Há uns largos anos atrás caí da minha prancha de surf e enrolei-me numa rede de arrasto dos pescadores da Costa da Caparica. Lutei para me desenvencilhar da rede mas quanto mais esperneava mais me emaranhava na malha grossa, com as ondas a deixarem-me a cabeça muito pouco tempo fora de água. Felizmente, consegui recuperar a calma, mergulhei e usei as mãos para retirar a rede das pernas. Se tivesse continuado a bater as pernas, talvez não estivesse agora a escrever este texto.
As lojas GAME no Reino Unido estão nesta situação, a espernearem para se manterem a respirar e, talvez porque nem saibam como, não conseguem perceber como retirar a rede das pernas. Tudo começou quando a cadeia anunciou que ia fechar 60 lojas até ao final do ano, no que parecia uma simples reestruturação das mais de 1400 lojas existntes. Mas depois começaram os problemas com os novos lançamentos. Primeiro, soubemos que a loja não iria vender os títulos da Ubisoft para a PS Vita. Segundo, Tekken 3D e The Last Story para as máquinas da Nintendo também ficavam de fora das lojas. Terceiro, a verdadeira bomba, Mass Effect 3 e todos o títulos da Electronic Arts a partir de SSX deixavam de estar disponíveis na GAME. Esta semana foi a vez de Street Fighter X Tekken e de Asura’s Wrath juntarem-se à lista dos indisponíveis. Ubisoft, Namco, Nintendo, Electronic Arts, Capcom já deixaram de confiar no retalhista e cortaram as linhas de crédito, sendo de esperar que mais marcas façam o mesmo nos próximos dias.
Isto funciona como a rede de pesca para a GAME, pois por cada jogo que deixa de vender, emaranha-se cada vez mais na impossibilidade de sair da crise. Só com a impossibilidade de não vender Mass Effect 3, os analistas acreditam que a cadeia está a perder mais de 3 milhões de euros. Quando todos os dias faço a minha leitura diária da imprensa de videojogos, estou sempre com medo de encontrar a notícia que diz: GAME abre falência.
É aqui que a Electronic Arts está a fazer um jogo demasiado perigoso. Enquanto os outros distribuidores têm mantido um relativo e cordial silêncio relativamente ao retalhista, a Electronic Arts veio agora a público afirmar que existem muitas alternativas para os clientes comprarem os seus jogos, seja em versões físicas ou online, partilhando até links onde podem ser adquiridos. É sabida a “guerra fria” que existe entre a Electronic Arts e as lojas que vendem jogos em segunda mão, com a distribuidora a acreditar que essa venda lesa a empresa e a apostar cada vez mais no seu serviço de vendas online Origin. No entanto, este desdém pela GAME pode ser um jogo muito perigoso e custar muito dinheiro à Electronic Arts e todas as outras.
Existe uma palavra que todos os portugueses hoje em dia conhecem: rating. Ora, se a Game abrir falência, cada vez que outro retalhista (seja uma Fnac, uma HMV, uma Worten ou outro qualquer) pedir crédito bancário para montar stocks de videojogos, esse dinheiro vai ser emprestado a juros mais altos, uma vez que o rating da venda de videojogos desce e se torna mais arriscado para os bancos confiar nessa área. Isto, aliado à quebra generalizada na compra de videojogos que se vêm a verificar conduz a uma bola de neve. As produtoras arriscam-se a que qualquer retalhista deixe de conseguir acumular stock dos seus jogos. Como o momento em que todos compram via digital ainda não está para breve, sem títulos nas lojas, isto significa prejuízos de milhões para as produtoras e distribuidoras.
É óbvio que a GAME tem de se reestruturar para sobreviver e reduzir o número de lojas e empregados a nível mundial, mas as distribuidoras podiam já estar a aceitar outros acordos. Porque não forneceram o número de cópias necessário para as pré-encomendas que estavam feitas (dinheiro que a GAME tem de devolver e ainda a afunda mais)? É crucial que olhem bem para os resultados das suas acções a longo prazo. É que se a GAME se afundar, leva a rede para o fundo e garanto-vos que não vai sozinha. Com ela vai incluído todo o peixe graúdo e miúdo que por lá se encontra.