Corre. Come. Reproduz.
É muito comum existirem jogos exclusivos do mercado asiático que nos chamam atenção, mas que infelizmente não são suficientemente comercializáveis para merecerem uma localização. Quando esta acontece, é mais uma vez comum que demore muitos meses, às vezes até um ano ou mais. Tokyo Jungle começa a surpreender logo por aí, pelo facto de em apenas 3 meses termos acesso a um jogo que em Junho nos despertou interesse pela sua premissa invulgar. E a originalidade é algo que cada vez mais sentimos falta.
Tokyo Jungle passa-se num mundo pós-catástrofe, em que apenas restam os animais. Não existem humanos à vista e a acção decorre numa Tóquio destruída e tomada pela natureza. Rachas no betão rebentam de vegetação, apartamentos converteram-se em habitat de diversos animais, bairros residenciais transformaram-se em verdadeiras selvas de prédios tombados e arvoredo selvagem. O mundo encontra-se entregue à bicharada. Bom, como os dias de hoje mas com mais bestas, mais arvoredo, sem água canalizada e contas de luz exorbitantes.
O mundo é completamente renderizado em 3D mas a perspectiva de câmara mantém-se lateral, subindo ocasionalmente para uma posição entre o top-down e o isométrico. O papel do jogador é controlar dezenas de animais numa frenética luta pela sobrevivência. Ao todo são possíveis de desbloquear 52 tipos de animais, sendo que alguns deles apresentam ainda algumas variações entre si, como por exemplo cores diferentes ou sexos opostos. 12 desses animais são apenas desbloqueáveis através da Playstation Store, o que é uma pena porque incluem algumas das espécies mais interessantes do jogo.
Em Tokyo Jungle a jogabilidade é focada sobre dois modos de jogo essenciais: o modo Story, em que seguimos narrativas relacionadas com alguns animais, a estória de cada um deles e a forma como lidaram com a catástrofe; e o modo Survival, onde podemos desbloquear todos os tipos de animais que o jogo oferece.
O jogo está desenhado de forma a que alternemos entre os dois modos de jogo, porque alguns conteúdos são interdependentes. Começamos o modo Story com apenas um capítulo disponível que após terminado desbloqueia 3 itens (arquivos) que podem ser apanhados no modo Survival. Conseguir esses arquivos desbloqueia o próximo capítulo da estória. Estes itens são armazenados num menu específico onde os podemos consultar e que nos oferecem pistas sobre as causas da catástrofe e o destino dos humanos.
E como é sobreviver na selva de Tóquio? O design das mecânicas de jogo é o ponto forte de Tokyo Jungle, pela forma eximia como estão construídas e funcionam entre si. As sessões de jogo em modo Survival são relativamente pequenas e são essencialmente uma corrida contra o tempo. Contra a fome, o envelhecimento e os predadores. Juntarmos a lista de objectivos a tudo isto, torna a experiência ainda mais frenética. O modo Survival é a estrela do jogo, e onde passaremos mais tempo, sozinhos ou na companhia de outro jogador localmente. No interface podemos ver a nossa vida, fome e stamina, um mini-mapa e uma timeline onde podemos visualizar o passar dos anos. Cada animal tem características diferentes e que modificam a forma como jogamos e interagimos com todas as estatísticas que o jogo tem.
Temos ainda à nossa disposição uma lista de objectivos que são accionados consoante o tempo de vida que a nossa linhagem tem. Porque muitos dos animais têm vidas relativamente curtas teremos de nos reproduzir e mudar sucessivamente de geração se queremos acompanhar o passar dos anos e vencer todos os desafios que temos à nossa disposição. Esses desafios são aleatórios em cada sessão de jogo e ajustados ao tipo de animal, ajustamento que se verifica também no tipo de fauna e flora que enfeita a cidade de Tóquio.
Este modo é essencialmente um gigantesco time trial em que a morte espreita a cada esquina. Temos de nos alimentar para não morrer de fome, mas também para subir de ranking (Rookie, Veteran e Boss) e conseguirmos acasalar com um parceiro ou parceira de maior qualidade. E cuidado que escolher a via mais fácil, o parceiro desesperado (a sério, é mesmo o nome real) trás a surpresa desagradável de apanharmos pulgas, que são basicamente um stun aleatório. Por isso fujam se ele ou ela tiverem um ar badalhoco. Quanto maior o ranking do nosso acasalamento, maior é o número de filhotes, que serão o nosso grupo de animais. Como apenas temos uma vida, ter mais animais a seguir-nos é essencial, já que ao morrermos passamos a controlar o nosso “irmão”. É um dos sistemas de vidas mais inteligente de que tenho memória, e um exemplo da mestria do design de jogo que Tokyo Jungle nos oferece.
Os objectivos vão desde consumirmos determinado número de Kcal, a marcar territórios, matar animais ou reproduzir-nos, e são fundamentais na manutenção do ritmo do jogo. À medida que os anos vão passando, a ferocidade dos animais vai também aumentando e o jogo tornando-se cada vez mais desafiante. Jogar com um carnívoro e um herbívoro são duas experiências diferentes, já que uma delas é mais focada sobre a jogabilidade furtiva (com direito a caixote à lá Solid Snake). Jogarmos como um porco-espinho ou uma Galinha obriga-nos a andar mais sorrateiramente, escondidos sob a vegetação, enquanto patrulhar as ruas da cidade com uma Hiena é muito mais descontraído, mas não menos perigoso. Existem sempre animais mais perigosos do que nós (olá velociraptor) e por vezes somos cercados por grupos imensos que se alertam uns aos outros para nos deitar o dente. Às vezes com resultados hilariantes, como o grupo de gatos que me decidiu perseguir. Eu era uma Chita, eles foram comidos.
A dinâmica de interacção entre os animais, o jogador e as mecânicas de jogo é superior. Existem ainda condições climatéricas como chuva, smog, toxicidade e calor, que afectam a nossa sobrevivência ou a visibilidade do mini-mapa. No menu de jogo temos à nossa disposição o mapa geral de todas as zonas, com a indicação da quantidade de comida em cada uma delas, os territórios que nos pertencem e onde existem Eventos, que são acontecimentos aleatórios ou não, e que ocorrem durante a nossa batalha pela sobrevivência. Alguns deles são relevantes para os nosso objectivos, como o aparecimento de um animal, que fazendo parte do nosso desafio, podemos desbloquear; outros completamente loucos como uma batalha entre cães e gatos ou uma invasão de galinhas e pintainhos. Toda e qualquer acção que fazemos, bem como a quantidade de anos que sobrevivemos, oferece-nos Survival Points, que são a moeda de troca para desbloquear animais, comprar itens e destacar-nos em leaderboards.
Tokyo Jungle é um jogo de grande originalidade, e a excelência das mecânicas e a aleatoriedade do modo Survival teriam tudo para nos proporcionar uma experiência de jogo inócua. E no entanto o factor sorte, a repetição e o combate constituem os principais problemas, juntamente com a progressão do modo Story.
O factor aleatório do jogo é a principal fonte de diversidade mas pode também ser responsável por momentos de frustração, que é comum aos jogos em que tudo pode ser deitado a perder em segundos. O jogo é bastante desafiante, porque por detrás de um conceito aparentemente simples se esconde um elemento estratégico surpreendente. É fundamental planear de antemão o que iremos fazer e os caminhos a seguir se queremos cumprir todos os objectivos. Mas por vezes o factor sorte parece estar contra nós, mesmo que joguemos de forma estratégica.
Muitas vezes podemos ficar encurralados entre territórios tóxicos e outros com escassez de comida, com pouca probabilidade de sobrevivência. O facto do mapa de jogo ser sequencial torna estes momentos bastante frustrantes, já que aceder a um território significa percorrer obrigatoriamente os territórios adjacentes, e no caso de as condições atmosféricas e de comida serem nefastas, o resultado é invariavelmente a morte do artista, ou pelo menos o descontrolo em termos de cumprimento de objectivos. Isto porque falhar um objectivo impossibilita alcançar 100% nesta sessão de jogo. Claro que facilmente iniciamos outra, e as aventuras são bastante rápidas porque os anos passam em segundos, mas começamos o jogo sempre na mesma localização, e após a vigésima vez, começa a ficar bastante aborrecido. Começar o jogo em localizações diferentes do mapa seriam uma boa maneira de nos cansar menos. É também virtualmente impossível perceber que territórios estão tóxicos ou não, a não ser que tenhamos memória de elefante e decoremos todos os avisos que o jogo nos atira, porque não existe qualquer indicação disto no mapa.
O sistema de combate button mash também não ajuda, sendo bastante simples e inconsistente. A mecânica de stealth deixa também algo a desejar pela extrema dificuldade em perceber o nosso grau de visibilidade perante os inimigos. Muitas vezes ficamos atordoados com ataques de outros animais e completamente à mercê se tivermos rodeados. A minha pior experiência foi quando levei 5 stuns seguidos de um boss, cada um deles a tirar-me vida, que obviamente me mataram, para meu desespero. Outra vez o meu inimigo limitou-se simplesmente a andar para trás enquanto eu lhe malhava forte e feio. É difícil perceber as rotinas de alguns inimigos, e isso num jogo que é implacável proporciona momentos de atirar o comando contra a parede.
A ideia de desbloquear capítulos do modo Story no modo Survival é boa, mas a forma como isso é feito não é especialmente feliz. A determinada altura, e porque estava bastante interessado em seguir as estórias dos pequenos heróis, decidi dedicar-me a desbloquear os seus capítulos. O processo era o seguinte: escolher a Chita (animal mais rápido de que dispunha) e iniciar o modo Survival. Correr até aos arquivos para os apanhar, sem me preocupar com mais nada que não fosse morrer de fome, apanha-los e deixar-me morrer. Repetir até desbloquear todos. E o problema é que esta é a forma real de aceder a este conteúdo se estivermos interessados em apenas jogar o modo Story, e nesse caso o modo Survival não passa de uma rotina aborrecida que temos de fazer para isso.
Desbloquear os animais também se pode tornar repetitivo. Cada animal está dependente de um objectivo que deve ser alcançado com uma espécie desbloqueada anteriormente. Normalmente envolve realizar alguns objectivos e depois interagir com o novo animal. Mais uma vez, podemos simplesmente realizar estas “tarefas”, deixar-nos morrer e desbloquear os animais no menu de selecção. Mas pelo menos este modo de jogar exige um pouco mais do jogador.
Tokyo Jungle é um jogo que cansa se jogado durante horas a fio, porque a repetição e o tédio podem instalar-se, e ainda assim é difícil não voltar a ele depois de desligarmos a consola. Visualmente não é nada de extraordinário, com alguns problemas aqui e ali, mas toda a ambiência do jogo é atractiva, com ciclo de dia e noite, alterações climatéricas e algumas zonas que se destacam como o Jardim Zoológico ou os esgotos. Apesar da acção se passar na cidade, facilmente localizamos a zona onde nos encontramos porque a maioria delas é bastante distinta.
O design da área de jogo é elegante tendo em conta a continuidade do mapa, que é o único aspecto menos conseguido pela limitação dos graus de liberdade em termos de exploração, e principalmente quando necessitamos de soluções de manobralidade em ocasiões de mais aflição. Mas apesar disto, a elegância vem pelos diferentes percursos que cada uma das áreas tem, e que acaba por trazer uma flexibilidade em termos de caminhos jogáveis que não é evidente à primeira vista. Caminhos subterrâneos, por cima de prédios ou toldos de lojas, dentro de apartamentos, comboios ou lianas entre prédios, os nossos animais têm um sem número de opções para se deslocarem e evitarem o perigo, sejam carnívoros ou herbívoros.
Os Survival Points podem ainda ser usados para comprar roupas, ouviram bem. O objectivo destes itens é de aumentar as estatísticas do nosso animal, como o ataque, defesa ou velocidade, por meio de coleiras, chapéus ou sapatos. Mas já perceberam que isto é muito contraditório à estética de vida selvagem que o jogo tão bem implementa, e muitas vezes me senti ridículo pelo meu porco andar de chapéu de palha, coleira com picos e camisola Hip-Hop…
Outros itens consumíveis podem ser utilizados e constituem uma maneira formidável de equilibrar a balança para o nosso lado, ajustando a dificuldade que o jogo apresenta. Itens como champô para as pulgas, comida enlatada, medicamentos ou garrafas de água engarrafada. Não é necessário dizer que que não colam com a estética, mas no fundo não interferem com o flow do jogo, e são muito bem vindos.
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O melhor: Mecânicas de jogo de design elegante e consistente. História e conceito muito original. Ideal para sessões de jogo curtas e desafiantes. Dezenas de animais para desbloquear. Predadores e herbívoros proporcionam duas formas de jogar que se complementam.
O pior: Combate simples e inconsistente. Mecânica de furtividade frustrante. Torna-se repetitivo após longos períodos de jogo. Desbloquear o modo Story é uma tarefa aborrecida e desnecessária. Informação dos objectivos e toxicidade deviam de ser mais imediatas.
Não tenho dificuldade em recomendar Tokyo Jungle. É um jogo de grande originalidade, com um componente time-trial atractivo o suficiente para agradar mesmo a quem não gosta de tempos limite, e que oferece ao mesmo tempo uma jogabilidade surpreendentemente estratégica na gestão dos objectivos. Idealmente deve ser jogado em sessões curtas porque a sua jogabilidade é algo repetitiva, mas com uma grande quantidade de animais para desbloquear, apesar das diferenças serem estéticas na maior parte das vezes. O combate pode ser frustrante em ocasiões e realizar todos os desafios é bastante difícil, e com alguma sorte à mistura. Mas apesar dos seus defeitos, Tokyo Jungle é uma experiência única com mecânicas de jogo muito bem desenhadas. E isso, faz-nos falta.
(Exclusivo Playstation Network)