Quantos de vocês é que já leram os contratos que aceitam quando compram jogos no Steam, na Playstation Network, no Xbox Live e na App Store? Quantos vocês sabem que os jogos que compraram, na realidade, não são vossos?

Pensam que os fatos que compraram são vossos? Então pensem lá outra vez.

 

Se lerem as letras pequeninas dos acordos de utilizador das lojas onde compram os vossos jogos digitais vão constatar que aquilo que vocês estão a adquirir é uma “licença de utilização” e que, mais importante ainda, essa licença não poderá ser utilizada por terceiros, nem é vitalícia, uma vez que vocês também não o são. Isto é, todos os jogos que vocês compram no Steam, por exemplo, estão associados à vossa conta de utilizador e não podem ser partilhados ou enviados para outra conta, e caso vocês apaguem a conta também deixam de os ter. Mas há algo literalmente bem mais mórbido em torno das vossas propriedades digitais: o facto de vocês morrerem.

Enquanto vocês andarem cá pela terra e não perderem a memória estão completamente garantidos que os jogos são vossos mas, como já diz a sabedoria popular, as únicas coisas certas na vida são a morte e os impostos, e no dia em que o Grim Reaper vos visitar e vocês estiverem a assinar um contracto de exclusividade para o além, é exactamente nesse momento que os jogos deixam de vos pertencer. O contrato de licença de um jogo, música ou filme digital só é válido enquanto o proprietário for vivo.

Era tão bom que fosse assim…

 

Se é certo que ainda não cheguei sequer aos 40 anos, também é certo que os imprevistos e os acidentes acontecem. Depois de ter lido um artigo no Kotaku, que por sua vez foi inspirado num artigo do Wall Street Journal (que isto do jornalismo é uma enorme promiscuidade sem vergonha), fiquei a pensar no que poderia acontecer aos meus jogos no dia em que eu partir. Sejam para a minha filha, para os meus hipotéticos futuros filhos, netas ou bisnetos, é certo que os mais de 500 videojogos físicos que estão em minha posse (e aos quais muitos se devem ainda juntar), gostem ou não, vão ser herdados por elas e por eles. No entanto, a somar à colecção de jogos físicos, a minha colecção de jogos digitais entre compras no Steam, PSN, Xbox e App Store já ultrapassa os 250 títulos e pela tendência actual do mercado, quantos mais anos eu viver mais se torna provável que ultrapassem o milhar. Caso a minha descendência goste de jogos tem de existir uma forma de lhes poder passar todos estes conteúdos que não necessite de uma tábua Ouija e de uma sessão espírita.

Onde é que o avô guardou o código do GTA V?

 

É por isso que acabei de colocar em formato seguro, tanto em papel como em digital, o meu login e password para todas as lojas principais onde tenho jogos comprados e entreguei uma cópia à minha mulher e outra ao meu pai. Quando o inevitável chegar, a minha prole vai poder perceber quão estranho era o Rail Simulator 2012, quão retro era o Modern Warfare 3, e quão fascinante ainda será o Journey, desde que simulem que eu ainda estou vivo e com as contas a funcionar. Desta forma, hoje posso dormir mais descansado.

Agora só fica a faltar não me esquecer de incluir a seguinte alínea no meu testamento dos bens físicos: “Se o jogo não correr, tirar o cartucho, soprar e tentar novamente”.