alertas, e formou-se em mim a certeza que aquele dispositivo ia mudar não só os telefones, mas ia também mudar o mundo. Tentei espalhar isto a amigos, família, colegas de trabalho e conhecidos, mas todos se riam e apontavam em mim o fanático da Apple. O resto da história já todos nós conhecemos.

Quando foi anunciada a PS VITA o meu instinto disparou apenas ligeiramente e isto foi derivado à inclusão dos dois manípulos analógicos. Como expliquei num artigo recente, previ que a nova portátil poderia ser um sucesso mas apenas na sua segunda incursão, após o seu primeiro redesign. A minha previsão contava com uma boa consola mas nada de extraordinário à partida. Porém, o meu instinto nem sempre consegue ver o quadro todo. Isto aconteceu até com o iPhone, onde não me passou nunca pela cabeça que esse dispositivo ia ser o motor de uma revolução nos jogos portáteis, que iria ameaçar as tradicionais consolas e suplantar os números de venda e disponibilidade de catálogo das mesmas (tivessem-me dito isso e eu ter-vos-ia chamado pequenos trolls líricos de imaginação rebuscada e pueril). É neste clima de incerteza sobre qual o futuro da portabilidade, que a nova pequena da marca nipónica se prepara para aparecer no mercado e foi neste clima de muitas dúvidas e poucas certezas, que o Filipe Marques da Sony nos convidou a visitá-lo, e nos colocou nas mãos três PS VITA ao longo de algumas horas. Foi também neste clima de experimentação que o meu instinto voltou a disparar todos os alertas, que nem os alarmes em dia de temporal, ao perceber que tinha nas mãos a melhor consola portátil de sempre. E não só a melhor portátil, mas também uma das melhores consolas de sempre no geral. Acham-me exagerado, imparcial, vendido? Então vamos lá a isto. Bring it on!

Esta consola é uma obra de arte.

 

É costume dizer que a idade é um posto. Se isso é questionável, já não o é afirmar que a experiência real é o que verdadeiramente importa. Pelas minhas mãos e polegares calejados, já passaram todas as consolas portáteis principais, durante 30 anos, desde o nascimento das mesmas até aos dias de hoje: das várias versões da Game&Watch até à 3DS, passando por tudo o que está entre elas (até mesmo uma Atari Lynx, para a qual apenas tive o Klax e o California Games, e contando com uma NGage que devolvi cinco dias após a compra, numa das minhas epifanias mais acertadas até hoje). Quando li as antevisões fiquei muitas vezes com insónias, à espera dos avanços gráficos da Game Gear ou da Neo Geo Pocket, mas quando finalmente as tinha nas mãos, a experiência era boa, mas ficava sempre muito aquém do imaginado. Como qualquer velho chato, habituei-me ao longo dos anos a controlar a minha excitação parva, e a esperar menos das novidades. Foi com esse mesmo espírito de pé atrás que peguei na consola da Sony. Como é então ter uma PS VITA nas mãos? Vamos por partes.

Comecemos pelo design. Uma das primeiras coisas que surpreende na VITA é a sua leveza. A construção em plástico permite emprestar à consola muito pouco peso, mas não se pense que a mesma tem um aspecto barato nos materiais, pois a maior parte dos plásticos tem acabamentos reflexivos de qualidade e todas as superfícies são bastante agradáveis tanto à vista como ao toque, numa construção de boa qualidade muito similar à PSP original mas com alguns acabamentos mais refinados. Uma das minhas primeiras preocupações era a forma como os manípulos analógicos estariam situados quando seguramos a consola. Se bem que a posição destes obriga a que tenhamos os polegares ligeiramente recuados para os lados, na direcção das extremidades da consola, esta posição é confortável e tem uma grande vantagem que é a de conseguirmos alternar facilmente a posição do polegar, entre a utilização de um manipulo analógico e um toque no ecrã, o que veremos mais à frente, será uma vantagem em muitos jogos. A dimensão mais reduzida dos analógicos, face a um comando DualShock, requer alguma habituação inicial, mas estamos a falar de algumas horas de jogo apenas. O importante é que quando a consola está nas nossas mãos e os nossos dedos seguram os manípulos analógicos, mais os botões L1 e R1, a consola encaixa perfeitamente na mão, muito mais até que a PSP. Esta parece uma consola feita para mãos mais adultas (afinal aquilo da idade…).

Quando ligamos a consola percebemos algo que nos vai acompanhar em toda a experiência,  que é a velocidade de reacção da consola, praticamente imediata. Um toque no botão de power (que finalmente passou para a parte de cima!!!) ilumina imediatamente todo o ecrã com os menus de entrada e a partir deste momento não existem os estranhos tempos de espera no interface que sempre acompanharam tanto o XMB da PSP, como o da PS3. Sair de um jogo ou aplicação, provoca a sensação que apenas minizámos a mesma, pois a saída processa-se em um segundo apenas. E já que falamos do ecrã, a escolha por um OLED de 5 polegadas revela-se uma escolha acertada. É certo que esta tecnologia faz aumentar o preço da consola, mas a recompensa é grande e vale o acréscimo, com uma enorme nitidez, um nível de brilho muito acima da média para um ecrã portátil (seja de que dispositivo for) e um contraste com uma grande amplitude. O show room da Sony é uma sala repleta de iluminação natural, mas isso nunca foi problema para o ecrã da VITA e os reflexos não chegaram sequer a aparecer, quanto mais a incomodar. A resolução de 960×544 pixeis também ajuda e, para quem já experimentou por exemplo um iPhone 4, como termo de comparação, este ecrã acaba por ter uma resolução similar mas numa área de ecrã muito maior. Perfeito para o acto de jogar. Porém, uma das preocupações de um ecrã desta dimensão e resolução é a duração da bateria, mas isso é algo que só poderei experimentar quando passar mais tempo com a consola. Posso no entanto adiantar que em duas horas ininterruptas de jogo, o indicador da bateria não chegou a descer.

Nathan e Sully aparvalhados com a quantidade de coisas que cabem nesta consola.

 

Nas capacidades gráficas e de processamento, ambas com 4 núcleos de processamento cada, a VITA não chega a ser uma PS3 pequena como anunciado. Mas não me entendam mal, e não estou a dizer que a Sony mente. Não chega a ser uma PS3 ao nível do que os produtores de jogos conseguem criar hoje, em 2011, perto do fim de ciclo da consola. A VITA, nos jogos que experimentámos, está como a PS3 em 2009. Isto é, seria capaz de correr  sem problemas ou compromissos um Resistance 2 ou um Uncharted 2. Os melhores exemplos que puxaram pela máquina foram Wipeout 2048,  Super Stardust Delta e Uncharted: Golden Abyss, e ambos estavam ao nível gráfico da irmã mais velha há dois anos atrás. Não vimos foi nada que fizesse sequer sombra ao detalhe de Uncharted 3 mas, verdade seja dita, não sei o que os produtores vão ser capazes de criar quando dominarem melhor o hardware da consola. Uma coisa é certa, ao nível da perfomance em portabilidade, está na frente da corrida.

Surpreendentemente, foi com as funcionalidades de toque e sensores que a VITA me atirou ao tapete, pois confesso que estas eram as características que menos me interessavam nesta nova portátil. Já foram demasiadas as vezes que as inovadoras funções adicionais se revelaram em divertimentos passageiros de circo e nas consolas e acessórios actuais no mercado, apenas 20% dos jogos são realmente algo divertido a partir dessas funções (jogue-se um shooter num tablet, ou controle-se um volante virtual,  para se entender o meu ponto de vista). No entanto, na PS VITA, os jogos revelaram-se viciantes desde o primeiro momento, devido a uma implementação extremamente inteligente deste tipo de controle. Por exemplo, em Uncharted: Golden Abyss, controlar a mira da nossa Sniper Rifle com o sensor de movimento da consola, mostrou a enorme precisão de medição deste sensor, com um desvio de milímetros com a consola a fazer reagir, sem qualquer atraso, a nossa arma da mesma forma. Já fizemos isto noutra consola, mas nunca com este grau tão elevado de resposta e, por momentos, entramos dentro do jogo, graças a uma experiência física extremamente imersiva. Em Little Deviants, os sensores de movimento permitem controlar um mini-jogo ao estilo de Super Monkey Ball ou de Labirinth, mas com uma precisão muito maior do que aquela que conseguimos noutros dispositivos móveis e, noutro mini-jogo de Little Deviants, título que muito nos surpreendeu, “agarrar” uma ponta do ecrã, com um polegar no ecrã da frente e um indicador no touchpad que ocupa toda a parte de trás da consola, é um dos momentos fisicamente mais recompensadores que tive num jogo.

A nova febre de Domingo à tarde. Eat this TVI!

 

Mas foi com FIFA 12 que a maior surpresa da manhã surgiu (eu que até não sou fã de jogos de desporto). FIFA 12 na VITA é um jogo que pode ser jogado como qualquer outro nas consolas de “secretária”, com os analógicos e os restantes botões (e companhia dos foções incluída). Mas agora some-se a possibilidade de podermos tocar fisicamente em qualquer jogador no campo para lhe passarmos a bola ou, melhor ainda, escolher e tocar num ponto do relvado em que queremos que a bola vá parar. Lembram-se quando eu há pouco falava que a posição dos analógicos permitia chegar facilmente com os polegares a todo o ecrã táctil? Já estão a ver onde isto vai parar não é? Pois é, não se escolhe entre utilizar controle clássico ou controle de toque, mas sim tudo junto ao mesmo tempo, e isto senhoras e senhores é um casamento que tardava em consumar-se nos videojogos (muito beijinho, muita mão debaixo da tshirt, mas quando chegava a hora da verdade, nada). Mas o romance não fica por aqui. Imaginem que toda a parte de trás da consola seria o equivalente a uma baliza de futebol e que vocês podiam tocar num desses pontos para escolher a zona da baliza onde queriam rematar. Imaginem também que após um pontapé de canto, percebem que a bola vai aterrar num jogador situado perto do primeiro poste,  e tocam no canto inferior direito da parte de trás da consola. A bola iria entrar ao segundo poste, no chão como mandam as regras, para júbilo da multidão virtual, certo? Já imaginaram? Bem vindos à PS VITA. Quando marquei o meu golo assim, fiz um sorriso de orelha a orelha na direcção do Filipe Marques da Sony, que deve ter pensado: Já nem preciso de dizer mais nada.

Todos os jogos que experimentámos deixaram-nos com vontade imediata de continuar a jogar ao longo do dia. Sabem aquela vontade de chegar a casa para continuar um bom jogo que se parou a meio? Do inteligente e belíssimo Escape Plan, ao inovador Gravity Rush, passando por todos os que já referimos atrás, não ouve um título que ficasse aquém das expectativas, antes pelo contrário, o que também não estávamos à espera. O line-up de arranque de títulos da consola não é marketing, é realidade, e chega e sobra para os primeiros três meses a seis meses de vida da VITA (perdoem-me a redundância) e já sabemos de muitas mais dezenas de títulos prometedores que estão a caminho, como Silent Hill, Assassins’s Creed ou Call of Duty (que na minha previsão vai ser a Killer App da consola). Experimentámos ainda Reality Fighters e ficámos surpreendidos pelas capacidades de Realidade Aumentada da máquina. Ainda não vimos nada com cartões AR e outras implementações, mas a velocidade com que a consola se agarrou a um mapeamento do chão da sala para lá colocar os lutadores, adaptando-se às variações na posição da sala na câmara, mostra a enorme capacidade e velocidade de processamento que está escondida no interior da consola. Os jogos estavam todos instalados no cartão de memória da consola, sendo por isso muito rápidos a carregar, embora a velocidade de leitura dos jogos físicos não deva variar muito, uma vez que o novo formato é também ele um cartão de memória flash.

Se o meu instinto não me engana, a VITA prepara-se para levantar voo.

 

Nesta visita faltaram-nos experimentar algumas capacidades da VITA. Todas as capacidades online não estavam ainda disponíveis para experimentar, como a funcionalidade NEAR (que promete ser, finalmente, a solução acertada para encontrar jogadores online), o modo PARTY, a Loja e o Navegador Internet, entre outras, uma vez que as mesmas precisam de ter uma conta Playstation Network associada, o que não foi possível nestes modelos de teste. O tempo de bateria também é algo que só poderá ser testado com alguns dias de utilização, principalmente na versão 3G que deve reduzir significativamente o tempo de vida da mesma. Também não foi possível testar as anunciadas capacidades de tracking da cara e cabeça do jogador, pois nenhuma aplicação tirava partido destas funcionalidades. Faltou-nos ainda passar mais tempo com o interface para perceber se a organização do mesmo é fácil de utilizar e, principalmente, de localizar e aceder a todas as aplicações e opções. Uma das funcionalidades mais esperadas, o Cross-Play, que permite jogar em tempo real entre VITA e PS3, ou fazer streaming dos conteúdos da PS3 no ecrã da portátil é algo que temos de esperar até dia 22 de Fevereiro para experimentar, quando a consola chegar às lojas.

A galinha está apaixonada pela VITA e nunca se contradiz uma galinha.

 

Concluindo, há muito tempo que não ficava tão entusiasmado ao experimentar uma consola de jogo e, pela primeira vez, um dispositivo excedeu por completo todas as expectativas que tinha sobre o mesmo. Como já referi atrás, eu tive praticamente toda a história principal de consolas portáteis e consolas normais nas mãos e posso afirmar com toda a experiência, toda a certeza e, o mais importante, com toda a imparcialidade, que a nova PS VITA é a melhor consola portátil de sempre. Pela primeira vez na história dos videojogos, uma consola consegue juntar todas as tecnologias do momento, num formato que faz sentido e que é uma mais valia para os jogos. É a consola que serve os jogos e não uma obrigação ao contrário. As vendas no Japão estão a lançar alertas em todos os media especializados que dizem que a consola poderá ser um fracasso. A posição da Sony foi: calma. Eu percebo porquê. Deixem as pessoas ter uma VITA nas mãos e esta será uma consola que irá crescer da mesma forma que crescem todos os grandes sucessos: Através das histórias de quem tem ou já experimentou. Actualmente, os analistas defendem que os smartphones e os tablets estão a matar o mercado das consolas portáteis e que vão acabar por substituir as mesmas. A sério? Uma certeza vos posso afirmar. Se isso acontecer, perdemos a possibilidade de ter nas mãos a melhor experiência de jogos portátil que alguma vez existiu. O mundo só com toque não funciona. Por vezes, temos que agarrar para acreditar.