A série Resident Evil está para o Survival Horror como Doom está para o FPS. Evolução técnica e estética do género de terror pós Alone in the Dark, assim como Doom aperfeiçoou a formula Wolfenstein 3D, também Resident Evil estabeleceu as regras de um género que cresceu exponencialmente na década que se seguiu. O nome Capcom sempre esteve associado ao terror, em diversos géneros e plataformas. Sweet Home na Famicom, Ghosts’n Goblins, Resident Evil, Dino Crisis, Devil May Cry para citar algumas obras que marcaram os jogadores ao longo dos anos pelas mãos do estúdio nipónico.

Provavelmente está aborrecido por andar com um saco na cabeça.

E algumas das mais influentes tiveram o contributo do visionário criativo Shinji Mikami, no desenvolvimento ou produção. Confesso que a Capcom foi responsável pela minha aquisição de várias consolas, em diversas épocas. Playstation por Resident Evil, Playstation 2 por Devil May Cry, Gamecube por Resident Evil 4. Mikami teve um impacto inegável no género da aventuraacção na terceira pessoa. E é também por isso que vejo com tristeza o declínio da série de zombies, após o seu ressurgimento em 2004. Resident Evil 4 é uma das melhores sequelas de sempre e constituiu um arriscado passo de gigante de uma série estabelecida que começava a apresentar forte desgaste. O novo fulgor foi conseguido através do risco e da inovação. Tudo mudou, ou quase tudo.

O ângulo de câmara, de uma perspectiva fixa apêndice de uma época de grafismo pré-renderizado, para uma visão sobre o ombro on your face e de foco ímpar sobre acção. Perpectiva que se tornou padrão nos jogos de acção na terceira pessoa nos anos seguintes. O uso da mira de precisão, outro artifício de jogabilidade que passou a ser cada vez mais implementado em jogos de acção (e.g. Dead Space, Gears of War). O desaparecimento da corporação Umbrella e dos zombies tradicionais, uma escolha demasiado arriscada para uma série com 10 anos de corpos a arrastarem-se preguiçosamente e mutações virais. A capacidade de prender a atenção do jogador durante quase 30 horas de jogo (comparemos com as escassas 6 horas do RE original), uma longevidade pouco vulgar num jogo do género, mesmo pelos padrões actuais. E apesar do terceiro acto começar a apresentar algum desgaste pelo foco nas secções de tiroteio, Resident Evil 4 recupera as forças no sprint final. Quantos jogos podemos afirmar que virtualmente todas as setpieces de jogo têm a capacidade de se tornarem memoráveis, de introduzirem inimigos interessantes e surpreendentes, de jogabilidade fresca e talhada ao promenor, com muito pouca repetição ou filler. Um jogo de elevado detalhe ao nível do polimento da dinâmica de jogo, que se mantém ainda hoje acima da maioria dos jogos do género.

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Demasiados momentos de jogo geniais para os apresentar individualmente, RE4 focou a sua estética de jogo nas ambiências dos filmes de terror dos anos 70 e 80, como Massacre no Texas, The Hills Have Eyes ou Evil Dead, condimentado de terror sobrenatural e Lovecraftiano. Os jogadores estavam pela primeira vez em muitos anos frente-a-frente com um inimigo desconhecido, uma população demasiado diferente de um zombie e ainda assim semelhante. Fresco, inovador e provocante. E os malfadados Quick Time Events, até isso RE4 enalteceu, estabelecendo a técnica de Shenmue como uma mecânica usada e abusada durante a década seguinte (jovem Lara Croft estou a olhar para ti), mas que neste jogo foi implementada com mestria para elevar a cinematografia sem deixar de dar ao jogador sensação de controlo sobre a acção. E nos dar algumas surpresas pelo caminho. Leon lutou contra multidões de espanhóis enraivecidos, cultistas assassinos, monstros marinhos, Trolls gigantescos e um senhor simpático chamado Regenerator, que nos assombra os sonhos desde então. Resident Evil auto-destruiu-se para renascer como uma das obras primas dos anos 2000, sem nunca esquecer as suas origens com diversos paralelos narrativos com o primeiro jogo da série (as secções em que encontramos o primeiro inimigo são nos dois jogos semelhantes). Até condimentos de RPG podiam ser encontrados na forma como geríamos o armamento e evoluímos a nossa capacidade ofensiva consoante o nosso estilo de jogo.

Os zombies também já andam de mota?

E foi também o último jogo da série com o envolvimento de Shinji Mikami. Não acredito que a saída de um criador signifique o declínio de uma franquia, temos exemplos de sucesso em sagas como Metroid ou Zelda, mas no caso de Resident Evil as evidências não apontam nesse sentido. E se RE4 estabeleceu um novo padrão no jogo de acção e terror, as  novas sequelas tornaram-se assumidamente em shooters modernos. Em lugar de expandir a formula de Mikami, os Resident Evil mais recentes escolheram a imitação, dos shooters on-rails que proliferam actualmente. Resident Evil implodiu. Só assim conseguimos explicar o modo formulaico como Resident Evil 6 nos é apresentado. Todas e mais algumas personagens, secções com veículos, helicópteros e explosões, ameaças terrorista…só falta mesmo uma secção no médio-oriente e temos a versão zombie de Modern Warfare.

Resident Evil é actualmente um jogo de acção acima de tudo. No final do ano teremos a oportunidade de perceber de que modo é que se propõe a nos surpreender. E talvez mais do que olharmos para ele de coração no passado, seja mais prolífico abraça-lo como o shooter moderno em que se tornou. É visualmente impressionante e certamente que a jogabilidade será afinada. Mas não é aquele jogo que nos fez cair o queixo há 8 anos atrás. Esperamos com antecipação para ver se Resident Evil 6 sobrevive à herança que a série de renome cimentou ao longo de uma quinzena de anos.

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