Os mercados. Esta é a palavra da actualidade. É por causa deles que ficamos sem subsídio de férias e não podemos gozar o Carnaval; é por causa deles que somos lixo e varridos para um canto; é por causa deles que aumentam o iva e outros impostos, disparando o preço dos jogos. Mas quem são estes mercados tirânicos que ameaçam com o fim das lojas de videojogos? Nada mais que um jogo de interesses entre o que as empresas e o público querem. Os mercados somos todos nós. E nós, estamos a tornarmo-nos digitais.
O crescimento do retalho de videojogos, nos últimos 4 anos, proliferou a um ritmo impressionante e tomou de assalto a indústria de entretenimento. As lojas nasceram como cogumelos, e as secções nos grandes retalhistas foram ocupando corredores inteiros, relegando para um segundo plano o cinema e a música, tratados agora como secções de fundo de loja com menos interesse comercial. Ao cinema foi apontada a pirataria como razão da quebra de vendas, arrastando consigo os clubes de vídeo; à música foi apontada uma combinação de pirataria e vendas digitais. Porém, não havia razão para pânico. A tábua de salvação chegava à costa. Gamestop: 6500 lojas no mundo; Game: 1400 lojas na Europa. Portugal não fugia à regra e viu abrir Game, Gamestop, ReplayZone, entre outros, enquanto as prateleiras das maiores superfícies se enchiam de títulos. Os videojogos, acumulavam mais vendas que as outras duas indústrias combinadas. O retalho estava salvo, faziam-se reportagens e tudo acabava bem. Faltou apenas reter na memória dos retalhistas que a razão maior no fracasso dos filmes e músicas foi a incapacidade de adaptação e a cegueira perante as mudanças.
No dia 7 de Fevereiro, os jogadores Portugueses e Irlandeses menos atentos, tomaram consciência das nuvens negras que também pairam em cima do retalho de videojogos, pelo menos há um ano. A Gamestop fechou todas as suas lojas nestes dois países. Quem por lá passasse nos últimos dias via um quadro muito pouco bonito, com empregados a selar caixotes enquanto os clientes em frenesim aproveitavam a enorme baixa de preços para tentar encontrar títulos baratos. Parecia um documentário da BBC sobre aves de rapina. O alerta já tinha sido dado com o fecho, silencioso, da Replay Zone e, não só cá, mas em todo o mundo, os analistas alertaram para o efeito de bolha no crescimento repentino e vertiginoso do retalho de videojogos, quando a tendência para a venda de conteúdos digitais está em crescimento. O mês passado soubemos que a Game estava a fechar pelo menos 60 operações e a diminuir os custos com trabalhadores. Esta semana, soubemos que a mesma Game não tem os títulos de lançamento da Ubisoft, para a Vita, pois as duas empresas estão a discutir linhas de crédito e garantias bancárias, juntando-se a Tekken 3D e a Last Story que a loja não consegue ter em stock por problemas financeiros.
O que está a condenar o mercado de retalho de videojogos? Os elevados preços? O facto de as pessoas preferirem comprar nas lojas digitais? A crise? Um crescimento forçado e impraticável por parte dos retalhistas? Na verdade, um pouco de tudo isto e muito mais. Essa temática já encheu e vai continuar a encher as páginas dos jornais, sites e fóruns. A questão é: pode fazer-se alguma coisa, ou está o retalho presencial condenado à falência? E falindo o retalho, não se tornam também obsoletas as editoras que representam as marcas? Há alternativas? Como em tudo, não existem soluções mágicas, mas as editoras e os retalhistas necessitam de analisar 3 pontos essenciais que talvez possam ser pistas para um futuro mais sorridente.
Representar menos, comunicar mais.
Num mundo de vendas digitais, os representantes tornam-se obsoletos. Actualmente, as grandes marcas como Sony ou Nintendo e os produtores de videojogos, desde a gigante Electronic Arts à independente Frozenbyte, já contratam empresas de comunicação para gerirem todo o seu catálogo de produtos, sejam consolas, acessórios ou títulos. No entanto, em alguns casos, precisam de um intermediário com o retalho físico, principalmente quando o volume de vendas físicas num país não justifica a existência de uma sucursal da casa mãe. É o exemplo da Ecoplay, que representa títulos da Activision (Call of Duty), Sega (Yakuza, Sonic), Square Enix (Final Fantasy), entre outros, em Portugal. É também o caso da Capital Games (2K, Rockstar, entre outras), da Playgames, ou da Porto Editora, para dar alguns exemplos. Mas, num mundo de vendas digitais, em que os jogos são adquiridos online, estas empresas vão tornar-se dispensáveis.
No entanto, as mesmas podem aproveitar a sua mais-valia ganha nos últimos anos. Conhecem o cliente, conhecem o produto e, em princípio, conhecem o consumidor. A estratégia deverá passar a ser representar cada vez menos e comunicar cada vez mais, abandonando a dependência da representação comercial e tornando-se comunicadores das marcas. Isto implica mudar completamente de paradigma. As estratégias actuais de tentar chegar ao maior número possível com publicidade genérica, vão deixar de funcionar. Bombardear o público com enormes cartazes promocionais nas lojas, ou colar autocolantes em todas as montras, são veículos que nem fisicamente vão poder existir nos próximos anos. Há que aprender a falar directamente com os jogadores. O consumidor tem de sentir que há uma presença do outro lado e que esta fala directamente para si e, muito importante, com conhecimento. Isto é comunicação actual. As empresas de comunicação generalistas conseguem fazer este papel, uma vez que têm a capacidade de absorver qualquer assunto e dominar o mesmo. Mas não podem as actuais editoras tornarem-se ainda melhores comunicadores, emprestando a essa comunicação o conhecimento da experiência? Operando esta mudança, contratando profissionais de comunicação e gamers nas suas estruturas, talvez consigam salvar os postos de trabalho. Em caso contrário, seguem o caminho dos clubes de vídeo.
Uma experiência diferente no ponto de venda.
Durante a minha adolescência, duas lojas em Lisboa marcaram a minha experiência de compra de videojogos. A papelaria Orvil que vendia jogos de Spectrum, no Centro Comercial da Portela, e a Softclub que vendia jogos de Amiga e PC, no Centro Comercial City perto do Saldanha. Ambas operavam na obscuridade do vazio legal que existia nos direitos de autor em torno do software, copiando originais por um preço convidativo. Mas o que essas lojas tinham de melhor, não existe actualmente (no retalho de videojogos, entenda-se): clientes fieis que lá poderíamos encontrar como no café. Quando se ia comprar um jogo, ficava-se uma a duas horas na loja (por vezes, muito mais) a conversar com o dono e com os clientes sobre as novidades, a aprender a melhor forma de passar um nível, a discutir empoladamente sobre qual a melhor aventura gráfica. Muitas vezes, mesmo com a possibilidade de adquirir cópias pirateadas, lá se comprava uma cópia original de um jogo, acompanhados pelos incentivos dos outros clientes que nos pediam para abrir a caixa ainda na loja. Todos apreciavam em conjunto os manuais, as disquetes com a impressão do jogo na face e, quase sempre, mais outro cliente acabava por pedir uma versão original. A loja tornava-se uma experiência e não meramente uma troca comercial.
É certo que os tempos mudam e que não devemos estar agarrados ao que foi. Mas também não temos que estar ditados pelo que é, uma vez que podemos escolher como vai ser. A venda de videojogos físicos nas lojas vai cair ao longo dos próximos anos, até atingir valores marginais. As vendas digitais vão ser a forma principal de compra. Playstation Network, Xbox Live Marketplace, Steam, Origin e outras vão ser os grandes “retalhistas” dos próximos anos, enquanto os alugueres digitais e os conteúdos de streaming de jogos como o Gaikai e o OnLive vão ser cada vez mais a solução (se bem que esta com uma transição muito mais lenta). Mas isto não significa que as lojas físicas de jogos tenham de fechar. Curiosamente, para estarem adaptadas ao futuro, vão ter de se tornar mais tradicionais.
O facto de um jogo não estar numa caixa não significa que não possa ser vendido numa loja, e o caso de as vendas em segunda mão estarem condenadas à extinção não implica o desaparecimento de uma loja. As lojas vão poder continuar a vender os jogos na forma física de cupões para descarga, saquetas com boosters de DLC, spin-offs de outros produtos materiais que podem dar acesso a itens ou achievements. O físico não tem que desaparecer por completo, como o provou recentemente o avassalador e surpreendente sucesso de Skylanders. As edições especiais com estatuetas, livros e outras ofertas cada vez mais premium vão também continuar a existir. Mas as lojas têm de mudar a sua estratégia para atrair o cliente. Actualmente, a Game não é mais do que um exagerado número de caixas em prateleiras. Os empregados destas lojas, se conhecem videojogos, é por gosto próprio e quando chegamos a uma Worten ou Media Markt nem sonhem ter qualquer ajuda válida nesse sentido. A filosofia deve regressar à das lojas do antigamente que referi atrás. Lojas onde os empregados recebem formação regular na área; lojas onde os empregados experimentam e recebem briefings sobre os jogos que vendem, em horas do horário especialmente dedicadas a essas actividades; lojas onde o cliente recebe um acompanhamento personalizado do empregado, sobre títulos relacionados com a compra que poderá estar interessado em vez de pré-reservas impostas; lojas onde o cliente pode experimentar todas as demonstrações disponíveis actualmente, antes de adquirir qualquer título; lojas, ainda, onde a ausência de espaço para guardar tanta caixa, dá lugar a espaços de repouso e lazer onde se pode conversar sobre videojogos. Dizem-me que isto não funciona numa economia como a actual, que é um modelo de nicho e impossível de ser franchisado ou posto em prática. Foi o mesmo que foi dito há uns atrás quando uma certa empresa decidiu seguir esta estratégia. Actualmente, a Apple opera mais de 360 lojas a nível mundial, com os números sempre a subirem e muito mais espaços planeados. A fórmula? A experiência de compra.
Os jornalistas são vossos (nossos) amigos.
Os jornalistas de videojogos são uma das formas menos imparciais de se fazer jornalismo que se conhece. Não, os jornalistas não andam a violar códigos de ética, ou a comercializar os produtos das editoras (esperemos), mas adoram o produto sobre o qual escrevem. Um jornalista que escreve sobre um homicídio não precisa de gostar de ciência criminal; uma jornalista que escreve sobre os milhões de uma transferência de Ronaldo não precisa de gostar de futebol. Porém, os jornalistas de videojogos são quase sempre jogadores e, quando gostam do produto, tecem elogios rasgados e discutem o mesmo até à exaustão, numa forma de noticiar e criticar que não encontra similar, em escala, em nenhuma outra área do entretenimento (nem mesmo no cinema). Por esta razão, quer queiram quer não, os jornalistas de videojogos são marketeers acidentais.
Num futuro de vendas digitais, em que não existe a quantidade actual de espaço para publicidade física, em que toda a promoção é feita via internet e tem de encontrar o seu caminho entre biliões de outros conteúdos, a imprensa especializada torna-se a melhor forma de fidelizar os jogadores, por sua vez também eles clientes. A maior forma de se chegar a um jogo nos próximos anos vai ser através da caixa de pesquisa do Google, por isso convém que os resultados façam o jogador ficar na página que lhe é sugerida. As pessoas já estão a conseguir filtrar entre um site que agrega automaticamente e um que realmente escreveu sobre o conteúdo. Já sabem que não é o primeiro resultado da pesquisa que muitas vezes traz a melhor informação. Daí virarem-se para os sites que confiam, onde mesmo que discordem da totalidade do conteúdo, respeitam a escrita e opinião de quem o produziu, considerando-a como válida. Sites como o IGN, o Kotaku ou o Destructoid, são acompanhados por milhões de fãs que não carregaram apenas uma vez num botão de like, mas que seguem religiosa e diariamente as novidades sobre todos os títulos. Estes formam o Cálice da Vida Eterna do marketing: uma comunidade.
Existe um caso curioso em Portugal que é o Eurogamer.pt. A versão portuguesa do conhecido internacional Eurogamer, produz uma média de 20 notícias diárias e é um dos maiores sucessos entre as várias versões europeias. É certo que com todos os sites do grupo no encalce da informação, torna-se mais fácil produzir conteúdos, mas mesmo assim falamos de produção nacional de volume considerável. Por exemplo, o caso das análises aos jogos, feita pela equipa portuguesa, tem uma periocidade impressionante e invejável com uma enorme quantidade de análises semanais de qualidade. Isto conduz-nos ao exercício interessante que é passear nas caixas de comentários do Eurogamer. Nestas, sente-se a presença de uma comunidade e de um público que, informado ou não, participa activamente no processo de noticiar títulos, discutindo gostos e preferências, discordando das palavras do jornalista ou agradecendo as mesmas, sugerindo aos outros comentadores títulos similares que deviam adquirir. Muitos dos comentários são ignorantes ou completamente desadequados mas, como dizem os famosos: falem mal de mim, mas falem de mim. O Eurogamer, com uma média de 30 mil leitores diários, recebe obviamente o apoio das editoras. Estas, enviam os títulos, o hardware, e muito mais para a redação, na esperança de ver os mesmos noticiados, discutidos e analisados, numa tentativa de chegar por esta via à comunidade fiel de leitores do maior portal nacional.
E os pequenos? E nós, como o Rubber Chicken que atingem médias diárias entre os 300 e os 500? E os blogues que apenas conseguem um máximo de 100 leitores num dia? Seremos importantes no novo esquema digital? É aqui que deixo a minha opinião pessoal, sobre como as estratégias podem ter de se adaptar. A experiência destes primeiros quatro meses de existência do Rubber Chicken ensinou-nos uma importante lição: conseguir o apoio das editoras, quando se está a lançar um novo projecto editorial é um trabalho hercúleo. Se umas colaboram logo aos primeiros contactos, outras têm de ser quase puxadas a ferros, e outras ainda ignoraram constantemente qualquer tentativa de contacto para com as mesmas. Isto conduz a uma curiosa “pescadinha de rabo na boca”. Os sites e blogues não têm dimensão suficiente para receber jogos para análise, mas como não analisam muitos jogos não crescem, e como não crescem não conseguem receitas publicitárias para adquirir os jogos e os sistemas que precisam para analisar, e chegamos a um impasse. Verdade seja dita, agregar notícias não faz um novo site sobreviver, sendo impossível competir com os maiores nesse domínio. A opinião, como este artigo, transporta consigo a fidelização e respeito dos leitores, mas esses vão acabar por querer saber a nossa opinião sobre o novo título que acaba de chegar às lojas. Quando se tem de decidir entre dois jogos, recorre-se frequentemente à opinião que se respeita. É por isso que desde 1995, a revista Edge entrou todos os meses em minha casa. As editoras devem estar muito mais atentas ao conteúdo dos sites e blogues, e muito menos preocupadas exclusivamente com as visitas. Muitas já percebem isso e são parceiros incríveis desde o primeiro dia de cada projecto. Outras, ignoram os mais pequenos, e limitam os seus esforços aos três ou quatro sites maiores nacionais e à imprensa generalista. No entanto, quando se pesquisa um determinado jogo, muitas vezes o Google anexa primeiro um blogue com menos visitas que nós, ou nós aparecemos à frente de um portal português maior. Uma vez lá dentro, é o conteúdo que interessa. Entre um artigo num jornal ou revista que apenas copia a sinopse e dá uma pontuação, a um artigo que defende ponto por ponto porque se deve adquirir e experimentar um título, o segundo torna-se uma experiência à qual o consumidor irá regressar.
Muitos projectos editoriais em Portugal, na área dos videojogos, desaparecem em pouco tempo. Acredito que isto se deve mais ao desgaste da luta para ganhar o interesse das editoras, e muito menos do desgaste para conseguir leitores. O último é um objectivo no qual se vai aprendendo e trabalhando, o primeiro é muitas vezes uma frustração na qual nada se pode fazer. As editoras, para sobreviverem no futuro, vão ter de apostar mais nestes projectos e até, quem sabe, criarem projectos editoriais próprios. As marcas com que mais facilmente se conseguem colaborações iniciais, são aquelas que já associam empresas de comunicação aos seus produtos e que já perceberam a importância da experiência do consumidor, desde o momento em que é informado da existência de um novo produto, até ao acto da compra. O jogador precisa de sentir que existem pessoas informadas em todos os passos que envolvem a chegada do produto às suas mãos. Se a estratégia continuar a ser a cegueira de acreditar que o melhor é chegar ao maior número, nem tempo para tirar a matrícula vai haver.
Concluindo, as editoras e as lojas de videojogos podem e devem sobreviver no futuro, para o bem da experiência de aquisição, mas vão ter de saber adaptar-se a uma nova realidade e modo de operar. As lojas vão ter de ter uma experiência bem mais próxima do consumidor e mais enriquecedora, as editoras vão ter de se tornar empresas de comunicação e mudar a estratégia para com o consumidor. A imprensa online especializada é ainda uma das peças fundamentais de um futuro digital, pois embora o Facebook, o Youtube e a imprensa generalista possam levar o conteúdo ao público, só a imprensa especializada pode fidelizar o leitor. E aqui, tem de se dar atenção tanto aos gigantes como aos que dão os primeiros passos, pois todos são indexados nos motores de pesquisa. No final do dia, o que conta, são os jogos. Mas convém saber se queremos que o caminho para chegar aos mesmos seja uma agradável e reconfortante viagem ou que seja apenas um frio e acidental encontrão.
Comments (3)
Muitos parabens!
Obrigado Laurentino :)
eu por exemplo gostava de abrir uma loja de videojogos e periféricos, pois a mais próxima fica a quase de 70 km daqui e não encontro apoios para realizar esse sonho