No espaço, ninguém te consegue ouvir ondular

Algumas pessoas poderão achar que, teoricamente, não é preciso muito para fazer um jogo – basta-nos uma boa mecânica-chave e criatividade suficiente para entreter o jogador com ela. Na prática, no entanto, é preciso muito mais que isso, sobretudo se queremos que seja um bom jogo. É preciso saber exactamente como utilizar essa mecânica da maneira mais eficaz, é preciso saber que elementos podem ser combinados com ela de maneira a trazer variedade e para que o jogo não se torne repetitivo, é preciso ser-se minimamente apelativo em termos estéticos e na maneira como se transmite informação ao jogador, é preciso uma atenção focada até ao mais ínfimo pormenor, é preciso imensa coisa mesmo. É certo que existem jogos que, na sua essência, são muito simples e que vivem totalmente dessa mecânica-chave, mas isto não quer dizer que não tenham tanta dedicação ou dificuldade na sua execução como um jogo maior. Pois bem, apenas três indivíduos juntaram-se, criaram uma mecânica fresca e interessante, exploraram-na até ao máximo do seu potencial e fizeram um jogo. Chama-se Waveform e não é só um jogo – é um jogo bom.

Em Waveform, jogamos como uma bola de luz cruzando o espaço sideral, onde uma força maléfica espalhou partículas de luz, matéria negra e outros problemas pelo nosso sistema solar. A nossa tarefa é simples – absorver quantas mais partículas de luz conseguirmos para combater o mal. No entanto, a nossa tarefa é também difícil – estamos limitados a um percurso ondulado e só nos podemos mover ao longo de uma onda de luz (ajustável em tempo real) de forma a criar vários comprimentos e amplitudes para absorvermos todas as partículas de luz espalhadas pelo nível, enquanto evitamos também uma série de obstáculos pelo caminho. Tudo isto é feito com apenas o rato, arrastando-o para cima e para baixo para mudar a amplitude da onda e arrastando-o para a esquerda e para a direita para mudar o comprimento. O jogo é bastante fácil de aprender mas difícil de dominar, exigindo sempre muita atenção e que façamos constantes e ritmadas alterações à onda ao longo do nosso percurso.

Vai acima, vai abaixo, vai ao centro e…

 

Factores que também contribuem para esta natureza “fácil de aprender, difícil de dominar”, são também as dinâmicas geradas pelos criadores, acelerando o jogo se nos estivermos a sair demasiado bem, relacionando directamente a amplitude da onda com a velocidade do nosso protagonista e fazendo surgir uma série de novos elementos ou obstáculos que vão aparecendo à medida que o jogo avança. Ao longo do jogo podemos encontrar novas mecânicas mais pequenas que trabalham em uníssono com a mecânica-chave do jogo (a onda) em prol de variar a jogabilidade, introduzindo aros que multiplicam a nossa pontuação para partículas de determinada cor, prismas que nos deixam mudar a cor das partículas, espelhos que reflectem a nossa onda, nuvens de gás que alteram a nossa velocidade, portais, distorções visuais, buracos negros, extraterrestres, enfim!

O jogo é para um jogador e a sua natureza casual deixa-nos ir jogando em leves sessões, enquanto vamos desbloqueando novos níveis ou aperfeiçoando pontuações de níveis anteriores de maneira a ganhar mais estrelas (necessárias para desbloquear novos níveis) e a competirmos nas tabelas de classificação online para cada nível, onde nos é possível comparar o nosso desempenho ao dos melhores jogadores do mundo. Níveis para desbloquear não faltam e o jogo é até bastante permissivo na barreira necessária para os desbloquear – não precisamos de um desempenho extraordinário para podermos jogar o jogo todo, o que é bom porque alguns níveis exigem uma coordenação e ritmo quase estonteantes! Para os mais atrevidos existem até níveis sem fim gerados automaticamente para testarmos as nossas capacidades mais hardcore.

… eu sabia que não devia ter bebido aquele último shot de tequilla.

 

Tudo isto, envolto num contexto visual bastante bem desenvolvido a nível artístico e narrativo, casando bastante bem, numa temática espacial, os seus elementos visuais com as mecânicas de jogo. A música do jogo vale a pena ser destacada, bastante relaxante e ritmada, com sons e ruídos invocando um conceito de espaço e ficção cientifica mais “retro”, lembrando os jogos espaciais dos anos 80. Em algumas instâncias, a música aumenta de ritmo de acordo com a velocidade do jogo, proporcionando momentos bastante frenéticos. Se olharmos para os esforços artísticos e musicais aqui presentes e nos lembrarmos que o jogo foi feito por apenas três pessoas, mais louvável é toda esta sua qualidade artística.

Olha-me só para aquelas curvas!

 

Há pouco de mau para apontar aqui, no sentido em que este é um jogo que sabe o que quer e não quer fazer e raramente se desvia do seu objectivo principal. Se eu tivesse de tecer uma crítica ao jogo, seria talvez o facto de, por vezes, ser frenético demais para o seu próprio bem, exigindo uma destreza e rapidez de reacção demasiado elevadas. Tenho também de admitir que após mais de 90 níveis sempre a fazer a mesma coisa (mesmo com as variantes introduzidas ao longo do nosso percurso) o jogo corre o risco de se ter esticado demasiado no uso da sua mecânica principal. Talvez fosse mais interessante ter menos níveis, dando mais ênfase à sua qualidade do que à sua quantidade mas, sendo este um jogo mais casual, esta é uma falha bastante perdoável até, já que nos dá mais conteúdo para ir jogando e desbloqueando no nosso tempo livre.

Feito apenas por três pessoas, Waveform é um excelente exemplo de um jogo simples realizado com muita qualidade e aproveitando o seu máximo potencial. É certo que não ambiciona muito mas o que faz, faz bem e, sinceramente, não o podemos recriminar por isso. Recomendo-o tanto para jogadores casuais como para aqueles mais sedentos de um verdadeiro desafio – existe algo para ambos, aqui. Com bastante conteúdo para oferecer e com um preço muito acessível, considerem-no algo bastante sólido e divertido para passar tempo.

 (Versão analisada: PC)