O momento WTF? 2012

Para começar esta análise é preciso clarificar desde já duas coisas:

1 – Thirty Flights of Loving só possui 10 minutos de jogabilidade. Nem mais, nem menos.

2 – A maior parte dos jogos que a imprensa especializada analisa são fornecidos pelas produtoras ou pelas editoras, não tendo qualquer encargo financeiro para a publicação. Adiante.

Quando o jogo independente Gravity Bone surgiu em 2009, rapidamente se tornou um dos meninos queridos da crítica. Criado pela produtora americana Blend Games, o jogo elevou o seu criador Brendon Chung à posição de estrela indie. Brendon já era conhecido nos fóruns e na comunidade de modders pelas suas criações cheias de personalidade, baseadas nos motores de Quake ou de Half-Life, onde os seus jogos na primeira pessoa fugiam à habitual mecânica de shooters para em alternativa criarem pequenas narrativas marcantes. Muitos desses “testes” utilizaram a personagem do espião Citizen Abel.

Parem de olhar para a senhora e vão lá buscar o Gravity Bone.

 

Mas foi com Gravity Bone que Chung conseguiu criar um verdadeiro jogo de autor, onde apenas duas curtas missões deixavam o jogador imerso numa experiência memorável, digna de uma curta metragem. Dez minutos apenas de jogo chegavam para que o universo de Gravity Bone deixasse em nós uma memória duradora onde era inevitável recomeçar novamente  jogar, quase como que para percebermos o que raio acabara de acontecer.

Após Gravity Bone, a Blend criou dois novos jogos com um enorme sucesso junto do público e da crítica e que arrecadaram dezenas de prémios independentes: Flotilla, e Atom Zombie Smasher. No entanto, por melhores que fossem estes jogos, o gosto que Gravity Bone deixou na boca teimava em regressar ao nosso subconsciente. Quando foi anunciada uma sequela para o jogo, a internet entrou em rebuliço.

O anúncio de Thirty Flights of Loving deixou a internet em histeria.

 

Em Fevereiro deste ano, o famoso ex-podcast Idle Thumbs promoveu uma campanha no Kickstarter para sustentar financeiramente o seu regresso. Chris Remo da Double Fine (Psychonauts, Staking), Jake Rodkin e Sean Vanaman da Telltale Games (Tales of Monkey Island, Walking Dead) pediram aos fãs 30 mil dólares, mas acabaram por receber cerca de 137 mil, em parte pela vontade no regresso do famoso podcast, mas também em enorme parte pela promessa de financiarem uma sequela para Gravity Bone.

Thirty Flights of Loving surgiu assim como uma das recompensas para quem apoiasse com 30 dólares o projecto. Após a conclusão do jogo, a Blend Games disponibilizou o jogo ao resto do público pela quantia de 5 euros. É por causa destes 5 euros que eu fiz as clarificações no início do artigo.

Thirty Flights é simplesmente genial, só que, apenas enquanto dura. Brendon Chung caracteriza o jogo como uma curta-metragem na primeira pessoa e é realmente isso que ele nos entrega. Não posso entrar aqui em detalhes sobre a narrativa, pois arrisco-me a contar metade dela num só parágrafo, mas posso adiantar-vos que vão conhecer a história de um trio de larápios com a sua certa dose de glamour.

Há quem vá ficar com esta cara depois de pagar os 5 euros.

 

Estamos de regresso a Nuevos Aires e à mítica figura do Citizen Abel. O mundo é um aperfeiçoar daquele que conhecemos em Gravity Bone, onde todas as pessoas são feitas de grandes quadrados e onde se respira uma atmosfera de filme de espionagem dos anos 60. Ao longo dos 10 minutos, uma série de saltos no tempo e na acção vão tentar narrar sem um único diálogo ou texto, as relações entre o trio. É nesta forma de progressão e forma de contar a narrativa que Thirty Flights of Loving é genial e vai deixar-vos com a sensação de que acabaram de experimentar algo muito novo, embora vão ter uma enorme dificuldade em explicar o que estão a sentir.

Quando chegarem ao final, preparem-se para um misto de emoções. Por um lado, vão sentir que acabaram de interagir com algo extremamente original e marcante. Por outro lado, vão sentir que alguém acabou de fazer sexo forçado convosco e vocês ainda pagaram por isso.

Um roubo, ou um assalto perfeito?

 

É aqui que irá residir o grande debate em torno deste experimentalismo independente. Deveria o jogo ser maior? Deveria o jogo ser muito maior? Pagar 5 euros é um roubo ou é o apoiar de novas ideias? Mas afinal o que é que acabou de acontecer?

Foi também por causa do custo do jogo que clarifiquei no início do texto que nós recebemos muitas vezes os jogos gratuitamente para análise. A verdade é que eu não paguei o valor de entrada, daí que tenha achado esta pequena sessão simplesmente mágica e enriquecedora. Agora, para quem tiver que pagar aqui fica o aviso: vão fazer o download gratuito e experimentem Gravity Bone. Se ficarem completamente siderados e quiserem mais, então arrisquem os vossos 5 euros para os 10 minutos de Thirty Flights. Ou, em alternativa, esperem por uma promoção do Steam ou pela inclusão do jogo numa colectânea de jogos independentes. É inevitável essa inclusão, pois seja como for, estamos perante um dos jogos mais importantes do ano. Só nos falta entender porquê.

O fim. Mais cedo do que possam pensar. [UPDATE]: Muito mais cedo do que possam pensar.

O melhor: A originalidade e estilo artístico do jogo; a forma de contar uma narrativa na primeira pessoa; a sensação de novidade; a inclusão do jogo Gravity Bone e de comentários do criador.

O pior: Os 5 euros; Não existir uma “longa-metragem” do Citizen Abel

Thirty Flights of Loving é uma das experiências de jogo mais curiosas dos últimos tempos, não só pelos seus curtos, mas fantásticos, 10 minutos, mas pelo preço que nos pedem por uma sessão de jogo que dura menos tempo que um café. Vai ser impossível ficarem indiferentes quando chegarem, rapidamente, ao final e o misto de emoções pelo qual vão passar, do espanto à indignação é em si uma nova forma de jogar. Fica à vossa consideração, mas joguem-no.

 

(Thirty Flights of Loving é um exclusivo PC)