Nas aventuras gráficas dos anos 90 existia um traço comum a todas elas: a enorme dificuldade. Edna & Harvey: The Breakout inspira-se assumidamente nessas aventuras gráficas, nomeadamente nos títulos da Lucas Arts, mas será o resultado um bom revivalismo ou o regresso de memórias dolorosas?

Edna & Harvey começou por ser um trabalho universitário executado por estudantes na Alemanha. O jogo foi bem recebido pela crítica alemã, em contexto de trabalho académico, conseguindo depois evoluir para um lançamento comercial em PC que mais tarde foi traduzido para outras línguas. O jogo foi agora adaptado para iPad, seguindo o trajecto da maior parte das aventuras point & click que descobriram no tablet da Apple um novo fôlego e novos públicos.

Apertem-se mais um pouco que ainda cabe outra aventura gráfica como inspiração.

 

Edna & Harvey pisca no entanto o olho ao público mais antigo. As referências a jogos como Monkey Island são directamente referidas em diálogos ou objectos do cenário e muito do estilo artístico das personagens, do traço às vozes, é fortemente influenciado por Day of Tentacle. O humor negro lembra-nos o primeiro Sam & Max original se bem que mais contido. A inspiração nestes títulos é óbvia ao longo de toda a aventura mas também pontuada com a contenção necessária para deixar a narrativa de Edna & Harvey, com mais de 10 horas, respirar e viver por si só.

Edna, a nossa personagem principal, encontra-se trancada num asilo para doentes mentais, sem qualquer memória sobre o porquê de ali estar e o objectivo do jogo é conseguirmos fugir do asilo e tentarmos recuperar a memória. Para a ajudar, Edna conta com o seu coelho de peluche, Harvey, que assume aqui a forma de amigo imaginário. O facto de Edna falar com um coelho de peluche podia arrumar logo a estória do jogo, pois justificaria na perfeição o facto de a jovem alucinada estar fechada e vestida com uma bata. Mas isso não dava um bom jogo, daí que escapar torna-se imperativo.

A menina não tem uma irmã chamada Laverne não?

 

É aliás no coelho Harvey que o jogo introduz uma mecânica fresca em algumas secções de jogo. Habitualmente, numa aventura gráfica, o personagem recolhe objectos do cenário no seu inventário e depois utiliza-os com outros objectos ou outros personagens para progredir na acção. Edna & Harvey não foge a esta regra e a maior parte do jogo recorre ao sistema tradicional. No entanto, em algumas secções, podemos controlar separadamente Harvey, que pode guardar a maior parte dos elementos e personagens do cenário na sua memória e depois interagir com Edna a partir dessas memórias. Infelizmente, estas secções são muito curtas e limitadas, desperdiçando desta forma uma mecânica fresca que poderia marcar a diferença ao longo de todo o jogo.

A interação com os muitos outros personagens é linear e, embora existam várias hipóteses de conversa, o resultado será sempre o mesmo e a forma de resolver os puzzles é uma só. É aqui que assenta o maior problema de Edna & Harvey e que pode afastar muitos jogadores. Os grandes clássicos possuíam uma lógica de resolução de puzzles que roçava muitas vezes o ilógico. Era frequente a solução de um puzzle fazer sentido apenas depois de se ter descoberto a resolução, e a ligação entre causa e efeito era muitas vezes tão forçada como o final de um filme de Domingo à tarde. Isto obrigava-nos a uma tediosa procura que implicava tentar juntar todos os objectos com tudo o que existia até acontecer algo, o que implicava dezenas e por vezes centenas de combinações. Era aqui que muitos jogadores recorriam aos guias que diziam como passar aquela área de jogo e, após feito isto uma vez, a tentação de repetir a “batota” era demasiado grande para ser evitada. Alguns de nós, no entanto, continuavam a batalhar até encontrarem a solução, mas depois de se consultar várias vezes a solução, o jogo vai perdendo a sua força.

É assim que vão ficar aqueles que não desistirem.

 

Ora, Edna & Harvey utiliza muitas vezes essa lógica “sacada a ferros” e actualmente isso deixou de funcionar. Se há 20 anos atrás, fruto da novidade, nós acabávamos por puxar os cabelos até descobrir como sair de uma simples sala, actualmente é necessário outro género de abordagem para nos manter interessados numa aventura gráfica. Um bom exemplo disso é Resonance, onde tudo se tornou lógico, o que não quer dizer que seja fácil. Felizmente, não existe pixel hunting em Edna, pois um botão permite assinalar todos os objectos que permitem interação. Mas mesmo sem pixel hunting, este jogo torna-se frustrante ao longo da aventura e a boa narrativa acaba por não conseguir agarrar-nos enquanto desesperamos em algumas das secções de jogo.

Graficamente, o jogo possui um traço de banda desenhada com uma personalidade ligeiramente abstracta que encaixa perfeitamente na temática da loucura e do humor do asilo, embora o reduzido ciclo de animações acabe por tirar força às personagens e aos muitos cenários (mais de 100). As vozes são regulares, isto é, conseguem vestir as personagens mas sem grande genialidade. Já a música é perfeita em vários momentos, principalmente quando recorre à utilização de pianos e temas com um toque de jazz.

 

Edna & Harvey: The Breackout é assumidamente uma homenagem às aventuras gráficas da Lucas Arts e isso é ao mesmo tempo uma qualidade e um defeito. Se o mesmo humor acutilante, a mesma construção de personagens fortes e os bons diálogos estão aqui presentes, está também no jogo a mesma dificuldade ilógica que travava a progressão de uma forma muitas vezes frustrante. Edna & Harvey não tem força suficiente para agarrar um jogador que não queira recorrer a um guia para achar a solução e isso pode fazer com que seja abandonado antes do final. Se procuram uma evolução do género, não é neste jogo que a vão encontrar, mas se procuram reviver no colo as aventuras dos anos 90 então Edna & Harvey é o jogo perfeito para recordar o pior e o melhor que o passado nos deu.