Droga ou Veneno?
Para perceber Datura, é necessário ter uma noção da planta datura e seus efeitos. Uma planta que podia estar incluída na viagem delirante de 71, quando Raul Duke e Dr. Gonzo decidiram dirigir até Las Vegas. Uma viagem obrigatória de se ver, sem ser colocada em causa a veracidade dos acontecimentos. Fosse da atendedora de balcão a transformar-se em serpente, dos personagens do bar cruzados com os nossos antepassados dinossauros, ou da agressividade do efeito da adrenalina pura. A Planta Datura podia estar entre os detalhes desta viagem como inibidor da realidade, não distorcendo os factos reais das consequências deste potente psicoactivo. Visto como a experiência mais temível no seio de todas as plantas e fungos psicadélicos, Datura teve até hoje a maior percentagem de histórias clandestinas e profissionais, que indicavam uma forte má experiência física e mental, e tornando-se também perigosa por alterar o sentido da realidade e criar no indivíduo um comportamento agressivo. Mas não quer dizer que seja sempre mau. Alguns podem ter avistado Vénus a sete pés de altitude e outros tiveram alucinações colectivas ao avistar uma senhora de branco. Os três Pastorinhos, por exemplo, eram pobres e por isso comiam o que podiam pelos montes repletos de cogumelos mágicos. Datura, mais que alucinações, pode criar um efeito Zombie, isto é, diminuir consideravelmente o pulso cardíaco ao ponto de parecer morte. Isto faz-me lembrar uma história de um homem que ressuscitou ao terceiro dia.
Percebendo o que é a planta Datura e os seus possíveis efeitos, que me podiam levar a desenvolver um tema enorme em torno de como a realidade pode ser alterada e suas consequências (boas e más), passamos a compreender o jogo. É uma viagem que, tal com o consumo da planta, inaltera a percepção da realidade e a confunde com o não real. É uma viagem curta, incompreendida, devota à linhagem de David Lynch, mas muito longe de se parecer com as obras deste. Isto é, nem há margem para comparar com a obra de David Lynch, porque Datura compromete sérias obras de qualidade do foro utópico e esquizofrénico. Contudo, existem algumas situações que vão ao encontro do aceitável e merecem algum destaque, mesmo que poucas. O facto de ser revestido de acontecimentos únicos, isolados e alguns em que não temos controlo, transmite o potencial da planta. Se é que transmite o potencial da planta e é aí que gero algumas dúvidas. Vou apenas acreditar que sim, mas custa-me olhar para o jogo como um exemplificativo de experiências alucinogénicas no seu todo. Porque está um pouco aquém disso.
O ambiente gera-se principalmente a partir de um terreno privado, com floresta e jardim, longe dos olhares da cidade. Somos também transportados por breves momentos para ambientes citadinos e outros mundos paralelos, mas é num espaço natural e algo artificial que se desenrola a maior parte do jogo. A questão é saber o que é realmente real, mas nunca se sabe ao certo o que se deve ter em conta que é real, por não saber o que não é. Confusos com esta frase? Assim é Datura do início ao fim. A diferença é que o efeito da planta deve estender-se muito mais que 90 minutos de jogo. Sim, Datura tem cerca de 90 minutos de jogo, mas consegue mesmo assim mostrar o outro lado do espelho, literalmente. Datura parece citar uma experiência de alguém sob efeito da planta, com um local bonito e um grafismo apelativo que incrementa situações de cortar a respiração ou outras capazes de arrancar os cabelos dos pés. Disse bem, dos pés. Examinam-se árvores e estátuas, entra-se em portas mágicas, atira-se a batata ao porco, a água é líquido viscoso e há mais borboletas que as mães. Larvas, neste caso.
A moca é tão grande que não há diálogos no jogo. Não sai uma palavra da boca além de grunhidos e alguns berros. O jogo é desenvolvido para explorar e dar de caras com momentos absurdos e controversos, sem uma pinga de sentido. Fraccionado por parcelas de acontecimentos que leva a questionar a relação entre tudo, mas que não se traduz em qualquer entendimento. Abstracto e enigmático. Atenção, não estou a dizer que é mau, pois este é o intuito. Não há nada igual no mundo PSN e é isso que enaltece Datura.
Outro aspecto importante são as decisões bifacetadas, mas que não se consegue perceber ao certo para que finalidade surgem. Por exemplo, após pegar numa picareta (um dos objectos que, ao lado de muitos, acciona momentâneos episódios), o jogador é transportado para um lago gelado. Nesse mesmo lago, avista-se debaixo do gelo um troféu num lado e uma pessoa no outro. Onde se vai escavar é uma das decisões a tomar. Iremos nós salvar a pessoa ou colher o objecto valioso? Seremos gananciosos ou iremos fazer o que é certo? Estamos caídos no chão e temos um cão a ladrar à nossa frente. Damos-lhe com o ferro que temos na mão ou esperamos que o cão se tente acalmar? Eu não consegui evitar, mesmo sendo amigo dos animais. Dei-lhe com o ferro, movimentando o controlador Move com toda a força! Zarpa daqui, farufas! Só não sabia que o dono estava atrás de mim… Daí as consequências das decisões.
O gameplay, na primeira pessoa, incita a apalpadelas em tudo o que tocamos. Controla-se uma mão (não se vê outras partes do corpo além do braço), desvendando um mapa que as árvores revelam espiritualmente, procuram-se objectos necessários para accionar outros, descobrem-se caminhos que levam a outras paranóias. O controlo é débil a dirigir o personagem, tanto na utilização do controlador move ou do DualShock. Experimentei jogar com o comando, que se mostra mais preciso, mas a melhor experiência é com o controlador move, mesmo que haja dificuldades em controlar alguns dos movimentos. Não se passa muito além disto, de um touch and go crazy. Porém, mesmo havendo possibilidade de exploração, o movimento é duro e as escolhas não são à primeira vista fáceis de entender. Jogar uma primeira vez não dá a sensação que há muitas escolhas e, mesmo que datura fosse desenvolvido para ser jogado mais que uma vez pelas escolhas diversas, os movimentos podem travar o jogador após dez minutos.
E se o jogo é feito para não ter qualquer sentido ou terá algum sentido para os mais tresloucados, a música é também, numa parte, erradicada do contexto. Estar numa floresta onde pouco acontece, cria em mim uma sensação de calma e neste caso algum apreço pelo ambiente. Mas porquê uma música com determinação épica? Já se sabe que a experiência ao ingerir Datura pode ser má, na maior parte. Mas assim tanto? Porque não ouço um sussurrar de vento? Porque não ouço as árvores a rangerem? Porque é que o Porco não canta em vez desta música inapropriada na floresta?! No entanto, há determinadas quotas de brilhantismo na maior parte do jogo e que se adequam a este mundo quimérico.
O Melhor: A arte gráfica e alguma exploração, com bifurcadas decisões que podemos experimentar ao jogar mais que uma vez. Música e som bem adaptados, excepto na floresta.
O Pior: Jogo de curta duração. O gameplay débil e bastante preso, tanto com DualShock ou Controlador Move.
Datura é mais uma experiência do que um jogo. Este exclusivo da Sony podia ter sido uma das melhores apostas (quem sabe com Datura 2?), mas conteve-se apenas pela diferença de tudo o que podemos encontrar alguma vez desenvolvido. Não é nenhum país das maravilhas, embora o seu grafismo é relevante e apreciativo. Faltou muito mais por explorar, faltou mais movimentos soltos, mais opções pela exploração. Mais de mais. Faltou encarar mais o mundo do psicadelismo e da inquietude que este veneno que é datura pode realmente facultar. Faltou um final que não leve a pensar WTF? Só isto? Por outro lado, Datura oferece dos melhores cenários, algo que não via desde pequenino, que é a floresta. Mesmo sendo uma experiência curta, vale sempre a pena experimentar. Faltou apenas encontrar o caminho certo para o desenvolvimento do jogo. Infelizmente, Datura é mais veneno na carteira do que droga a pedir mais consumo. “Meh” é a sentença certa.
Datura é um exclusivo PSN