O nosso respeito por Tim Schafer e Ron Gilbert é maior do que o dos crentes pelo papa, portanto não quero de todo questionar aqui a qualidade e pertinência da nova aventura gráfica que ambos se propuseram a criar. Estes senhores são deuses num género que está esquecido e encostado no canto da arrecadação dos videojogos, o das aventuras point and click. Quem jogou Day of Tentacle, Monkey Island, Full Throttle ou Grim Fandango, sabe do que estes senhores são capazes e aquilo que este género de jogo nos pode dar.
Uma vez que a indústria se recusa a financiar e a trazer de volta à luz do dia este género, faz todo o sentido que tenham escolhido o modelo de crowd funding para tentar financiar o futuro jogo, tentando reunir ao longo de um mês 400 mil dólares. O que ninguém esperava é que depois de apenas 24 horas, estes senhores já reuniram a módica quantia de 1,37 milhões de dólares e não parece que fiquemos por aqui. Existem várias questões que este happening coloca e que vão dar pano para mangas nos próximos meses.
Em primeiro lugar, isto é um sinal para as editoras e uma forma de provar que nem sempre o que elas acham que os jogadores procuram é o que os jogadores realmente querem. Eu prevejo que este projecto chegue rapidamente aos 10 milhões de dólares e estamos a falar do dinheiro de fãs. Estes são valores irrisórios para as editoras e talvez tirem daqui a necessária conclusão que o investimento não deve estar concentrado na panóplia de shooters ou apostas pouco arriscadas, e similares entre si, atiradas para o mercado, algumas sem qualquer inovação, mas com gigantescas campanhas de marketing que colocam o dinheiro no local errado do ciclo de produção de um jogo.
Em segundo lugar, o modelo de financiamento dos videojogos pode abanar seriamente após o resultado deste projecto. É certo que este tipo de investimento para desenvolver jogos já existia, mas nunca com nomes tão importantes envolvidos. Quanto dinheiro poderia reunir um projecto lançado por David Jaffe? Ou uma ideia original de Will Wright? Um projecto de Miyamoto poderia chegar à centena de milhão? A verdade é que os criadores e as equipas recebem uma fatia muito parca dos lucros e isto é após o jogo já ter pago todo o investimento da editora. O investimento por crowd funding é melhor que a Lana del Rey na nossa sala, a cantar em privado para nós enquanto jogamos Limbo. É o sonho dos criadores, que não só mantém todo o controlo criativo sem interferências, como ainda recebem todos os lucros do jogo.
Mas é isto que nos leva ao terceiro lugar. O investimento e contribuição dos fãs são retribuídos de forma original como créditos no jogo, uma cópia assinada ou acesso preliminar às primeiras versões, entre outros “agradecimentos”. No caso deste projecto de Tim Schafer quem der 20000 dólares de contribuição pode jantar e jogar bowling com a equipa. Isto é engraçado e ficamos todos divertidos com a ideia, mas não será isto chulice? E se o jogo for um sucesso de vendas milionário? Depois da piada inicial, um investidor de 5 dígitos fica-se por uma refeição e uns strikes? Estes retornos fazem todo o sentido no crowd funding mais pequeno, mas quando mudamos para uma indústria que produz resultados financeiros de muitos zeros e com este nível de investimento, está na altura dos criadores começarem a dar uma fatia dos lucros em troca. O modelo está certo e perfeito. A retribuição é que terá de se adaptar.
Este projecto promete ser o inicio de uma revolução que só beneficia os jogadores, pois poderá colocar no mercado ideias frescas e originais, e até mesmo mudar a forma de estar das editoras no mercado em relação aos criadores e aos jogadores. Mas, para os que arriscam, sejam fãs ou simplesmente visionários, há que existir um novo modelo de retorno do investimento. Já diziam os grandes livros de Economia: não há almoços (jantares) grátis.