No game for young boys…

Misturem Danny Trejo, Chuck Norris e o guitarrista da E-Street Band e o resultado meus amigos será certamente Shank. O primeiro pela sua coolness, o segundo pela efectividade dos seus golpes ou a calma com que projecta a sua voz e o terceiro… bem, talvez pelo lenço na cabeça, bandana ou aquilo que lhe queiram chamar. Ainda sou da altura do Green Beret da Konami e os jogos deste género que me passaram pelas mãos não foram poucos. Nuns andávamos de faca na mão, noutros de metralhadora ou bastão, o que é facto é que este estilo não mudou assim tanto ao longo dos tempos. O período entre meados dos anos oitenta até finais dos anos noventa talvez tenha sido o período áureo do género. Depois apareceu o 3D e estragou tudo mumificando um tipo de jogabilidade que reinou durante talvez até tempo de mais. Das máquinas de jogos (era assim que lhes chamávamos) aos computadores e consolas, dezenas de títulos usaram-se da mecânica de jogo utilizada em Shank 2 para fazerem valer a sua narrativa e jogabilidade.

Se há muitos anos atrás o tema era a guerra fria, hoje os game developers procuram ambientes de corrupção e violência. Não… não estou a falar de Portugal, nós somos um povo calmo… Este videojogo adiciona à depravação o crime organizado e uma das suas ramificações mais tenebrosas, o tráfico de seres humanos. Nós só “traficamos” para o exterior: conhecimento, mais-valias e quadros especializados, enfim, uma brincadeira de crianças se nos compararmos com os organizadores do campeonato do mundo de 1986… ainda se lembram da música? Por acaso ficou-me no ouvido…

É no México que está o divertimento todo, ou pelo menos o tema da américa latina foi o tema escolhido pela Klei para o primeiro jogo e que a este resolveu dar continuidade. Ora vejamos: violência, checked. Ambientes exóticos e perigosos, checked. Mulheres a transpirar sensualidade, checked. Uma galinha de borracha, check… ok esqueçam esta… Bandidos com ar latino e deslavado, podem apostar. A premissa de Shank 2 é tão óbvia quanto todos os outros jogos que lhe serviram de base e os filmes de cinema e televisão que naturalmente foram a sua inspiração. Desaparecido em combate, Rambo, Comando e outros tantos filmes são mencionados um pouco por todo o lado. As piscadelas de olho a estes clássicos do cinema (eu sei, estou-me a esticar…) são tantas que até parece que estamos a assistir a um medley de filmes culturalmente ancestrais, reminiscências de um passado não muito distante porém. Infelizmente, a guerra nos dias de hoje ainda dura, mas os russos actualmente já não são os maus da fita, os talibans já não são amigos do Rambo e o 25 de Abril já aconteceu há tanto tempo que o António de Oliveira Salazar foi considerado há bem pouco tempo o maior português de sempre. Outros tempos…

"O teu penteado irrita-me! Ahhrghhhh!”

 

A história de Shank 2 começa com uma viagem de autocarro com destino ao orfanato onde o herói foi criado e educado. Se calhar em criança levou umas bolachadas quando se portou mal, daí o seu mau feitio e agressividade exacerbada manifestados… Meu Deus, psicanálise a esta hora não por favor, pensam os leitores. O objectivo seria visitar a sua educadora e por sinal mentora do local. Só que subitamente, sem apelo nem agrado, instala-se uma guerra civil e o rapto de pessoas torna-se comum naquelas terras. O general Magnus parece ser o responsável por trás do problema e à medida que a história vai avançando a raiva e o desejo de vingança cresce a galope no coração de Shank, que não se coíbe de o demonstrar, por exemplo, cada vez que investe o golpe fatal nos chefões de fim de nível. Estes segmentos são particularmente gráficos e gozam de grande dinamismo e criatividade e celebram a violência como única forma justiça, fazendo de enforcamentos, cabeças decepadas e membros retorcidos o prato do dia. Os criadores do jogo puxaram literalmente pela cabeça (no pun intended) porque o sadismo é levado aos píncaros e o sangue jorra como se não houvesse amanhã. A história é pouco relevante, não esperem bifurcações na narrativa porque esta é totalmente linear. Há que matar em golpes de martelo e motoserra até chegarmos ao topo da pirâmide mesmo que pelo meio seja possível coleccionar informação sobre elementos da história e os seus respectivos intervenientes. Nada de relevante e fundamental para a experiência, diga-se. A índole sinistra impressa na aventura adiciona interesse e expectativa no jogador. Os ambientes estão bem decorados e os múltiplos scrollings paralax dão uma profundidade de campo ao mesmo tempo que envolvem e abraçam o jogador.

A estética do jogo é copiada a papel químico (ainda se usa o papel químico?) do estilo pulp. Filmes como: Bring me the head of Alfredo Garcia e outros mais recentes realizados por Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, como Kill Bill ou Machete foram certamente algumas das inspirações directas da Klei. O estilo dos gráficos in game apoia-se bastante na banda desenhada e a animação ao bom estilo flash garante animações fluidas e expressivas, dotadas de grande humor e ritmo.
Ainda que Shank 2 não acrescente nada de novo ao que já foi feito a nível gráfico noutros títulos, consegue mesmo assim surpreender. Existe uma multiplicidade assinalável de “tugs” e as diferenças entre eles são notórias. Recordo-me que no passado, muitas vezes eram usados os mesmos sprites para gerar uma personagem, normalmente mudava-se a cor da mesma, o nome e ficava-se por ali. A empresa responsável pelo jogo investiu recursos para criar variedade e tornar a experiência visual mais rica e atractiva. Existem maus da fita desde o mais pequeno gaiato (alguém ainda se lembra daqueles putos irritantes que apareciam no terceiro nível do Kung Fu master?) aos gigantes que um pouco por todo lado vão aparecendo, seja em sub bosses ou adversários de fim de nível. Por falar nestes, tenho que enfatizar o bom trabalho de design de personagens. Admito que sejam arquétipos já bem explorados pela indústria, de qualquer forma resultam bem seja pelas vozes ou a forma como foram animados. Podemos dizer literalmente que há para todos gostos e feitios. Os níveis de jogo estão bem estruturados e também eles captam ambientes muito próprios. Shank atravessa aldeias, portos marítimos, grutas obscuras e outros tantos locais menos aconselháveis. Cada um deles está pejado de militares sedentos de sangue, canibais, adoradores de seitas macabras e não falta um boss final, médico sanguinário, bem ao estilo do trailer “Werewolf women of the SS” de Robert Rodriguez. Desculpem-me o spoiler mas tinha que fazer referência aquele trailer genial. Os efeitos especiais cumprem o seu papel na perfeição sem se tornarem eles as estrelas da festa.

Eu sei que ele está a vir para aqui, mas mande-me lá vir a pizza se faz favor...

 

A jogabilidade é simples tendo em conta as dimensões em que o protagonista se consegue movimentar, contudo os botões do control pad proporcionam níveis de dinamismo fora do comum. Para além da realização de combos, agarrar nos adversários, disparar estiletes ou a pistola, Shank consegue dar um salto conciso à predador para cima das suas vítimas. Devido à precisão deste movimento pensei inicialmente que houvesse limitação no seu uso, porém o mesmo pode ser utilizado infinitamente. Não que este tipo de ataque seja o “be all, end all” (a dificuldade do jogo não o permite) a verdade é que facilita a nossa tarefa e às páginas tantas damos por nós a dar saltos milimetricamente calculados de um lado para o outro e a usar pouco os outros botões. Não me interpretem mal, este jogo vai exigir de vós manuseamento bem pensado e cálculo na movimentação de Shank. Se até metade da aventura (modo campanha) controlei o protagonista com a velhinha cruz do comando, depressa aprendi que há um momento na nossa vida de gamer da velha guarda em que há que aceitar o inevitável e passarmos a jogar este tipo de títulos com o stick analógico. Mas porque raio é que ele ainda não joga com o analógico? Perguntam vocês. Porque a cruz herdada do comando da NES, sempre me deu a sensação de ser mais preciso, bom… até jogar Shank 2. A determinada altura da história, saltamos para cima de um jipe e toca de metralhar uma turba de militares liderados por Magnus. Lembram-se de ver no trailer do Rambo no último filme da saga, disparar com uma metralhadora calibre 50 contra os soldados birmaneses e estes a desfazerem-se em tripas e sangue? Em Shank 2 este momento é replicado fielmente. Depois de morrer dezenas de vezes, vociferar e praguejar as palavras do costume, respirei fundo e calmamente deslizei o meu polegar da mão direita para cima do controle analógico (permitam-me o momento dramático) e voltei a tentar mais uma vez. Foi da noite para o dia. Em vez de estar limitado às oito direcções convencionais passei a poder aniquilar soldados que enraivecidamente me atacavam de outros ângulos e direcções. Nunca mais olhei para trás. Também a capacidade de nos esquivarmos rebolando permite-nos gerir estratégicamente as hordas de inimigos que tudo fazem para nos deter. Como foi bem implementada na jogabilidade, torna-se uma parte essencial na forma como combatemos. Fez-me lembrar o velhinho Cabal (TAD Corporation) em que também dávamos cambalhotas para fugir às balas dos inimigos. Só quando morríamos é que nos lembrava-mos que podíamos ter usado essa funcionalidade poupando uma valiosa moeda de 25 escudos… Por vezes o acesso para algumas plataformas é confuso porque há um ligeiro desfasamento na animação do boneco e a intensidade com que carregamos no botão de salto que determina a dimensão do mesmo.

Ah e tal.. Toma lá com um barco em cima...

 

Admito estar a ser demasiado picuínhas com a jogabilidade, mas depois de várias vezes querer saltar uma plataforma, cair e ser trucidado por espinhos, roldanas ou passadores de carne, a nossa sensibilidade fica mais apurada. Um homem também chora, sabem? Também há a teimosia da câmara em seguir Shank quando este dá um salto mortífero auto controlado para cima de um adversário que se encontra mais afastado, o momento é abrilhantado com um ligeiro zoom in e desfoque da câmara. Quando o momento acaba, a mesma faz um zoom out reorientando-se para a área onde a acção está restringida. Ou seja, quando tudo volta ao normal o nosso personagem, por vezes, fica fora da área de jogo e o mais certo é já estar a levar na focinheira dos maus da fita. Também existe um pormenor irritante de que padecem outros títulos do mesmo tipo, que é o facto de ocasionalmente a câmera se atrasar ligeiramente quando avançamos a correr pelo nível. Na verdade ela deveria estar sempre centrada no mapa de jogo. O inconveniente desta situação é que por vezes somos surpreendidos por um inimigo que dá de caras connosco sem conseguirmos ter tempo de reacção. Isto até podia ter sido uma opção do game designer para aumentar a dificuldade, mas como não acontece sempre, o mais certo é ser um bug que infelizmente não foi corrigido. Por falar em dificuldade quero desde já salientar que Shank 2 não é para meninos. Tudo bem, eu estou velho, os meus tempos de glória já lá vão, mas uma velha raposa de guerra está sempre pronta a voltar. Que o diga o Chuck Norris que parece entrar no elenco do próximo filme de Stallone – Expendables 2. Se por momentos duvidei das minhas capacidades de gamer devido aos constantes obstáculos apresentados ao nosso herói, foi bastante recompensador notar o progresso nas minhas habilidades e a forma como automatizei de forma instintiva a forma de combater os inimigos. Este aspecto é mais demarcado no combate contra os chefões de fim de nível. Se há jogos em que basta andar ali aos saltos a dar e a levar no corpinho, em Shank 2 temos que perceber os padrões de comportamento do adversário e rezar que a inteligência artificial não vire o bico ao prego. Só assim poderemos prevalecer e avançar para o desafio seguinte.

"Primeiro puxava-se a patilha e depois... como é que era mesmo..?"

 

A parte sonora deste título vai beber do tipo de música utilizado nos filmes de acção da era Reagan. Fez-me também lembrar Metal Slug com os seus instrumentais elaborados e pomposos. Embora a música se destaque, não se sobrepõe à acção. Funciona antes em sinergia com esta, potenciando a experiência, atiçando os sentidos e exaltando a nossa moral de defensor dos fracos e oprimidos (todos temos um bocadinho disso dentro de nós). As guitarradas eléctricas melancólicas, o ritmo imponente imposto por batidas militares e a boa utilização da secção de metais, são chave para criar um pano de fundo perfeito para desfrutarmos da aventura e satisfazermos a sede de vingança do protagonista.

Shank 2 é um excelente jogo, bem estruturado, com gráficos adequados ao gosto daquilo que se faz de melhor neste tipo de experiência. Não gosto particularmente do estilo, mas reconheço a qualidade quando a vejo e neste título tudo foi bem pensado e é óbvio o investimento e o polimento que foi feito no segundo episódio da série (Shank 3 talvez?). O character design foi bem explorado e o resultado está à vista. Existe uma grande variedade de personagens, seja no tamanho, género, estrutura, tipo e temas que a Klei nos quis proporcionar. O modo survival garante diversão para além do modo campanha e a cooperação com outro jogador fará as delícias dos jogadores mais estrategas sem que o puro divertimento da acção disponibilizada possa ser posta em causa. É certo que vai exigir do jogador alguma dedicação e persistência, mas ao mesmo tempo vai recompensar o jogador na medida em que o mesmo fica com a sensação que foi o mérito que o fez prevalecer, não a repetição constante e descoordenada do pobre comando da consola. Ou seja, aquilo que retirei de Shank 2 é este espírito oldschool que se por um lado nos pune sem qualquer tipo de misericórdia, recompensa-nos quando demonstramos ser capazes de dominar a tarefa que temos em mão. Se este tipo de jogos apela aos vossos sentidos garanto-vos que pelo preço pedido farão um bom negócio. Está na altura de assoprarem o pó da shotgun e fazerem-se à vida, porque meus amigos, este jogo não é para meninos.

(Versão analisada: PS3. Também disponível para Xbox 360 e PC)