Um projecto no Kickstarter para organizar a primeira convenção Gay de videojogos conseguiu ultrapassar os 25 mil dólares pedidos em apenas 5 dias e continua a crescer a um bom ritmo, com mais de 600 “investidores” a disponibilizarem quase 32 mil dólares quando ainda faltam 24 dias para o final do Kickstarter. Mas será a Gaymercon um evento para consciencializar e aproximar os jogadores de todas as preferências sexuais ou uma forma de ainda separar mais as águas e erguer barreiras maiores?

Os promotores da Gaymercon afirmam que a comunidade Gay e Lésbica é ostracizada no mundo dos videojogos e que existe a percepção de que os jogadores são caucasianos fechados em salas escuras a carregar em botões. Não, não existe essa percepção. Os promotores afirmam ainda que se estivermos tempo suficiente num jogo online, mais tarde ou mais cedo vão surgir comentários homofóbicos, raciais e misóginos. Mas esquecem que isso é o funcionamento de grande parte da internet em geral, não apenas do mundo dos videojogos. O comentário através da internet camufla-se no anonimato e é dado à proliferação de trolls. Os promotores da Gaymercon estão a esquecer um pormenor importante: os trolls não são a maior parte dos jogadores ou internautas. São apenas os mais audíveis e os que mais se esforçam por aparecer online.

A maior parte dos jogadores ocidentais e asiáticos são pessoas das gerações mais recentes que, fruto de toda a informação que receberam no seu crescimento são das populações menos homofóbicas, racistas e misóginas que já existiram. Muitos jogadores foram também muitas vezes olhados como um grupo à parte que ainda brincava com jogos de crianças e, habituados que estão a uma certa dose de intolerância com os seus hábitos, são os primeiros a serem tolerantes com qualquer opinião ou forma de estar dos outros. Eu lembro-me de ter violentas discussões com o meu pai, em tempos (felizmente passados) em que ele ainda tinha a opinião de que a homossexualidade era uma doença do foro psicológico. A minha heterossexualidade não necessitava que me aborrecesse dessa forma com ele, mas algo em mim revoltava-se com essa concepção. A minha geração, nascida nos finais dos anos 70 e princípios dos anos 80 já tinha fortes crenças na liberdade sexual quando atingimos a idade adulta e cada vez mais essa liberdade constitui normalidade para as novas gerações.

Contudo, consigo ver um ponto positivo na Gaymercon. Bem aproveitada, a convenção pode ser utilizada para promover jogos independentes que tenham temáticas gay e lésbicas nas suas narrativas. Mas isto não precisava de ter uma convenção em particular. Isto devia estar presente nas convenções gerais e, aos poucos, começa já a aparecer em locais como a PAX que não teve que se assumir como nada em particular para ter lado a lado narrativas independentes e comerciais.

Metal Gear Solid 3 é o exemplo de um jogo AAA a incluir personagens bissexuais.

 

Os promotores da Gaymercon escolheram São Francisco como o local para organizar este evento que promete abraçar Gays, Lésbicas, Transsexuais, Bissexuais e as pessoas de todas as cores e crenças, incluindo as mulheres e homens brancos e heterossexuais. Escolheram a cidade onde tantos lutaram pela aceitação de pessoas com preferências sexuais que tinham de ser escondidas dos olhares dos outros, incluindo o corajoso e inesquecível Harvey Milk, interpretado por Sean Penn na adaptação da sua vida a filme (Milk). Lutas que conduziram à liberdade actual, onde até um presidente dos Estados Unidos já se manifesta como apoiante dos casamentos gay. A Gaymercon parece-me a mim um retrocesso em toda esta caminhada difícil. Um momento de separatismo e não um momento de inclusão. E a seguir, vamos ter a Niggercon? Parece ofensivo, não é? Mas não será a mesma coisa?