Quando me propus a analisar Alan Wake’s American Nightmare ainda não tinha jogado o primeiro Alan Wake. Tinha visto o meu marido fazê-lo pelo canto do olho, tinha ficado com a sensação de que o jogo era bom, mas o meu interesse era relativo e acabei por nunca pegar nele. O facto é que, ao contrário de mais de metade dos jogos que ele joga, este ficou na minha memória. Quando surgiu agora Alan Wake’s American Nightmare achei que era o universo a piscar-me o olho, a dizer-me “estás a ver aquele jogo que quase jogaste quando saiu? Vai lá pegar nele se fazes favor.” E, bem, quem sou eu para dizer não ao universo?

Pus o jogo na consola e, durante os dias que se seguiram, a pergunta que se repetia (especialmente vinda da parte do meu marido) era “Então, estás a gostar?” Não imaginam a confusão que me fez o raio da pergunta. A gostar? Ando perdido por um bosque estranho a ser perseguido por criaturas feitas de escuridão enquanto não só não sei o que aconteceu à minha muito amada mulher como ainda consegui “perder” uma semana da minha vida. Não, não estou a gostar, estou aterrorizado, confuso, levei uma pancada na cabeça e tenho o estômago às voltas, como é que posso estar a gostar? Ah, espera, estão a perguntar-me a mim e não ao Alan! Desculpem lá, entranhei-me na história, o jogo é assim tão bom. Ainda assim, a palavra gostar aplicada especificamente a este jogo faz-me uma certa comichão. É como ver um filme de terror (dos bons) mas interactivo – é fascinante, não conseguimos (nem queremos!) desviar o olhar, captura-nos, atrai-nos… “gostar” não está no mesmo código postal, nem sei sequer se reside na mesma freguesia.

No primeiro jogo encarnamos Alan Wake (ficaram surpreendidos, não ficaram? Num jogo intitulado Alan Wake o mais normal era o nosso personagem principal chamar-se Manuel Silva, obviamente, um escritor nova iorquino de renome que já há uns tempos que não tem inspiração para nada. A mulher (que, vimos a descobrir um pouco mais tarde, tem pavor do escuro) leva-o de férias para uma cidadezinha aparentemente idílica chamada Bright Falls. É daquelas cidades de interior típicas dos Estados Unidos, e não se adivinha nada de mais entusiasmante que o festival local, o Deerfest, durante a estadia do casal. Como o jogo não seria muito apelativo se consistisse no casal a divertir-se e a chapinhar no lago, as coisas obviamente dão para o torto. A mulher de Alan (Alice) afinal trouxe-lhe a máquina de escrever, eles discutem, o escritor vai apanhar ar, ouve-a gritar de pânico, tenta ajudar… E acorda uma semana depois, mal se espeta com o carro, sem saber por onde anda a mulher nem o que aconteceu à semana que passou. “Alice!” vai, aliás, transformar-se no grito de batalha do pobre desgraçado durante uns tempos.

É então que o jogo começa verdadeiramente. Estamos perdidos na floresta, queremos chegar à bomba de gasolina para pedir ajuda, somos perseguidos por criaturas vagamente humanas cobertas por escuridão (os Taken), vamos encontrando páginas de um manuscrito que não nos lembramos de escrever mas que vai contando a história que se está a desenrolar à nossa volta, e o mundo vira-se de pernas para o ar. É que até somos um tipo céptico q.b., e toda esta estranheza está a dar cabo das nossas ideias pré concebidas de realidade. Enquanto somos simultaneamente caçador e presa, além da sensação desesperante de não sabermos onde está a nossa mulher e de uma centena de thermos de café para apanhar, vamos arranjando tempo para ouvir uns programas de rádio e ver um bocadinho de televisão. Como? Criaturas protegidas pela escuridão não esticam os limites do credível mas que um tipo apaixonado perca tempo a ver Night Springs (o Twilight Zone lá do sítio) enquanto a mulher está desaparecida já não encaixa tão bem? Pois, eu também achei, mas afinal quem escreveu o livro que detalha como tudo se desenrola foi o próprio Alan, se ele acha importante parar a ver Night Springs lá terá as suas razões. O modo de gravar é desesperante, mas mais uma vez “desesperante” para Alan Wake é um elogio: existem checkpoints chamados Safe Havens, uns candeeiros de rua (ou luzes agarradas a postes de madeira, por exemplo) que além de servirem para gravar nos curam quando passamos por eles, enchem a bateria da nossa lanterna a uma velocidade alucinante e fazem com que os Taken se esfumem. Até aqui parece um método simpático, o busílis vem a seguir: é que há um único ficheiro de save durante todo o jogo, rescrito de cada vez que passamos um checkpoint, e quando nos falha alguma coisa que queremos fazer não temos a hipótese de voltar ao save anterior, só de recomeçar o checkpoint actual ou o episódio inteiro. E cada Safe Haven cura-nos as vezes que forem precisas mas só serve de checkpoint da primeira vez que lá vamos. Obriga-nos a procurar tudo com muito mais atenção, sem segundas hipóteses (e nem imaginam o desgaste mental que isso faz a alguém como eu, que tem sempre um mínimo de cinco saves diferentes por jogo). O (bem conseguido e muito bem vindo!) humor é providenciado pelo agente e melhor amigo, o inimitável Barry Wheeler, e a banda sonora e a forma como se integra na história é um miminho de ver e ouvir.

Anda cá, Alan, vou-te fazer um toque rectal!

 

Passam então quase dois anos entre a aventura de Alan à procura de Alice e este novo Alan Wake: American Nightmare. E, se os mais observantes de vocês já repararam que se chama alan-wake-[dois-pontos]-american-nightmare, em vez de alan-wake-dois-[dois-pontos]-american-nightmare, então têm toda a razão. É uma nova aventura de Alan Wake, sim, mas não é a continuação prometida, não é um “Dois” de pleno direito. Este é um título Arcade, não disponível nas lojas, menos elaborado que um jogo completo, e com um preço substancialmente mais apetecível. Mas estou a adiantar-me. O écran inicial mostra-nos imediatamente que temos dois tipos de jogo: Story Mode e Arcade Action. Ainda antes de nos perdermos em qualquer um dos dois impera uma visita à secção de Help & Options, uns itens mais abaixo. Além de dar para ajustar a luminosidade para conseguirmos o nível adequado de (des)conforto, podemos seleccionar o tamanho da área de jogo para que, independentemente da televisão onde estamos a jogar, possamos ver tudo aquilo a que temos direito. As outras opções são as do costume, podemos ver as leaderboards, os achievements, a lista de páginas de manuscrito que já encontrámos e os downloads.

Quem é que deixou os teenagers festejar sem supervisão?

 

Começando então pelo modo de história, damos pelo nosso escritor dentro de um episódio de Night Springs, a tal série a la Twilight Zone que o fascinava tanto no primeiro jogo que ele até parava para a ver, mesmo com o tempo a passar e a mulher em perigo. Somos relembrados mais a fundo (já tinha sido brevemente mencionado no Alan Wake original) que afinal o senhor até já escreveu uns quantos episódios da série. E, enquanto a escuridão se afasta para deixar emergir Alan Wake, começa a ouvir-se a voz do narrador de Night Springs. O narrador, a propósito, fala demais, ou então em momentos menos certos, porque perde o impacto que poderia ter; numa fase inicial gosto de o ouvir mas, à medida que o jogo avança, isso converte-se em “sim, está bem, cala-te lá!”. Somos imediatamente atacados por Taken, todos os comandos estão exactamente iguais, e é como andar de bicicleta – ou seria, se eu soubesse andar de bicicleta. Mas, apesar da forma de controlar Alan não ter mudado, não é só a roupa do senhor (um casaquinho com remendos nos cotovelos no primeiro, uma camisa de flanela aos quadrados azuis e brancos, perpetuamente a esvoaçar a um vento por vezes inexistente, em American Nightmare) que está diferente. O jogo está menos opressivo, as áreas mais abertas e menos escuras, não sufoca tanto, e em qualquer ponto onde estejamos conseguimos sempre ver luzes e a promessa de segurança. Tenho pena disto, ser opressivo era parte da beleza de Alan Wake, e desde Project Zero que um jogo não me deixava tão desconcertada. Os Safe Havens sofreram alterações pequenas mas importantes: curam-nos mas não fazem com que os Taken desapareçam, apagam-se quando passamos por eles para só se voltarem a acender um pouco depois (nem sempre o tempo se mede em, bem, tempo, às vezes mede-se em inimigos ou momentos de história), são visíveis no nosso radar assim que estão prontos a ser usados, e a função de checkpoint renova-se com o reacender da luz. Podem ser mais práticos porque nos dão algum controlo sobre quando gravar, mas aquela incerteza do original fazia todo o sentido; andávamos perdidos e desesperados, a vida já fraca e a lanterna quase esgotada, e queríamos usar aquele Safe Haven ali ao fundo, mas ao mesmo tempo queríamos fazer outras coisas, como apanhar munições e ligar aquele geradorzito, antes do bendito save. Era um equilíbrio delicado entre querer gravar para não perder tudo o que tínhamos feito desde o último checkpoint e querer fazer mais antes de gravar para não termos de repetir tudo outra vez se morrêssemos a seguir. Essa façanha equilibrista de circo perde-se aqui porque sabemos que os checkpoints vão voltar, ou seja, gravamos agora e gravamos depois. A banda sonora continua adequadíssima, os programas de rádio continuam a ser golpes de génio e o que passa na televisão agora, em vez de episódios de Night Springs (seria difícil tendo em conta que estamos a viver um) é o nosso antagonista principal, Mr. Scratch, uma cópia mais bem vestida e infinitamente mais maligna de Alan, a mostrar-nos as atrocidades que anda a fazer enquanto usa o nosso nome e a nossa cara. É o suficiente para o querermos apedrejar em praça pública, está muito bem conseguido. A história divide-se em três locais chave que vão ter de ser revisitados, mas felizmente está escrita de uma forma em que a repetição não nos cansa. As páginas de manuscrito que vamos encontrando (devidamente assinaladas no mapa com um ponto de interrogação quando estamos nas imediações) não só explicam um bocadinho mais do que se passa como nos permitem, quando em quantidade suficiente, acesso a malas com armas superiores – o quê? Não faz sentido nenhum mas o resto faz? Chiu, chama-se suspension of disbelief, vão precisar disso para apreciar como deve de ser o jogo. As balas mais básicas e as pilhas da lanterna podem ser encontradas em armários mágicos que também se auto renovam e também nos aparecem indicados no mapa. Há os Taken do costume e os amigos, todos diferentes, todos iguais, e, imagine-se, também há aranhas. Há ainda três personagens, uma por local, com quem interagir. Confesso que me fez uma certa confusão o facto de serem as três mulheres e nenhuma delas ser remotamente feia, não acho que um jogo ao nível de Alan Wake precise de “gajas boas” só porque sim. Agora os diálogos terminam antes de tudo ter sido dito e, para continuarmos a conversar, precisamos de carregar no B; é uma escolha algo estranha tendo em conta que não há opções diferentes – se tudo o que sai da minha boca está pré determinado, para quê darem-me esta ilusão de controlo? Só se for uma analogia pessimista ao livre arbítrio da raça humana, nesse caso está brilhante!

Estás cheia de óleo! Precisas que te dê um banhinho?

 

Arcade Action, o outro modo de jogo, tem o nome mais apropriado que poderia ter. Action é mesmo a palavra do dia. Existem dez níveis, cinco normais e os mesmos cinco em nightmare, podemos ganhar até 3 estrelas em cada, e se pensam que jogar um nível em modo standard nos prepara para o mesmo nível em nightmare pensem duas vezes, porque muda tudo de sítio incluindo nós próprios. Temos dez minutos até o sol nascer, somos atacados por vagas de Taken e não vale a pena fugirmos simplesmente porque há uma pontuação e um multiplicador, e só derrotando vagas sucessivas de Taken é que conseguimos pontos suficientes para abrir o nível seguinte. As páginas de manuscrito que fomos encontrando no Story Mode também abrem malas com armas aqui, e como não é possível sabermos o nome da arma que temos equipada sem estarmos a trocar para outra convém decorarmos o aspecto de cada uma, para não arriscarmos demais para chegar a uma mala com uma arma pior. Há um ranking, podemos ver a nossa posição nas leaderboards globais ou só em relação aos nossos amigos, e a experiência, para quem gosta de acção, tem o grau adequado de stress e frustração. Para mim que gosto de história em jogos deste género ficou rapidamente entediante. Hei-de jogar o Story Mode mais vezes, mas duvido que me voltem a apanhar no Arcade.

Ui, que grande!

 

Alan Wake’s American Nightmare é um bom jogo a um muito bom preço, mas acredito que só não fiquei confusa com o que se estava a passar porque já tinha jogado o Alan Wake original. As páginas do manuscrito ajudam-nos a situar em futuras playthroughs, mas na primeira ou já sabemos ao que vamos ou somos completamente atirados aos lobos. Isto acaba por ser uma faca de dois gumes – se nunca tivesse jogado a maravilha que foi Alan Wake não seria tão crítica em relação a American Nightmare porque não estaria habituada àquele patamar de excelência, mas teria percebido muito menos da história. O modo Arcade está difícil, bem conseguido mas cansativo. Tendo em conta que o original se encontra usado a preços completamente irrisórios eu não jogaria este último sem antes jogar o antecessor – mas, tendo jogado o primeiro, não deixaria de jogar American Nightmare com gosto. No final dos créditos uma promessa que me fez sorrir de orelha a orelha: Alan Wake’s journey through the night will continue. Venha ele!

(Alan Wake: American Nightmare é um Exclusivo XBOX 360)