Good cop, fat cop.

Há muito, muito tempo
Era eu uma criança
Que brincava às bonecas
E aos videojogos.

Vínhamos da escola
Ligávamos o computador
Para jogarmos Broken Sword
A sorrir…

Começar a minha primeira contribuição para o Rubber Chicken com uma adulteração de um tema de José Cid já é mau. Pior ainda é ser tudo verdade. Ok, pronto, aquela parte das bonecas talvez tenha sido um bocado fantasiada.

Eram Nenucos.

O Broken Sword II começa assim. Uncharted quem?

 

Mas foi precisamente numa dessas tardes longas dos meus tempos de cachopo que me cruzei com a minha primeira aventura point-and-click. O jogo era o Broken Sword II e começava  imediatamente com o protagonista amarrado a uma cadeira, numa sala a arder, e com uma aranha venenosa prestes a atacá-lo. Cabia a nós, claro, recolher objectos do cenário e usá-los dentro do contexto certo para resolver aquele sarilho. Era extremamente gratificante descobrirmos finalmente a solução para os obstáculos que iam surgindo à medida que progredíamos. A verdade é que, após algumas décadas de existência, este género não mudou muito (leia-se nada). Confesso que não sei se isto é bom ou mau, mas pessoalmente continuo a divertir-me bastante com este tipo de jogos que podem ser jogados com calma, sem pressões e que nos fazem usar a massa cinzenta. Hector: Badge of Carnage é um destes jogos.

Combinando o que de bom este género tem para oferecer com uma boa dose de humor badalhoco, Hector: Badge of Carnage pode não agradar a todos no que toca ao seu sentido de humor mas é certamente uma boa compra para todos os amantes do point-and-click. A aventura é distribuída por três episódios que podemos adquirir individualmente, o que torna cada pedaço mais curto porém mais acessível para os mais reticentes em gastar dinheiro. Embora seja perfeitamente possível jogarmos um episódio isoladamente, convém jogar esta aventura pela ordem correcta se quisermos tirar o maior partido dela, já que o jogo por vezes faz piadas com referência a acontecimentos anteriores. A experiência em si é bastante acessível e põe à nossa disposição (desde o princípio) um sistema de ajuda que nos dá pistas para resolvermos os enigmas ou que nos revela a solução completa se assim o desejarmos – isto sem nunca deixar de nos insultar e de gozar com a nossa fraca aptidão para o jogo, claro.

Se tiverem dúvidas não venham aqui. Este senhor é um malcriadão!

 

Em Hector: Badge of Carnage, o jogador assume maioritariamente o papel de Hector e, em algumas partes específicas, o do seu sidekick Lambert, tendo de alternar entre eles para resolver um puzzle mais complexo. Hector é um detective alcoólico sem escrúpulos com uma ética de trabalho um tanto ou nada duvidosa, mas com curriculum no que toca a obter resultados da forma mais heterodoxa. Quando uma situação de reféns dá para o torto, Hector é chamado para intervir, vendo-se forçado a utilizar toda a sua experiência em labreguice para levar a melhor. Claro está, as coisas nem sempre são o que parecem e entre voltas e reviravoltas, Hector vê-se envolvido numa moscambilha daquelas dos filmes que normalmente têm moscambilhas giras. Por falar em moscambilhas, já mencionei que esta história contém uma moscambilha? Desculpem lá os spoilers

Como já referi (e apesar de continuar a funcionar bem), o género point-and-click não é propriamente novo, o que leva a nossa atenção a focar-se em aspectos mais artísticos. E é precisamente ai que Hector: Badge of Carnage se destaca, com uma atitude provocadora e evocando títulos clássicos que tão bem combinam narrativa com humor na sua escrita. Nesta trilogia podemos encontrar personagens bastante vivaças, com sotaques britânicos cerrados e que de volta e meia soltam pérolas de diálogo hilariantes. Tudo isto enaltecido por um bom desempenho do elenco que emprestou a voz a estas personagens e pela animação que, embora não tão polida como poderia ser, adiciona uma dose extra de imundice ao mundo já bastante corrompido pelo humor negro dos seus habitantes. A música faz o seu trabalho bem, mas não esperem nada de memorável. Em termos visuais, os cenários e as personagens estão bem executados e são coerentes com o feel cartoony do mundo em seu redor, embora não deixe de notar que alguns atalhos tomados na animação acabaram por ter impacto no design das personagens, dando-lhes um aspecto mais simplificado e com menos “textura” em comparação ao estilo visual dos cenários. Convém mencionar que encontrei alguns bugs menores enquanto jogava, como por exemplo algumas animações fora do contexto ou até mesmo o pobre coitado do Hector de repente ficar em cuecas enquanto executa uma acção (história da minha vida), mas nada que estragasse a minha experiência geral que foi bastante positiva.

Adivinhem o que é aquilo. Uma dica: não é chocolate…

 

Em suma, entre piadas de mau gosto, uma narrativa sólida e um anti-herói que mete dó (ou será nojo?), Hector: Badge of Carnage é uma trilogia bastante divertida, com desafios engenhosos e que ao fim de cada episódio nos deixa com vontade de jogarmos e de permanecermos na companhia destes personagens loucos durante mais um pouco. Recomendo esta trilogia a todos os que já se deixaram apaixonar pelas aventuras point-and-click de outrora e também para todos os que tenham vontade de experimentar um jogo que desafia o nosso intelecto enquanto desvendamos a sua história repleta de humor. Cautela, no entanto, à idade recomendada para os jogadores (17 anos para cima) e à vossa sensibilidade para com um tipo de humor mais vulgar, embora não o considere necessariamente mau. Desliguem o cérebro e desfrutem! Afinal não se fazem piadas sobre prostitutas, doenças venéreas e texugos raivosos sem ofender ninguém. Bastante.

(Versão analisada: Windows PC. Também disponível para iPhone, iPad e Mac)