Paris, je t’aime!
Nos 7 anos de existência da Nintendo DS foram lançados mais de 100 jogos rítmicos, muitos deles meras reciclagens, cópias ou péssimos exemplos de utilização de franchises. Rhythm Thief & the Emperor’s Treasure da Sega é a mais recente aposta deste tipo de jogos, desta vez na sucessora 3DS. Será este apenas mais um clone com uma pintura 3D, ou será que estamos perante um dos melhores exemplos do género?
Quando soubemos que seria a própria Nintendo a distribuir o jogo da Sega, percebemos que poderia estar a caminho um bom jogo, mas quando surgiram as primeiras imagens e vídeos de Rhythm Thief a imprensa fez muitas comparações a Professor Layton e a Elite Beat Agents (nós inclusive). Elite Beat Agents debate com Rhythm Heaven (Rhythm Paradise na Europa) o título de melhor jogo rítmico da DS e ambos trouxeram para a portátil uma jogabilidade viciante e uma utilização perfeita da stylus num jogo de ritmo, com Rhythm Heaven a ir ainda mais longe na originalidade das sequências, tão fantásticas quanto absurdas. Já Layton dispensa apresentações. A célebre série de jogos de puzzle é uma campeã de vendas da Nintendo e é conhecida principalmente pela grande qualidade da sua animação.
Uma destas comparações deve ficar já arrumada à partida. Na qualidade de animação, Rhythm Thief encosta Professor Layton às cordas sem qualquer hipótese de defesa. Este é provavelmente um dos mais belos títulos no que diz respeito a sequências de estória animadas, ombreando com os melhores jogos de outros géneros em outras consolas. Separadamente, as 33 sequências de animação de Rhythm Thief, com o seu estilo de desenho japonês a piscar o olho ao ocidente, davam uma fantástica curta metragem e, felizmente, podem ser vistas todas em sequência depois do final do jogo.
A animação é de uma qualidade tão elevada que fui procurar os nomes de todos os artistas envolvidos, numa tentativa de encontrar algum realizador famoso de Anime, mas apenas encontrei artistas da última década da Sega, maioritariamente dos últimos Sonic (e alguns de Ape Escape da Sony), sendo a direcção de animação da responsabilidade de Yokiu Takatsu que até hoje apenas teve papéis secundários na produção de Anime, como animador assistente num especial de Lupin ou animador principal em episódios soltos de outras séries. Takatsu, com o seu trabalho de animação em Rhythm Thief, é capaz de ter tido o seu primeiro grande momento da carreira e, por favor, alguém lhe ponha uma série ou uma longa metragem nas mãos.
Shun Nakamura, também ele responsável por muitos dos medianos Sonic recentes, consegue também aqui redimir-se criando um jogo com um enorme equilíbrio entre a narrativa, as secções rítmicas e a jogabilidade secundária. Passado em Paris, o jogo conta a história de um rapaz (Raphel) cujo alter-ego é o de um ladrão de arte de seu nome Phantom R. A razão pela qual o rapaz se mascara para ir à caça de museus é algo que deixo para descobrirem no jogo, mas desde já vos peço que não condenem à partida o miúdo, pois ele lá tem as suas razões. O certo é que isso provoca a ira de Vergier, o inspector da polícia que já não vai a casa à meses, obcecado que está com a captura de Phantom. No entanto, tudo se complica quando um misterioso personagem utiliza um artefacto para “ressuscitar” o imperador Napoleão Bonaparte, que acaba por vir a desejar os mesmos tesouros que Raphael procura. Raphael, acompanhado de Marie e do seu cão Fondue, irá atravessar uma aventura cheia de reviravoltas e, principalmente, com uma maior profundidade do que seria esperado à partida. As 10 personagens principais do jogo juntam-se a muitas outras secundárias, todas acompanhadas de boas vozes em inglês. Só é pena não podermos jogar a versão original com as vozes japonesas.
Ao longo do jogo, Phantom R desloca-se ao longo de vários mapas de zonas emblemáticas da cidade de Paris. No ecrã de cima temos uma recriação em 3D do mapa da área, enquanto em baixo temos em ilustração a zona na qual nos encontramos. Os mapas superiores representam o nosso posicionamento, as várias ruas que podemos percorrer e onde estão os nossos objectivos, sendo alguns dos diagramas de um detalhe belíssimo, como o da Opéra de Paris e o de Montmartre. Já nas zonas ilustradas reina uma ilustração mais estilizada, onde encontramos vários personagens que nos vão guiando o caminho ou proporcionando actividades secundárias. O problema desta navegação no mapa é ser demasiado linear ao longo da narrativa e poderiam ter sido implementados alguns elementos de exploração e variabilidade. No entanto, Rhythm Thief é uma grande homenagem à cidade das luzes, recriando as suas melhores zonas e dando a conhecer muita da história da cidade através dos diálogos com as personagens.
Mas vamos ao que interessa, os jogos rítmicos, o cerne da jogabilidade de Rhythm Thief. Nestes momentos que intercalam a narrativa, 50 diferentes no total, quase todos os botões da 3DS são utilizados. Temos jogos que apenas usam a stylus, jogos que utilizam A e B, jogos que utilizam os comandos direcionais e jogos que utilizam os botões de L e R. O melhor destes diferentes esquemas de controlo é que os jogos parecem-nos sempre diferentes, e não ficamos a jogar a mesma mecânica de uma ponta à outra. Também o objectivo de cada jogo é diferente em cada um. Combates com lacaios de Napoleão, entradas furtivas num museu escondidos da polícia, corridas em plataformas pelos telhados de Paris, ou números de dança para animar Marie, entre muitos outros. A variedade é uma das melhores características da parte rítmica.
Cada música (ou secção) é sempre dividida em três partes, no intervalo das quais nos é permitido descansar uns segundos. Estas paragens servem também para separar as zonas por dificuldade, cada vez mais acrescida. A dificuldade é na realidade um dos problemas de Rhythm Thief, com algumas das músicas a serem de uma dificuldade extrema. Se considerarmos que este título tem como público principal uma população mais juvenil ou adolescente, o nível de dificuldade de algumas das secções podem afastar alguns jogadores. Felizmente, antes de cada música, podemos comprar algumas “batotas” que nos permitem mantermo-nos mais facilmente no ritmo, ou sermos menos penalizados nas falhas. Mesmo assim, não é fácil. No final de cada jogo é nos dada uma pontuação e uma nota baseada na nossa prestação. Posso dizer-vos que grande parte das minhas secções foram conseguidas com a nota mínima de “E” à justa, após várias tentativas falhadas, e que se quiserem atingir um A em todas as 50 músicas preparem-se para muitas horas de treino.
Alguns dos jogos são também muito difíceis de completar porque algumas vezes o ritmo e as acções não respondem tão bem como deviam, como por exemplo alguns jogos (felizmente poucos) nos quais temos de usar os sensores de movimento da 3DS. Existe uma sequência em particular, muito dubstep, que é praticamente impossível de manter o ritmo. No entanto, a grande maioria dos jogos de ritmo são bem conseguidos, viciantes e muito agradáveis, pedindo-nos com gosto a sua repetição para atingir uma melhor nota final. Outra das grandes qualidades das secções rítmicas é que são introduzidas como momentos da narrativa que estamos a seguir e não como momentos aleatórios, para além das animações em 3D cel-shaded destas zonas serem também elas magníficas. Alguns dos jogos são especialmente inesquecíveis, como as sequências em que acompanhamos Marie a tocar violino.
As músicas e toda a banda sonora de suporte são adequadas aos jogos e ambientes e, principalmente, são orquestradas e interpretadas por um enorme conjunto de instrumentos reais. Aqui não há música gerada por computador mas uma orquestra com uma grande lista de músicos.
Para além da história principal, temos ainda a possibilidade de executar algumas actividades secundárias. Algumas são jogos rítmicos, mas outras consistem em procurar objectos escondidos, tocando em partes específicas do cenário nos momentos de exploração do mapa. Aqui podemos encontrar moedas, sons e Phantom Notes. As moedas servem para desbloquear os filmes da estória para visionamento posterior, ou para comprar as “batotas” que nos ajudam nos jogos de ritmo. Os sons, para além de fazerem parte da narrativa principal, permitem desbloquear um capítulo adicional assim como as Phantom Notes. Estes capítulos adicionais constituem mais duas sequências rítmicas e estórias que fazem parte do passado das personagens. Há ainda um terceiro capítulo mas, boa sorte, pois este só o podem jogar depois de conseguirem nota A em todas as secções. Para os mais destemidos existe ainda um modo de maratona que junta várias secções rítmicas para ver quem consegue chegar mais longe.
O jogo permite ainda utilizar a função de Streetpass para desafiar outros jogadores mas, mesmo com muitos passeios pela cidade de Lisboa, nunca encontrei nenhum jogador.
Rhythm Thief entra na história dos jogos rítmicos como um dos mais bem conseguidos títulos do género, mesmo considerando consolas que não são da Nintendo. Se é certo que a dificuldade de alguns dos jogos pode afastar jogadores, a grande maioria das secções rítmicas são viciantes e de uma jogabilidade perfeita. Com uma banda sonora interpretada por uma orquestra e adequada à jogabilidade e à narrativa com cerca de 8 horas de jogo, é no entanto nas sequências animadas da estória que o jogo arrasa. Rhythm Thief é um dos mais belos títulos de animação alguma vez lançado numa consola e uma grande surpresa a esse nível, com o 3D da portátil a abrilhantar ainda mais as inesquecíveis sequências visuais repletas de excelentes personagens e de algumas reviravoltas. Raphael e companhia, je vous adore.
(Rhythm Thief & the Emperor’s Treasure é um exclusivo Nintendo 3DS)