Lutamos, ou morremos?

Dizia, repleto de razão, o narrador de outro título bem conhecido: a guerra, a guerra nunca muda. Porém, com o tempo, a guerra muda-nos. Molda-nos, quebra-nos o espírito, faz com que deixemos de ter vontade de agir, pois a única coisa que queremos é esquecer. E quando a guerra se embrenha nos nossos primeiros cabelos brancos, só resta uma única necessidade que temos de saciar: sobreviver. Ao regressarmos à guerra com os Quimerianos, depois de todos estes anos de combate, reparamos que Joseph Capelli mudou, que Resistance mudou, que a Insomniac mudou, e que a Playstation 3 também mudou. Todos estão mais velhos e experientes. Mas será que isto significa melhores?

No dia 22 de Março de 2007 começou a guerra da terceira geração em minha casa, após uma grande superfície ter errado nas reservas e enviado as primeiras PS3 aos clientes um dia antes ao lançamento Europeu (acabaram de fazer o mesmo com a VITA, mas desta vez com dois dias de antecedência). Desloquei-me a várias lojas e implorei que me vendessem um jogo antes do lançamento mas voltei a casa de mãos a abanar, sem um único disco azul. Recorri à Playstation Network, onde devo ter sido um dos primeiros registos portugueses (e fossem outros os tempos talvez fosse banido), inventei um registo Americano e dessa forma consegui fazer download de algumas demos, incluindo a do primeiro Resistance: The Fall of Man. Passei a primeira noite acordado a jogar a demo e, assim que as lojas abriram, adquiri uma cópia do jogo e parti para a minha primeira directa a jogar PS3. Resistance enterrava as capacidades da Playstation anterior e mostrava as enormes capacidades da nova máquina. Foram muitos dias agarrados a este título, que acho que só regressou de vez à caixa após o lançamento de Uncharted.

Foi, por isso, com algum saudosismo que coloquei agora o primeiro disco de Resistance na consola, para jogar novamente as campanhas dos dois primeiros títulos antes de começar a jogar e analisar Resistance 3. O que se seguiu, foi uma lição de história. Fall of Man, graficamente, estava a anos-luz dos jogos actuais, muito diferente da imagem que eu tinha dele em memória. Este exclusivo foi crescendo à medida que os criadores iam descobrindo como aproveitar o processamento da consola, mas não é apenas na qualidade do motor que este foi evoluindo. As mecânicas ao longo da série também foram mudando, e a história de Resistance reflecte não só a história da Playstation 3, mas também a história dos shooters nos últimos 5 anos.

Are we there yet?

 

Nos dois primeiros jogos da série, a humanidade está em conflito imposto pela invasão Quimeriana, uma raça alienígena que nos anos 50 regressou à Terra para reclamar um planeta que já fora deles. Aproveitando a humanidade como bichos da seda, e arrasando o nosso stock de folhas de Amoreira, os invasores convertem os humanos em trabalhadores e soldados após um coma forçado no interior de um casulo, fulminando populações inteiras e obrigando a humanidade a não poder seguir o seu pacífico caminho alternativo de uma segunda guerra mundial entre nações. Mas a humanidade tem uma arma secreta: Nathan Hale, um soldado fruto de experiências em laboratório com DNA quimeriano, com capacidades bem acima da média e capaz de arrasar com vagas sucessivas de homenzinhos verdes (neste caso castanhos). Nathan Hale consegue destruir as operações de invasão em Inglaterra e nos Estados Unidos, mas acaba por sucumbir ao vírus que o torna tão eficaz. No final de Resistance 2, já praticamente convertido à religião quimeriana, Nathan afirma que isto é apenas o início. O colega Capelli dá-lhe um misericordioso tiro na cabeça, afirmado: “foi uma honra servi-lo”, embora eu acredite que o acto se tenha devido à irritação com a atitude pessimista de Hale. É que Capelli tinha acabado de saber dos cortes no subsídio de Natal e de férias.

Porém, Hale tinha razão. Resistance 3 começa com a guerra totalmente perdida para o nosso lado e com a humanidade reduzida a uns meros 10% da população que só sobrevive refugiada e escondida no subsolo. Grandes máquinas quimerianas e um buraco de verme que faz uma ligação espacial directa com sofisticados engenhos no planeta original dos alienígenas, produzem uma combinação mortal de terraformação e congelamento do nosso planeta. O facto de a cura para o vírus quimeriano ter sido descoberta pouco ou nada interessa, tanto a nós como aos invasores. O planeta está a ficar com um habitat impossível para a continuidade da espécie humana e é apenas uma questão de tempo até sermos extintos. Como diz um dos personagens do jogo: Lutamos, ou morremos, embora Capelli tente outra alternativa. Casa-se, tem um filho, e tenta sobreviver escondido. Mas como isto daria o jogo mais aborrecido do planeta (ou um bom simulador dos restos da humanidade no Facebook), o doutor Malikov aparece em cena, trazendo com ele os quimerianos no seu encalço e tentando que Capelli o escolte até Nova Iorque, onde saberá como destruir o buraco de verme e acabar de vez com a invasão. Capelli recusa, mas a sua mulher pede-lhe que vá, pois talvez seja a última chance de o filho de ambos poder sobreviver. A história de Resistance 3 torna-se assim um road movie entre Oklahoma e Nova Iorque, com um quarentão muito menos heróico e muito mais desesperado a tentar colocar um ponto final na questão, para bem da família e do franchise da Sony. Como afirma mais à frente, sozinho numa gélida Manhattan: I’ll try my best.

Os rostos da austeridade.

 

As diferenças não se ficam só pela história mais intimista e pessoal. Toda o ambiente de Resistance 3 mostra que seguimos por novos caminhos neste franchise. Os cenários são locais muito mais inóspitos, onde reina o nevoeiro, a neve, a lama ou a poeira. O mundo de Resistance 3 é um mundo muito mais realista, muito mais frio, com muito menos esperança. Para quem se habitou aos locais dos dois primeiros títulos, incluindo os fantásticos interiores das naves repletas de cor, prepare-se para algo bem mais seco. Ao longo de locais como os refúgios da humanidade no subsolo (alguns dos momentos mais bem conseguidos do jogo), uma enorme prisão onde os resquícios da humanidade mais louca assumiu o poder, uma floresta nocturna ou uma Nova Iorque deserta e gelada, estamos mais próximos de um shooter generalista da nova geração do que das antigas incursões da série. É aqui que reside uma vantagem ou uma desvantagem, consoante o jogador. Se estão à espera de uma sequela dos dois primeiros títulos, Resistance 3 perde muita da identidade do franchise e parece uma carta fora do baralho. Se nunca jogaram qualquer jogo da série, e os vossos vícios são Modern Warfare ou Battlefield, vão sentir-se muito mais em casa em termos de ambientes.

Ao longo de todos estes ambientes a acção é extremamente bem equilibrada em ritmo e picos de intensidade. De ambientes repletos de inimigos sem fim, a zonas em que cada tiro de caçadeira é um momento único, existem estilos de combate para todos os gostos. Felizmente, as pontuais batalhas com “bosses” continuam a existir, embora muito menos épicas que as batalhas de Resistance 2.  A acção é também encaixada de uma forma que nos permite alguma liberdade e, mesmo nas sequências mais on-rails, sentimos que o jogo nos permite o controlo do mesmo e não o contrário, sem nos limitar demasiado o raio de acção. Um dos bons exemplos é uma missão nocturna numa floresta, em que a furtiva sniper é a nossa melhor amiga para aniquilar os inimigos no topo das rochas mas sempre com uma enorme nave à nossa procura nos céus, pronta a disparar cá para baixo. É um excelente equilíbrio entre dois estilos de jogo completamente diferentes e Resistance 3 está repleto de experiências destas, numa atitude de louvar da Insomniac que resolveu arriscar.

A ausência de humanos aumentou a discriminação social dos grupos mais desfavorecidos.

 

De fora ficaram as batalhas épicas com dezenas de soldados, uma vez que a humanidade está resumida a uns meros papalvos subterrâneos. Para compensar isto, Resistance 3 encontra uma fórmula de colocar inimigos contra inimigos. Desde Quimerianos contra os nossos humanos antagonistas da prisão, aos novos Quimerianos ferais que combatem contra os seus conterrâneos mais snobes. O jogo tenta dessa forma dar a volta à estória, para conseguir as batalhas repletas de combatentes de facções opostas. Mas falta o gosto de seguir lado a lado com dezenas de aliados e avançar em corrida gritando: “Eles nunca nos vão tirar a liberdade, embora possam comer o nosso fígado!”. Os poucos momentos em que contamos com a ajuda de alguns camaradas ocasionais, funcionam como se estivéssemos sozinhos na mesma, pois os mesmos não conseguem aniquilar um único inimigo nem que vamos jantar e nos esqueçamos de colocar o jogo em pausa. De fora ficam também a utilização dos veículos, como já acontecia em Resistance 2. Com as extraordinárias máquinas Quimerianas à disposição, é uma pena que não possamos dar uma voltinha nas mesmas.

Os inimigos estão todos de volta mas muito mais rápidos e inteligentes, onde até os deficientes Grims já aprenderam a saltar para cima de nós. O exército Quimeriano deve ter também recebido aulas de auto-estima, pois agora avançam para nós muito mais confiantes e não se deixam enganar facilmente por tácticas de toca e foge, talvez por contarem nas suas fileiras com novos soldados extremamente eficazes como os saltadores Long Legs, que se assemelham a gafanhotos saltando rapidamente de local em local enquanto munidos de perigosas sniper rifles, ou os voadores shield drones que proporcionam um escudo de energia aos quimerianos e têm de ser destruídos em primeiro lugar. Se juntarmos a isto o facto de termos uma saúde limitada que só pode ser recarregada apanhando Health Packs, a dificuldade de progressão entre os inimigos é seriamente afectada. O equilíbrio é no entanto bem conseguido, e alguns dos inimigos transportam health packs bem visíveis no corpo, o que torna ainda mais gratificante enfiar-lhes uma bala entre os quatro olhos quando estamos às portas da morte. De fora está a irrealista energia auto-regenerável (bem podem estar escondidos que ela não vai voltar) e, uma vez que a cura para o vírus quimeriano foi descoberta, os pequenos “regeneramentos” do primeiro título também passaram à história (embora possam ser comprados como cheat, numa bela piscadela de olho ao primeiro jogo). Isto torna o jogo nos níveis de dificuldade média, um bom desafio e, nos níveis de dificuldade maior, um sério e duro teste aos vossos atributos e perseverança.

E quem não salta, não regenera!

 

Para nos ajudar podemos contar com um grande arsenal de armas e aqui reside tanto um ponto muito positivo como um ponto muito negativo. Ao contrário de todas as regras de um shooter actual, Resistance 3 permite o acesso a qualquer das 10 armas em qualquer momento, todas disponíveis através da roda de selecção do primeiro jogo e que está de regresso. Uma vez descoberta a arma, nunca mais a perdemos. Este transporte de arsenal à la Sport Billy permite escolher a arma mais adequada a qualquer situação, ou simplesmente a arma que mais gozo nos dá utilizar, mas o problema é que qualquer estratégia na utilização das armas deixa de existir. O que acontece é que muitas das armas ficam a campanha toda guardadas no saco e, só em caso extremo de falta de munições é que recorremos às mesmas. Era preferível manter a utilização de apenas duas armas de cada vez, principalmente para fidelizar algumas das novidades que são do melhor que já se viu em guerras futuristas, incluindo as Atomizer e Mutator que, sinceramente, não vos vou contar as suas características para não estragar uma bela surpresa e algumas gargalhadas. Todas as armas possuem agora três níveis de upgrade, cada um emprestando novas capacidades de tiro e que evoluem ao longo da utilização das mesmas. No entanto, para levar todas as armas ao máximo preparem-se para jogar duas a três vezes a campanha. O maior problema das armas reside na quantidade das mesmas espalhadas pelo chão. Parece que antes do mundo acabar, as lojas fizeram promoções loucas e o exagerado stock restante ficou abandonado pelo chão. As armas são familiares para os fãs da série, embora tenham perdido o seu aspecto mais alienígena e sejam agora muito mais terráqueas no seu desenho e estilo de munições.

Visualmente, Resistance 3 está a anos-luz de Fall of Man. A Insomniac cresceu com a PS3 e, ao longo do ciclo de vida da consola, foi aprendendo tudo o que esta tinha debaixo do capot. Podem-se questionar as decisões de tudo ter perdido a maior parte da cor e da utilização de ambientes em tons pastel, terra ou cinzentos, mas o detalhe gráfico de todos os cenários é visualmente impressionante, com uma enorme atenção dada aos pormenores e uma quantidade infindável de objectos modelados. Embora inóspitos devido à estória, alguns locais ficam retidos na memória como as ruínas e os apartamentos de Nova Iorque. Mesmo com a enorme quantidade de detalhe utilizado, o jogo corre de uma forma extremamente fluida, com os movimentos de Capelli extremamente realistas e do melhor que já se viu no género, se descontarmos a utilização de escadas que coloca uma nódoa num pano perfeito. Os efeitos físicos como folhagem, fogo e água são regulares, mas é nas luzes que Resistance 3 mais brilha.

O detalhe de cada cenário é impressionante, embora a cor tenha partido para parte incerta.

 

O som é o ponto de Resistance 3 onde não se pode apontar uma única nota negativa. A banda sonora possui uma contenção maravilhosa, pontuando sempre da forma certa os ambientes por onde vamos passando, e a sonoplastia recria os ruídos com uma fidelidade incrível. A água a pingar em cavernas, os nossos passos, os sons ameaçadores emitidos pelos Long Legs, tudo é extremamente cuidado e adequado à situação, num dos melhores designs de som de 2011. Apenas de lamentar a dobragem portuguesa, que é um dos piores trabalhos de sempre feitos no nosso território, com actores(?) a dobrarem dezenas de personagens sem qualquer diferença de interpretação e uma abordagem completamente errada e infantilizada. Naquele que é o título mais adulto de Resistance, nada podia ser mais desajustado que os “fixes” e os “pás”.

O multiplayer de Resistance 3 foi desenhado para os jogadores que o escolherem como o seu título habitual. Com um sistema de ranking que mistura jogadores, sem olhar ao nível de cada um, e com capacidades que vão sendo desbloqueadas ao longo da evolução, preparem-se para levar muito sopapo durante as primeiras semanas de jogo. A estratégia não é de todo descabida. É certo que é extremamente injusto entrar em cenários com jogadores de nível 60 que podem escolher entre um vasto arsenal e outros atributos, e estar constantemente a tentar matar sem êxito, mas a demonstrar uma inspiração nata para morrer. Mas isto só faz com que cada subida no ranking seja mais emocionante e que cada nova arma seleccionável seja uma recompensa mais eficaz. Ao longo da evolução vamos desbloqueando habilidades e recompensas, como os inimigos deitarem sempre munições da nossa arma quando morrem, ou a capacidade de projectarmos uma versão holográfica do nosso personagem no terreno. Quando juntamos as habilidades às armas mais poderosas, aumentam os nossos kill streaks, estes que por sua vez proporcionam aptidões ainda mais ameaçadoras aos iniciantes, como a capacidade de gerar um escudo protector à nossa volta, ou ficarmos camuflados e invisíveis.

É assim que nos sentimos nos primeiros passos do multiplayer.

 

Nos modos de jogo não há grande surpresa, com Deathmatch e Team Deathmatch de 16 jogadores, e com a inclusão de War Games que são nomes pomposos para modos usuais: Capture the Flag; Breach (destruição da “base” inimiga) e Chain Reaction (captura de vários locais inimigos). Os mapas, com cenários da estória e outros originais, são eficazes (especialmente para modos de equipa) mas pouco memoráveis. Os servidores, bastante rápidos, estão bem compostos de jogadores, sem qualquer problema em encontrar Deathmatch cheios e apenas com alguns minutos de espera em relação a War Games específicos.  O modo de campanha cooperativo funciona sem qualquer problema de latência, mas peca por ter exactamente o mesmo objectivo para os dois personagens (incluindo a irritante necessidade de termos de abrir as portas ao mesmo tempo) sem recorrer a pequenos desvios entre personagens como já acontece em franchises como Gears of War.

Experimentei ainda o Playstation Move com o jogo, cujos problemas de precisão que se discutem na web já foram corrigidos por um patch. Após algumas experiências com as opções encontrei os valores mais confortáveis para virar e para apontar. A implementação funciona de forma sólida, mas não nos faz querer pousar o Dualshock e, se quiserem jogar nas dificuldades maiores ou no multiplayer, esqueçam. Não é suficientemente rápido para batalhas mais frenéticas. Serve para um passeio diferente numa campanha em modo fácil.

 

Resistance 3 é um dos shooters mais sólidos de sempre mas é um jogo agridoce. Os fãs da série vão sentir que muita da personalidade dos títulos anteriores perdeu-se no final da trilogia, tanto ao nível da estória como, principalmente, dos cenários e dos momentos mais marcantes. Porém, um jogador que não conheça a série vai sentir-se em casa durante toda a campanha.  A decisão de regressar aos health packs é arriscada nos tempos que correm mas torna o jogo mais desafiante. Já a decisão de incluir todas as armas no inventário faz com que se perca a estratégia na utilização das mesmas. Tecnologicamente, o jogo é do melhor que já se fez na Playstation 3 com especial destaque para o som que supera grande parte da concorrência e os gráficos, embora o gosto pessoal de alguns possa sentir nostalgia pela utilização das cores vivas nos títulos anteriores e que agora se perdeu. Se quiserem uma experiência multijogador de pegar e largar, é melhor procurarem noutro lugar. O multijogador é sólido e concorrido, mas apenas se escolherem este como o vosso jogo principal e investirem muitas horas de jogo a evoluir a vossa personagem.  No final, fica a sensação que a Insomniac foi à procura de soluções completamente diferentes neste terceiro título e, embora tenha produzido um Resistance extremamente eficaz como jogo, acabou com algo que podia ser uma continuação para outra série qualquer que não esta.

 

 (Resistance 3 é um exclusivo Playstation 3)