No ano de 1997 surgiu um anúncio de televisão que ainda hoje é estudado em todos os cursos de publicidade. Acompanhadas com a narração do actor Richard Dreyfuss, figuras icónicas da história da humanidade aconselharam-nos a pensar de forma diferente, tornando “Crazy Ones” a melhor peça da famosa campanha publicitária “Think Different” da Apple.
“(…) aqueles que são suficientemente loucos para acreditar que conseguem mudar o mundo, são aqueles que o conseguem.” Peter Molyneux é uma dessas pessoas. O criador de videojogos acredita que consegue criar aquele jogo que se pode tornar uma experiência maior, capaz de atingir o grau de epifania no jogador. É exactamente por estar sempre a apregoar essa vontade que é também tão criticado e acusado de criar uma enorme expectactiva em redor dos seus lançamentos futuros e depois ficar muito aquém do anunciado. Há quem acuse Molyneux de ser mais marketing que criação.
Curiosamente, Peter foi no entanto responsável por jogos que deixaram memórias muito fortes nos jogadores. Populous, Syndicate e Theme Park são três exemplos de títulos que tentaram ir mais longe e provocar uma maior imersão do jogador no universo de jogo. Ambos utilizam uma mecânica similar de um “modo de deus” no qual controlamos de forma omnipresente o tabuleiro de simulação da vida real, seja a criar o mundo, a controlar uma sociedade distópica ou a gerir populações que visitam um parque de diversões. O modo de deus tem sido aliás uma das estratégias recorrentes no design de Molyneux, o que se entende para quem quer criar uma experiência “maior que a vida”. Black & White esteve muito próximo de o conseguir e é para muitos um dos melhores jogos PC de sempre.
Eu gosto de Peter Molyneux. Gosto da sua forma quase infantil de estar, do seu optimismo exagerado, da sua excitação empolada pelo suposto virtuosismo da sua próxima ideia. Gosto destas pessoas que permitem um regresso ao modernimo numa época em que o pós-modernismo já enjoa com tanto pragmatismo e tanto hipster aborrecido que por aí anda. Gosto de Molyneux como gosto de Gabe Newell, de David Cage e de Jenova Chen. Todos são alvos perfeitos da crítica dos práticos, dos que afirmam que já cá andam há muito tempo, que já viram e já ouviram as vontades e afirmações de criar o que ninguém sequer imaginou. Este críticos, tendo ou não razão, infelizmente já se esqueceram do que aqui os trouxe. O certo é que Molyneux tem estado cada vez mais perto da criação da “tal” obra (sim, contando com Fable) e é capaz de estar agora mais próximo do que nunca.
Curiosity, inspirado na célebre Ted Talk “The Mistery Box” de J.J. Abrams sobre o que está no interior da caixa, é a primeira criação do estúdio 22Cans, a nova empresa criada por Molyneux depois de abandonar, pelo seu próprio pé, uma extremamente confortável posição nos estúdios da Microsoft. O estúdio está apostado e focado na criação de experiências originais que utilizem todas as ferramentas tecnológicas actualmente à disposição da indústria, nomeadamente o cloud gaming, as várias plataformas (consolas, telefones, televisores), os diferentes métodos de interacção (rato, controlador, toque, sensores, etc) e o conceito da persistência em que tudo o que se faz é permanente.
Curiosity será simplesmente um cubo no interior de uma sala branca. Só que este cubo é composto por nada mais, nada menos, do que 64 biliões de pequenas faces. Naquela que é uma das mais extravagantes experiências sociais de jogo em massa, todos os jogadores universais vão estar a “jogar” no mesmo cubo, isto é, só irá existir uma versão do cubo onde todos vamos tocar para ir retirando peça a peça. Porquê? Para responder à simples questão: O que está no interior do cubo?
Ninguém sabe quanto tempo demorará o “mundo” a chegar ao interior do cubo. Cada camada esconde uma nova surpresa por baixo dela, mas são tantas as camadas como as de uma cebola. Pode demorar dias, semanas ou mesmo meses. Surge então a pergunta pragmática: Porque raio é que eu me hei-de importar com isso? Porque não esperar que todos cheguem ao final do cubo e depois ir ver o que lá está? Para responder a essa questão, a equipa criou várias mecânicas para garantir que as pessoas se viciam desde o início: Musicalidade no acto de ir retirando as peças; cadeias e combos que permitem ganhar moedas; utilização das moedas para comprar ferramentas que durante algum tempo permitem tirar mais peças ao mesmo tempo; e levelling do jogador. Obviamente, uma experiência de jogo social não estaria completa sem monetização, uma “palavra suja” na própria afirmação de Molyneux numa conferência recente mas algo em que acredita que é parte integrante da nova indústria.
Um dos aspectos mais extravagantes desta experiência é a existência de uma ferramenta que irá custar cerca de 63 mil euros e que durante algum tempo irá permitir a uma louca ou a um louco retirar um número enorme de peças de cada vez. Se é que alguém vai comprar este DLC ou se mais do que uma pessoa o vai fazer é também parte integrante desta experiência. Molyneux afirma que todos os que comprarem ferramentas vão tornar-se investidores no próximo jogo da 22Cans, aparecendo nos créditos, fazendo parte da beta ou até comprando o próprio jogo, conforme o valor que gastarem em compras dentro da aplicação.
Podem criticar, glorificar, difamar, citar ou troçar Peter Molyneux, mas como dizia o anúncio, aquilo que não podem fazer é ignorar. Edgar Alan Poe afirmou que se tornou louco, com longos intervalos de uma sanidade horrível. Esperemos que os intervalos de Molyneux sejam cada vez menos frequentes.
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[…] do clássico Theme park, que não é o mesmo Theme Park da Bolfrog Productions, fundada pelo louco Peter Molineux. Já foram confirmadas duas datas para o seu lançamento, mas foi adiado para o final do ano. Será […]