Uma miniatura quase perfeita

Se chegarem à porta de qualquer casino 30 minutos antes da abertura, vão deparar-se com um curioso espectáculo que passa despercebido à maioria dos que passam. Um grupo de habituais encontra-se já à espera do abrir das portas, nervosos, prontos para correrem para as suas máquinas favoritas. O que os move não é apenas o acumular de jackpot em alguns aparelhos, mas o vício incontrolável provocado pelas slot machines.

Estas máquinas utilizam aquilo que é conhecido em psicologia como “reforço intermitente” deixando-nos ganhar de vez em quando mas utilizando todas as técnicas auditivas e visuais para nos gerar dopamina no cérebro e tornar o ganhar dinheiro como algo secundário ao acto de jogar. A adrenalina está em girar consecutiva e rapidamente aquelas formas coloridas enquanto ouvimos os sons repetitivos e frenéticos. Nos videojogos, o estilo que mais se aproxima desta adrenalina continuada e viciante é o género do hack and slash.

Heroes of Ruin é o primeiro hack and slash da Nintendo 3DS e um dos poucos RPG baseados em acção e combate em tempo real numa portátil, onde reinam os RPG com combate baseado por turnos. Num género onde a série Diablo estabeleceu praticamente todas as regras e mecânicas principais, os novos títulos tem duas opções: ou copiam o jogo da Blizzard ou tentam ir por caminhos novos. Heroes of Ruin é assumidamente um pequeno “Diablo” onde a n-Space e a Square Enix preferiram jogar pelo seguro e proporcionar uma experiência pouco original mas extremamente sólida.

Conhecem o Diablo? Essa vai ser a nossa estratégia.

 

O jogo permite-nos escolher um herói de várias classes disponíveis, numa aventura cujo objectivo é encontrar uma cura para o semi-deus Ataraxis. Conta a história que em tempos remotos, o mundo de Veil (onde decorre a nossa acção) estava mergulhado em guerras sucessivas. Os Ruinlords, um colectivo de semi-deuses poderosos organizado e com todas as cotas em dia, resolveu intervir e acabar de vez com a guerra e fazer o amor. Cada um ficou então responsável pela segurança e prosperidade de uma das cidades de Veil e a Ataraxis coube a bela cidade de Nexus. Recentemente, uma estranha maldição desconhecida colocou o guardião num género de coma. Ou isso, ou fumou algo que não devia. O rei, não sabendo qual das ocorrências, convocou todos os heróis que pudessem encontrar uma forma de salvar Ataraxis. É aqui que nós entramos.

As quatro classes de Heroes of Ruin respeitam o cânone do hack and slash. Temos o Vindicator (curandeiro), o Gunslinger (arqueiro), o Savage (bárbaro) e a Alchitect (mago). No entanto, uma das melhores características de todas estas classes é que todas são formidáveis no combate corpo a corpo. É certo que algumas classes como o Gunslinger ou a Alchitect possibilitam o assalto à distância mas nem por isso se tornam ineficazes na luta física mais aproximada. Neste género de jogo, a capacidade de investirmos para cima dos inimigos ou gerir ataques afastados com o mesmo herói permite uma maior quantidade de diversão e nunca nos arrependemos de ter escolhido este ou aquele herói.

Há inimigos que não merecem uma bala e que permitem estrear a palavra “coronhada” numa análise.

 

Sem grande inovação nas características das classes, Heroes of Ruin é um jogo com um mecânica de combate extremamente equilibrada e afinada, com alguns pequenos pormenores que proporcionam alguma diferença. O facto do “arqueiro” possuir armas de fogo em vez de arco e flecha introduz frescura e originalidade ao jogo, mas nas restantes classes devem esperar o habitual, com o Vindicator a dominar a arte da espada, a magia a brotar nas mãos da Alchitect e o Savage a utilizar muito pouco cérebro mas muita força bruta.

O combate é constante e continuado dentro de cada masmorra. Ao contrário de Diablo, em Heroes of Ruin limpar uma masmorra não anula o novo aparecimento dos inimigos. Basta esperarmos na mesma zona ou fazer o caminho inverso para encontrarmos novamente todos os seres que já mandámos irem falar com o seu criador mas que se recusam teimosamente em fazê-lo. Nós agradecemos, pois isto significa mais um frenesim de carregar no botão de ataque até a consola perder as letras ou o nosso dedo ganhar um calo. São 22 masmorras no total, por isso contem com muita sova pela frente.

Bifes de atum para toda a gente!

 

Estas masmorras são geradas de forma dinâmica, isto é, utilizam os mesmos elementos visuais mas sempre de forma desigual. Isto faz com que muitas masmorras sejam parecidas umas com as outras mas felizmente existem pormenores únicos em cada uma para ir introduzindo alguma alteração e variedade. Não se consegue evitar o efeito de estarmos a jogar a mesma masmorra em cada uma das 4 zonas principais do jogo, mas também não é por isso que o jogo se torna repetitivo ou aborrecido. A variedade é introduzida com inimigos novos e únicos em cada masmorra mais avançada.

Entenda-se que masmorra é um termo generalista. Temos 4 zonas distintas cada uma com o seu tema que são acedidas através da cidade de Nexus, que funciona como o nosso Hub. Coral Tombs, a zona aquática subterrânea; Elder Forest, uma exótica floresta; Frost Reaches, uma zona montanhosa coberta de neve e gelo; e a Soul Void, uma dimensão paralela onde reina o caos e o vazio. Cada uma destas zonas possui uma média de 5 masmorras que vão sendo desbloqueadas ao longo da aventura e onde experimentamos uma série de quests principais e secundárias para realizar. Completar a campanha principal e as missões secundárias é trabalho para 8 horas, mas se quisermos levar a nossa personagem ao nível 30 devemos contar com 15 horas de jogo. As missões são variadas e conservam o nosso interesse ao longo de toda a jogabilidade. Se quiserem atingir os 100% com os quatro heróis e evoluir todos ao nível 30 vão ser necessárias cerca de 60 horas de jogo, o que faz deste um dos títulos com mais longevidade de uma consola portátil. Haja bateria…

São os inúmeros inimigos que fazem desta longevidade uma viagem que nos faz esquecer as horas. A inúmera diversidade de antagonistas que encontramos pela frente e o facto de serem sempre adicionadas novas modificações de cada vez que começamos uma masmorra nova é uma das melhores armas de Heroes of Ruin. Tartarugas e caranguejos gigantes, homens-tubarão, dinossauros, demónios, gárgulas, anjos, goblins, lobos, zombies e tudo o que possam imaginar é arremessado para cima de nós. Heroes é um jogo com o selo “Enemy Pride” onde a variedade de género é incentivada e permitida. Não queremos saber a justificação de misturar aranhas gigantes com enormes golems de pedra no mesmo nível, queremos é atirá-los todos ao chão.

Wasaaaaaaaaaaaaaaaaa!

 

A pontuar algumas masmorras temos ainda boss fights que introduzem alguns elementos de puzzle simples, como atacar primeiro os tentáculos de um Leviathan ou derrubar as torres que rodeiam um dragão.

Como não podia deixar de ser, de cada vez que um destes alvos em movimento vai ao chão deixa-nos uma dose considerável de moedas, armas e acessórios de moda com capacidades mágicas. Aquilo que apanhamos é geralmente equivalente ao nosso nível embora possa pertencer a outras classes que não a nossa. Aquilo que não nos interessa pode e deve ser vendido, directamente no inventário ou através das lojas da especialidade em Nexus. Como não existe diferença de valores entre vender no menu ou na loja, a primeira acaba por ser a forma escolhida. Já a compra tem de ser feita em Nexus. Algumas armas e acessórios possuem atributos adicionais que nos permitem colocar um inimigo em chamas ou regenerar a nossa energia mas demoramos algum tempo de jogo a perceber quais são e muitas vezes vendemos os mesmos sem querer, uma vez que a indicação resume-se a um pequeno círculo colorido no item e a um pequeno menu escondido nos objectos.

Os menus possuem essa particularidade de serem confusos à partida e podemos passar várias horas de jogo sem estar a usar todas as funcionalidades por desconhecimento, principalmente nas skill trees. No entanto, com o tempo aprendemos a gerir os três tipos de skills diferentes: os passivos (activados automaticamente), os Power Attacks (activados com botões e com tempo limitado) e os Buffs (permanentemente activos). É impossível conseguir activar todos os atributos de um personagem, tal é o elevado número de skills disponíveis. Isto conduz a uma necessidade de estratégia e premeia jogar uma segunda vez com o mesmo personagem. Todos os skills, quests, inventário e menus estão rapidamente acessíveis no ecrã inferior, com os ícones bem colocados nas margens do ecrã, o que facilita o seu uso.

A senhora é culpada de utilizar um diálogo extremamente previsível.

 

Chegamos finalmente ao ponto mais ambíguo de Heroes of Ruin que é o seu aspecto visual. De longe, este é um dos jogos mais belos da 3DS, e de perto, um dos mais horríveis. Isto é, o facto da câmara estar afastada da acção faz com que a perspectiva isométrica do jogo proporcione cenários em 3D que parecem autênticas maquetas. Mas quando a câmara se aproxima (como nos diálogos) o jogo revela elementos com poucos polígonos, texturas desfocadas, bocas que não mexem e problemas de colisão entre os objectos. Contudo, o jogo decorre quase sempre em perspectiva afastada e, nessa configuração, é simplesmente maravilhoso. Das árvores gigantes que servem de pontes na floresta, aos reflexos das áreas geladas da montanha ou aos precipícios húmidos de Coral Tombs, tudo está modelado e arquitectado com uma direcção artística e detalhe belíssimos e que utiliza de forma perfeita o 3D da consola. As masmorras da Soul Void, onde fragmentos do cenário flutuam num vazio espacial são difíceis de explicar por palavras, mas são o melhor cenário no qual já joguei na 3DS e sim, estou a incluir o Super Mario 3D Land.

A banda sonora do jogo está harmonizada com cada área e cada combate, e os sons cumprem mas sem grandes virtuosismos, com uma narração e diálogos regulares, mas com comentários deliciosos por parte das personagens como o riso do Gunslinger quando salta e larga uma bomba ou o “executed with perfection” da Alchitect. Existem alguns bugs sonoros que provocam distorção mas são extremamente raros.

Soul Void é um excelente cenário que não pode ser contado. Tem de ser jogado.

 

O multiplayer do jogo permite jogar com 4 pessoas em modo local ou através da internet, com amigos ou desconhecidos aleatórios. Os servidores são extremamente rápidos e estão recheados de jogadores sendo fácil arranjar um jogo a qualquer hora do dia. Temos a indicação do acto e da progressão na aventura em que os jogadores se encontram e do nível de cada um dos combatentes quando escolhemos qual o jogo a que queremos aceder. O multiplayer acaba por ser a melhor forma de levar os nossos heróis ao nível máximo, pois não podemos recomeçar a campanha a solo a partir do nível no qual nos encontramos. A comunicação via chat sem restrições é permitida e activada através do botão L.

 

O melhor: Um dos mais viciantes hack and slash numa portátil; os inúmeros skills; a quantidade e variedade de inimigos; o multiplayer cooperativo com 4 jogadores via internet; as missões diárias e semanais adicionais.

O pior: Problemas visuais e de texturas quando a câmara está mais próxima; alguma repetição do design das masmorras; não poder recomeçar a campanha para continuar o leveling do personagem.

Heroes of Ruin é um dos jogos obrigatórios para quem tem uma 3DS. Não está livre de problemas, com grandes defeitos visuais quando nos aproximamos dos personagens e cenários, alguma confusão inicial na gestão de inventário e de skills e as masmorras um pouco repetitivas. Mas os seus defeitos são completamente anulados pelas suas qualidades que são o fantástico e viciante sistema de combate em tempo real e a enorme variedade de inimigos. Este é um jogo que não apetece largar e que pode proporcionar cerca de 60 horas de jogo se quiserem evoluir todas as classes ao nível máximo, o que pode ser conseguido no excelente modo cooperativo com 4 jogadores via internet. A 3DS já tem o seu pequeno “Diablo”, mas que de pequeno tem muito pouco.

 

(Heroes of Ruin é um exclusivo Nintendo 3DS)