A conferência da Sony na E3 2012 podia resumir-se à frase que se tornou célebre no filme “A Mosca” de David Cronenberg: “Tenham medo, tenham muito medo”. Depois de mais de uma hora de apresentação, a marca nipónica passou uma confusa mensagem de não saber muito bem para onde caminhava e para os amantes da marca, o futuro passou a ser um lugar estranho e muito incerto.

Numa conferência morna em que se esperava um claro apoio à PS Vita, apenas dois jogos foram mostrados para a nova portátil. Assassin’s Creed: Liberation não passou de um trailer e All-Stars Battle Royale foi na verdade uma apresentação de um jogo PS3 que permite o Cross Play na Vita. Call of Duty apenas teve direito a um logotipo (que agora se percebe porquê).

Com muito tempo dedicado à temática quase institucional da Playstation Network e da estratégia global da Sony, parecia que a última prioridade da marca era aquilo que sempre a caracterizou: os jogos. Beyond: Two Souls, de aspecto fantástico, deixou dúvidas depois de mais de 10 minutos de tempo real não jogável, fazendo temer que o criador de Heavy Rain esteja a apaixonar-se demasiado pelo cinema e menos pelos videojogos. Wonderbook, que eu pessoalmente acho que é um produto fantástico com enorme potencial, teve uma apresentação demasiado longa e tão amorfa que chegou a ser constrangedora. Restou a jogabilidade em tempo real de The Last of Us que quase salvou a honra da Sony, mas depois de mais de uma hora sem força, já era tarde demais. Restou-nos a dúvida sobre o que de válido tinha a Sony para oferecer no último ano de espera pela próxima geração e, para quem apostou na Vita, medo, muito medo.

A apresentação de Wonderbook na E3 ameaçou tornar-se um meme na internet.

 

A semana passada, no maior certame europeu de videojogos, a Gamescom, a Sony ingressou num regresso ao passado, aos tempos em que nos surpreendia com inesperados LittleBigPlanet, Uncharted, God of War, Infamous, Flower, Journey e muitos outros. A conferência da Sony colocou os jogos em primeiro plano e acima de tudo, a novidade, a criatividade e novas propriedades. Numa época em que o hardware se começa a dissipar em dezenas de ofertas diferentes são cada vez mais os títulos que podem fazer a diferença e manter uma empresa à tona de água. A aposta deverá passar cada vez mais pelos próprios jogos e pelos próprios estúdios.

O exemplo da Nintendo é disso prova. Iwata afirmou não temer o mercado do mobile pois numa altura em que o iPhone e os dispositivos Android ameaçam dominar o mercado portátil, a 3DS está a bater recordes e a vender mais do que a DS vendeu anteriormente em período similar, quando a ameaça dos tablets e smartphones não existia. Obviamente que isto se deve ao catálogo disponível (e também à compatibilidade com os jogos anteriores, algo que a Vita tem de resolver com preços muito mais baixos para títulos digitais de PSP), e se o catálogo conta com grandes apostas de outras produtoras como Heroes of Ruin e Kingdom Hearts 3D, é nas propriedades da própria Nintendo que têm assentado as vendas recordistas.

Quando a Sony fecha estúdios pode estar a dar um tiro no próprio pé. Alguns até podem ser justificados. É certo que a Sony Liverpool por questões emocionais é algo que nos entristece ver partir (afinal estamos a falar da Psygnosis) mas também é certo que nos últimos anos o estúdio tem sido utilizado para fazer os testes de localização europeus da maior parte do catálogo da marca e para lançar continuamente o mesmo jogo (Wipeout). Com isto, o DNA criativo da produtora vai-se perdendo e, goste-se ou não, há fechos inevitáveis numa economia incerta. Já a decisão de fechar a Zipper Interactive foi extremamente errada pois a produtora conseguiu um dos melhores títulos para a PS Vita que foi Unit 13. Com a Nihilistic a destruir por completo o franchise Resistance e a criar um Call of Duty que me parece vai ser mais uma trapalhada “mobile”, a Zipper deveria ter ficado como o estúdio para os jogos de FPS e de acção na terceira pessoa da Vita.

Nihilistic a.k.a. Como não fazer jogos.

 

Erros aparte, na Gamescom 2012 a Sony deixou os fãs dos videojogos de barriga cheia com o que aí vem. Quando se fala de fim de ciclo e de esperar pelo futuro, quando a maior parte dos lançamentos AAA são sequelas, o catálogo para os próximos meses da Playstation 3 traz novas propriedades AAA e novas propriedades “independentes” que se traduzem em ideias arriscadas e frescas, aquilo que costuma ser lançado quando não no fim mas no início de um ciclo de hardware. Veja-se o último ano da Wii para o oposto do que está agora a acontecer com a Sony.

Guerrilla a.k.a. Como fazer jogos.

 

A Playstation Vita começa finalmente a receber a devida atenção e o suporte da própria marca. Se existe o receio de que as produtoras externas não estejam a apostar em criações para esta máquina, a melhor resposta é ser a própria Sony a criar os melhores títulos para com eles aumentar as vendas do hardware e convencer o investimento dos outros (exactamente a estratégia que levantou a 3DS de um arranque frouxo nos primeiros meses). Dois desses jogos não foram muito falados na conferência mas são o já lançado Sound Shapes e o próximo LittleBigPlanet PS Vita. O primeiro é um dos jogos de plataformas mais originais dos últimos tempos, o segundo é uma adaptação perfeita e ainda melhor da propriedade existente na PS3. Depois de ter jogado a versão beta e recentemente a antevisão, LittleBigPlanet mostra que a portátil é realmente uma “PS3” pequena. Isso esteve bem patente no vídeo de jogabilidade de Killzone com a Guerrilla a mostrar que a miúda aguenta correr um FPS AAA como se fosse uma senhora adulta e cheia de experiência.

LittleBigPlanet PS Vita é um sério candidato a jogo do ano na consola. Sim, mesmo que houvesse jogos para a Vita também seria um forte candidato.

 

Depois temos o Cross Buy e o Cross Play com o mesmo jogo a funcionar na PS3 e na PS Vita e a ter de ser apenas comprado uma vez. Sly Cooper: Thieves in Time, Ratchet & Clank Q-Force e All-Stars Battle Royale são exemplos de títulos que vão certamente vender para a instalada base de milhões de jogadores na PS3 e podem conduzir à aposta na compra da portátil, onde se pode continuar no autocarro o jogo, exactamente do ponto em que se parou na sala de estar.

Já o Playstation Mobile que foi apresentado na E3 como algo para outros dispositivos acaba agora de receber suporte para a PS Vita, o que pode significar muitos jogos Android baratos (e mesmo gratuitos) a correrem na portátil da Sony. É território no qual a Apple não gosta de ter sombra mas pode significar mais catálogo e opções para quem investiu ou pensa investir na Vita.

Tearaway, o novo jogo da Media Molecule mostrou-nos um universo visual fantástico e muito original na consola, com a prometedora ideia dos dedos a invadirem e a rasgarem o mundo de jogo. A produtora de LittleBigPlanet abandona desta forma o tecido e abraça o papel, mas o resultado promete ser tão original como as criações de Sackboy. Já Call of Duty, sinceramente, é jogo para esquecer. Eu sei, não devemos negar à partida uma ciência que desconhecemos, mas com a Nihilistic no barco, sem colocarem a jogabilidade nas mãos da imprensa a poucos meses do lançamento, com um trailer de jogabilidade que parece uma adaptação para Android e com os representantes da Activision a afirmarem que ainda nem sequer experimentaram o jogo, ou vamos ter um péssimo título para o Natal, ou um adiamento para meados de 2013.

 

O que não quero ver adiado são os novos jogos que foram anunciados para a Playstation 3, cada um mais original que o próximo: a juntar ao já conhecido e muito esperado Unfinished Swan temos agora Puppeteer, o curioso Until Dawn, e o impressionante e inesperado Rain, que mostram que a criatividade nos exclusivos da Sony está bem viva e que o sucesso de Journey mostrou que este é um dos caminhos a seguir, para a felicidade dos jogadores que estão fartos de missões em que o helicóptero, surpresa das surpresas, acaba por cair. Swan aposta numa jogabilidade inovadora em que vamos descobrindo o cenário à medida que o vamos pintando, Pupeteer é um jogo de plataformas que aposta, e bem, numa enorme teatralidade, Dawn uma recriação dos filmes de terror com adolescentes mas infelizmente sem Kevin Bacon, e Rain promete ser uma daquelas ideias que resultam num jogo memorável como Flower.

 

Sobrou ainda espaço para perceber que Wonderbook é uma das melhores ideias da marca nos últimos tempos e com nomes como a BBC, a Discovery e a Disney no barco, o livro de realidade aumentada é bem capaz de se tornar um sucesso de vendas junto do público infantil.

Foi tão bom para ti como foi para mim há 5 anos atrás?

 

A Gamescom 2012 mostrou uma Sony apostada em dar um novo fôlego à sua consola grande e num claro e forte apoio à pequena que tantos já querem enterrar prematuramente. Curiosamente, depois de muitas Nintendo Direct e desta Gamescom, é a Microsoft que fica sozinha com rumo incerto, com pouco mais que Halo, Forza e sem percebermos qual a prioridade da marca americana para os próximos tempos (Surface, Windows 8, Smartglass, jogos?). Mas para quem é fã, proprietário ou futuro comprador da Sony, o futuro não podia ser mais risonho. A Playstation 4 pode esperar, pois a Sony reaprendeu a fazer o amor.