Há mais do que vocês imaginam, na vossa 3DS.

Uma das potencialidades mais publicitadas pelas novas consolas portáteis da Nintendo e da Sony são as funcionalidades de realidade aumentada implementadas em ambas as máquinas. Não, não nos estamos a referir às previsões de vendas de cada uma. É outra realidade aumentada.

A tecnologia é tudo menos nova, mas a Realidade Aumentada tem-se resumido, no entretenimento, a um bom número de circo para entreter convidados não tecnológicos nos jantares em nossa casa, ou para aterrorizar os nossos avós com aquilo que só podem ser manifestações do demónio. Se em matéria de aplicações existem casos úteis como o Layar, em termos de jogos temos contado apenas com diversões rápidas que se esquecem depois de algumas sessões.

O mérito do novo Spirit Camera: The Cursed Memoir, que experimentámos esta semana na Nintendo, é o de emprestar a um jogo de Realidade Aumentada uma narrativa trabalhada e mais longa, tornando-o um verdadeiro jogo e menos uma experiência descartável. A premissa e a estória foram criadas para encaixar perfeitamente nesta tecnologia. Numa casa encontra-se um diário obscuro, o Purple Diary, que possui a capacidade de aprisionar as almas de quem o lê. Se cometermos o erro de olhar para o diário, ficamos prisioneiros do mesmo, enquanto uma misteriosa figura apenas referida como a mulher de negro nos vai corrompendo a alma. Os nossos corpos são encontrados com a boca e os olhos selados, como se nunca tivessem existido aberturas por onde falar ou ver.

Se não comerem a sopa toda, a Margarida Rebelo Pinto vem vos buscar.

 

Spirit Camera é acompanhado de uma versão física deste diário. A acompanhar o jogo vem um livro de várias páginas repleto de bons desenhos e gravuras estilizados que serve de instrumento de realidade aumentada. Quando apontamos as câmaras da 3DS para o livro, o jogo reage ao conteúdo do mesmo. A reacção é automática e quase instantânea, o que não deixa de ser um feito pois não existe qualquer marca AR muito denunciada. Aliás, a maior parte das ilustrações são extremamente abstractas. A Nintendo 3DS (no jogo chamada de Camera Obscura) e o livro, são desta forma uma ferramenta para conseguirmos observar o sobrenatural. O livro vai reagir sempre à visão através do ecrã da portátil e nas páginas do mesmo vão se formar frases, vão aparecer caras, vão se abrir portas e outras surpresas “aumentadas”. Num dos exemplos tive de colocar a minha mão em cima de uma gravura, e de lá saiu uma mão tridimensional para agarrar a minha.

Quem nos guia nesta aventura é a alma de Maya, uma rapariga que nos aparece, literalmente, na sala onde nos encontramos. Umas vezes está mais à direita, outras mais à esquerda, outras por detrás de nós, a chamar-nos. Basta rodarmos a consola até encontrarmos o ponto na nossa sala, ou quarto ou jardim, onde ela se encontra, para podermos falar com ela. O giroscópio da 3DS funciona de forma perfeita nestas secções, seja para percorrermos o nosso próprio espaço físico, para nos virarmos num corredor dentro do jogo ou para procurar um espírito maléfico algures na sala. Para além desta procura no mundo “real”, o jogo é composto por uma série de acções que implicam encontrar páginas determinadas do livro e é a partir desta mecânica que vamos avançando na história. Cada momento gera pistas para desbloquear o momento seguinte e grande parte da jogabilidade implica consultar e procurar as respostas no livro. Contamos ainda com um conjunto de lentes diferentes para utilizar na câmara virtual que podem despoletar reacções diferentes na mesma página.

O verdadeiro terror está no combate que é de fugir.

 

Em termos de horror, o jogo não consegue construir um ambiente suficientemente forte para nos assustar, mas o verdadeiro terror é o combate. Por vezes, espíritos maléficos vêm ao nosso encontro na realidade e temos de combater com eles. Primeiro temos que os procurar na sala e depois podemos retirar-lhes energia com o disparo da câmara. O problema é que a mecânica de carregamento da energia da nossa câmara implica quase sempre perder energia, pois os espíritos vão acabar por conseguir investir em nós, mesmo que tenhamos carregado a câmara ao máximo. A solução é esperar pelo momento em que atacam e ripostar nessa altura. Só que isto é uma forma extremamente lenta de lhes esgotar a energia, extremamente repetitiva e, diga-se, aborrecida e dispensável no jogo. A preocupação de ter combate no jogo, pode revelar-se uma aposta errada dos criadores.

Spirit Camera: The Cursed Memoir não é para todos os gostos. Não é um jogo que esperem jogar no autocarro ou deitados na cama, pois precisam de estar com uma liberdade total de movimentos, 360 graus à vossa volta. No entanto, é uma abordagem inovadora aos jogos de Realidade Aumentada e uma forma mais amadurecida de apresentar capacidades que costumam ser apenas demonstrações de tecnologia, numa clara tentativa de emprestar uma experiência mais rica e duradora a este género de jogos. Da minha parte, fiquei com vontade de jogar o resto do jogo, de procurar todas as pistas e resolver os enigmas do livro. Só não fiquei com vontade de ter que combater nem mais um espírito. Nesse aspecto, que o diabo os carregue.