Já jogaram à bola na cama?

Todos os anos existem três certezas futebolísticas: 1) Ronaldo e Messi vão passar o ano a discutir, no campo, quem é o melhor jogador do mundo; 2) Luciana Abreu vai dar à luz um bebé com anagramas de futebolistas no nome; 3) Uma nova versão de FIFA vai ser preguiçosamente adaptada para as consolas portáteis. Este ano, porém, tudo foi diferente. Quer dizer, ao nível da adaptação, entenda-se. A Electronic Arts produziu uma nova adaptação do seu cavalo de batalha, desta vez para a nova portátil da Nintendo e, pela primeira vez, uma versão portátil entra em campo com a mesma vontade nas chuteiras que a das irmãs mais séniores. Se o resultado é uma vitória, ou uma Viktória, é o que veremos de seguida.

Há que salientar desde já que eu sou um jogador casual de FIFA. Disputo ocasionalmente algumas partidas sozinho ou online e, mesmo com os amigos, os dedos que tenho chegam para contar a quantidade de partidas anuais. Sou daquela espécie de jogador que fica em pânico quando a outra equipa ataca, em dificuldade média; que quando marca um só golo, a uma grande equipa, já ganhou o ano; que adora fintar os outros defesas mas perde a bola ao fazê-lo, 9 em cada 10 vezes. No entanto, mesmo a medo e em doses reduzidas, já me passa o Fifa pelas mãos desde a versão 95 na Megadrive, quando tudo na vida era tão mais fácil e se resumia a pressionar repetidamente o mesmo botão.

Fifa 95. Onde marcar golo se resumia a um simples: C, C, C, C, C

 

Uma versão de Fifa 12 para a Nintendo 3DS, inevitavelmente, terá sempre que contar com alguns cortes. É impossível encaixar os 4,7 Gb de um DVD nos 2 Gb de um cartucho 3DS, sem fazer alguns compromissos e, obviamente, alguns conteúdos vão sofrer com isso. Felizmente, a Electronic Arts foi extremamente inteligente na forma como geriu o que deixar no jogo e o que tirar para fora, dando prioridade à longevidade e colocando em segundo plano a fidelidade. Por essa razão, Fifa 12 tem modos de jogo para dar e vender, onde se nota claramente uma estratégia de tornar esta versão na portabilidade dos títulos principais e não reduzi-la apenas a uma experiência casual.

Para começar, temos o já tradicional modo de torneio, que conta com dezenas de provas e troféus, desde as ligas principais ou secundárias de cada país, às taças nacionais, passando pelas ligas europeias ou internacionais, incluindo ainda troféus especiais onde podemos introduzir os nossos clubes ou selecções preferidas. Da Bundesliga à BBVA, da Série B Italiana à Liga Portuguesa, da Barclays à Liga do Brasil, não faltam provas para competir e onde coleccionar vitórias e taças. De salientar que contamos com todas as equipas disponíveis no mundo real destas competições, portanto é com prazer que constatamos ao longo do jogo, que não existe compromisso com o número de equipas presentes. Mesmo fora das ligas existentes no cartão, contamos com mais algumas opções de outros pontos do globo, como por exemplo o Boca Juniors, o River Plate, para além de cerca de 40 selecções nacionais. Se existe numa prova presente, a equipa está na 3DS.  Coleccionar todos os troféus possíveis é tarefa para alguns meses de jogo e muito suor, nas mãos entenda-se, mas deve ser certamente um momento de glória, quando se coloca a toalha ao pescoço, e se vai ao menu de troféus percorrer toda a lista de taças conquistadas, aqui disponíveis com uma representação visual do troféu real. Fica-nos apenas a faltar a mansão com três piscinas interiores e a colecção de bólides na garagem.

Esta versão atira-se de cabeça e tenta ombrear com a versão de consolas maiores.

 

O modo career está também disponível sem qualquer compromisso. Para uma experiência mais envolvida nos meandros da bola (sem contar com agências de viagem, festas privadas no hotel de estágio, ou presuntos e robalos) podemos tomar um clube nas rédeas e gerir a carreira das nossas equipas. Para isso contamos com um orçamento anual, para gerir todos as nossas ideias mirabolantes sobre como levar o Olhanense a vencer a Liga dos Campeões. Para essa tarefa porventura inglória (embora não existam prognósticos antes do final do jogo) temos à nossa disposição dezenas de upgrades possíveis, que vão desde todos os utensílios imagináveis de treino, como gincanas ou postes para a execução de livres, à possibilidade de adquirir avançados equipamentos médicos de ultra-sons. Para além do treino e do departamento médico, podemos ainda gerir o estádio, os transportes, o nosso staff e os olheiros.

O detalhe no modo de carreira é elevado e, para o Mourinho que há em vós, existe a possibilidade de dedicar treinos específicos a cada jogador, por forma a melhorar ou compensar aspectos físicos ou capacidades de virtuosismo no campo. Podem sempre por exemplo contratar o Hulk, não o colocar a jogar e obrigá-lo a treinar corridas a época toda só por vingança pelos golos marcados ao Benfica. Ahhhh, as possibilidades das artes interactivas. Por falar em compras, a gestão do mercado de transferências utiliza o mesmo motor online das outras versões de Fifa e, desde que estejam ligados por wifi, podem fazer download dos últimos roosters que reflectem a realidade do mercado actual, com apenas alguns erros, como comprova a minha tentativa sem êxito de comprar o Yannick a custo zero.

O único defeito que encontrei no modo de carreira são alguns resultados duvidosos, se optarmos por deixar o jogo decidir os resultados, como o caso do Rio Ave que teima em manter-se nos lugares cimeiros da tabela, pela terceira época consecutiva. Por isso, o melhor é não confiar nas capacidades divinatórias do polvo e pegar na equipa quando chega o momento de jogar, o que este modo, felizmente, possibilita.

O Drogba que se cuide, pois o outro passou as últimas três épocas a treinar a maldade.

 

Fifa 12 conta ainda com o meu modo preferido: Be a Pro, o “RPG” futebolístico. Neste modo criamos o nosso jogador, escolhemos a posição preferida no relvado e passamos a controlar apenas um homem durante todo o jogo. É um modo curioso, principalmente no início de carreira, onde a nossa única possibilidade de ingresso são as equipas do fundo da tabela. Se escolherem a posição de atacantes, preparem-se para sofrer a pedir aos vossos defesas para conseguirem cortar as bolas atacantes, ou a tentarem salvar um golo correndo primeiro o campo inteiro, enquanto os centrais tentam perceber que perna se coloca à frente da outra. Por cada partida que jogamos, podemos distribuir a experiência ganha pelos atributos do nosso jogador, que será maior conforme os golos marcados, os passes bem sucedidos, as assistências, os cortes, etc. Para além dos pontos de experiência, existem ainda “missões” a completar em cada partida, tais como marcar x número de golos, cortar a bola x vezes ao jogador y, ou executar um truque futebolístico e marcar de seguida. Este conjunto alargado de missões atribui-nos pontos de fama, que podem mais tarde ser usados para comprar novas fintas, chuteiras personalizadas, ou permitir-nos sermos chamados para a selecção nacional. De notar que, devido ao número reduzido de botões na 3DS, conseguir as combinações necessárias para algumas das missões, vai colocar à prova as vossas habilidades de Fifa.

Ao longo das épocas, o nosso manager vai-nos perguntando para que clube tencionamos ingressar, tentando depois colocar-nos no clube desejado após o término do campeonato. No entanto, duvido seriamente que as nossas escolhas sejam tomadas em conta. Passei quatro épocas no mesmo clube, a evoluir o meu jogador, na esperança de poder ingressar no Benfica. Não consegui, mas pelo menos a Académica conta hoje com um atacante com maior nível de jogador que Lionel Messi. A Briosa prepara-se para arrasar Camp Nou!

Ao nível gráfico, Fifa 12 mostra que a 3DS não é a sua antecessora. Os jogadores, os inúmeros estádios, o público, e todos os elementos, estão criados com uma definição que não envergonha as consolas maiores e que mostra a grande capacidade de processamento da 3DS, principalmente se contarmos que a portátil está a gerar duas imagens no ecrã, mas já lá vamos a isso. É, no entanto, no nível gráfico, que a Electronic Arts teve de proceder a cortes, no que respeita à fidelidade das representações dos jogadores. Fora os grandes craques, os restantes jogadores baseiam-se todos em modelos similares que, caso exista um atributo mais destacável, como o ninho de pássaros que Witsel tem na cabeça, conseguem ser relacionados mas, fora isso, em nada se assemelham aos seus similares de carne e osso. Nesta versão semiótica de Fifa, o espaço para guardar texturas de rostos e atributos foi uma das áreas que mais sofreu.

Um estádio com gráficos de se tirar o chapéu numa portátil, e Iniesta e Ricardo Carvalho depois do Peeling.

 

A outra área que também sofre é o som. Os sons presentes são credíveis e bem desenhados, mas tudo é reciclado e repetido a cada minuto, dos comentários aos cânticos, das palavras dos jogadores em campo, ao desespero nas bancadas. Esta necessidade de cortar na quantidade de som gravado conduz a casos curiosos, como cânticos ingleses num bem britânico Académica x Braga. Existem ainda alguns erros estranhos nos comentários, como todas as faltas no modo Be a Pro a gerarem o comentário de termos levado o primeiro vermelho da nossa carreira, mesmo que o árbitro nada tenha visto nem assinalado. Eu sei que os comentadores têm a mania que vêem tudo, mas isto também é demais.

Ainda nos erros, existem algumas disparidades em alguns dos nomes das equipas, com os estranhos Santa Maria, Vitória de Barcelos ou Clube Funchal, a ingressarem na Liga Portuguesa. Mas estes defeitos são pontuais e, pelo menos, os equipamentos, símbolos e patrocínios destes híbridos estão correctos. O erro mais caricato de Fifa 12 é, no entanto, o guarda-redes subir à área adversária no final de alguns jogos. É normal, dizem vocês? Sim, talvez. Se não estivermos na primeira volta do campeonato nacional.

Até agora, como aqui tenho explanado no campo verdejante das letras (onde estás tu Gabriel?), Fifa 12 na 3DS é uma pequena grande versão de FIFA, com muito poucos compromissos que não afectam nem a jogabilidade, nem a longevidade. Com todos os modos de jogo presentes e com todas as funcionalidades de controlo existentes nos irmãos mais velhos, haverá algo mais em Fifa na 3DS, para além da portabilidade? Existe sim, e é a melhor parte de todas. O 3D.

O ecrá táctil é como a vida real: olhem para baixo e arriscam-se a ficar sem bola. Mas o 3D, senhoras e senhores, ai a “vantagem de ter duas pernas”.

 

Os gráficos em 3D emprestam uma profundidade ao campo nunca experimentada até hoje. Não é apenas um número de circo, é uma funcionalidade que nos coloca no centro da acção. Se jogarem com a câmara no modo Pro 3D, ou se ainda se atreverem a colocar a vista em Pro 3D Close, são transportados para dentro do campo. Aquele passe em profundidade passa a ser uma redundância, quando espreitarem “lá para o fundo”, para o local onde vão colocar a redondinha.

Já os modos que utilizam o ecrã táctil, conduzem a relações de amor e ódio. Nas bolas paradas, são uma mais valia, onde podemos desenhar no ecrã qual a trajectória que a bola deve tomar após um pontapé de canto ou um livre. O problema são os remates à baliza em corrida, uma vez que tocar no ecrã inferior, na representação da baliza, pode tirar a atenção do ecrã de jogo. Isto pode levar a perder a bola ou até a perder o efeito 3D ao rodar ligeiramente a consola. No entanto, foi com a escolha do ponto da baliza no ecrã de baixo que marquei alguns dos meus golos mais vistosos e com possibilidade de figurarem num lugar da história virtual. Claro que podem sempre optar por utilizar os botões tradicionais para rematar o esférico.

A versão 3DS inclui ainda um divertido e descontraído modo de Street Football, que pode ser acedido através dos campeonatos específicos deste modo, ou como jogos de treino em campeonatos normais. Não substitui um Fifa Street na 3DS, mas é mais um complemento a um conjunto interminável de modos de jogo.

O maior defeito de Fifa 12 é, assim como acontece em Pro Evolution 3D, a falta de um modo de jogo online, que já não faz qualquer sentido na actualidade. Se isto é uma decisão da Electronic Arts ou da política online da Nintendo, não sabemos, mas já vai chegando a altura da portátil 3D começar a ter uma postura mais crescidinha em relação às partidas online abertas a todos.

Vá, sem medos. Este é o jogo de futebol para quem tem uma 3DS.

 

Fifa 12 na 3DS é uma adaptação que não envergonha, face às irmãs das consolas maiores e é também uma grande finta que deixa Pro Evolution 3D completamente sentado no chão dos relvados da portátil. A Electronic Arts soube escolher onde poupar, mantendo uma enorme longevidade graças à quantidade imensa de modos e opções de jogo. Com uma impressionante lista de campeonatos e equipas presentes, com todas as funcionalidades dos modos de campeonato, carreira e Be a Pro das versões existentes, esta versão promete meses de trivelas, carrinhos e grandes defesas. É certo que a fidelidade dos jogadores teve de ser deixada de lado, e a quantidade limitada de sons e comentários repete-se até à exaustão. Mas a inclusão dos excelentes gráficos 3D compensam tudo o que foi cortado, com uma profundidade de campo nunca antes vista num jogo de futebol. Já as possibilidades de touch, é como o clubismo. Não se devem discutir as preferência, ódios e amores.