A quantidade de horas que passamos a jogar um título é muitas vezes considerada como factor a ter em conta quando a sua qualidade é avaliada. Quantas vezes não lemos que determinado jogo é bom, mas é curto? Mais raros são os casos em que ser demasiado longo é um factor negativo, e ainda assim toda a questão é mais complexa do que parece à partida. Ao discutirmos a qualidade de Dishonored no Rubber Chicken, o Miguel Nogueira afirmou que por vezes parava simplesmente para admirar os cenários de jogo e a sua atmosfera. Até que ponto a longevidade não é algo demasiado pessoal para que possa ser considerado como factor qualitativo numa experiência de jogo?

 

A minha é maior que a tua.

É fácil de aceitar que as milhas que tiramos de um jogo dependem de quem o joga. Na maior parte dos jogos, o tempo que passamos a jogar depende do nosso interesse pessoal, e principalmente da forma como o fazemos. Ainda em Dishonored, menos de 10 horas se entrarmos a matar, varias dezenas de horas se quisermos ser o mais silenciosos possível. Se tivermos um jogo possível de terminar em duas ou em doze horas, a sua longevidade é importante? Parece-me que mais do que a quantidade da experiência, é a sua qualidade que deve ser tida em conta. Isto porque aquilo que eu tiro de um jogo é algo de muito pessoal.

Turismo Steampunk.

 

Se o highscore sempre foi algo que motivou os jogadores a investirem horas num jogo, actualmente parece que a longevidade se misturou com o tempo dedicado, horas que servem um estatuto procurado por alguns jogadores. Jogador de FPS que se preze tem de ter pelo menos 600 horas de jogo online, senão é um menino. Porque a nossa qualidade é directamente proporcional a capacidade de mastigar o mesmo conteúdo durante dias a fio. Ou então deixamos a consola ligada durante o dia…

 

Agora com mais de tudo, e mais do mesmo.

Esta questão leva-nos a outro tipo de longevidade, muito comum aos shooters da actualidade. A sua qualidade acaba por ser avaliada consoante o número de opções de que dispõem. Inicialmente avaliados pela qualidade da sua campanha, a longevidade desta passou para segundo plano. O que interessa agora é a quantidade de opções multijogador: mapas disponíveis, armas, veículos, o grau de customização do personagem e jogo, ligação às redes sociais, sistemas de progressão e classificatórias ou estatísticas de combate. Avaliar um FPS pela sua longevidade é cada vez mais algo complexo, porque aquilo que cada jogador retira da experiência é diferente, tão idiossincrático como o se grau de investimento motivação.

Vejamos o exemplo inverso de Battlefield 3. Um jogo exclusivamente dedicado ao modo multijogador, sentiu a necessidade de encher a chouriça do gameplay com uma campanha singleplayer que era claramente dispensável. Tendo em conta que a maioria dos seus jogadores alvo quer apenas o excelente modo multijogador, porquê correr o risco de uma avaliação menos positiva com uma campanha de qualidade questionável, um problema que é comum aos típicos concorrentes a modern shooter do ano.

Quase 6 millões de anos de jogo contabilizados desde 2004.

 

Mas este exemplo leva-nos à questão da repetição de conteúdos, ou antes, da quantidade vs qualidade. Mais horas de jogo podem significar simplesmente repetição e isso raramente é algo de positivo. A lógica do «se conduzir um helicóptero uma vez é fixe, então 5x vai ser cinco vezes mais fixe» não pega, nem nunca pegou. E se isto é por demais evidente nos shooters, é infelizmente comum a quase todos os jogos. Se não vejamos o típico RPG. Quantas vezes é que já jogamos o mesmo jogo e até a mesma história? Manter um jogo como World of Warcraft fresco é uma tarefa quase impossível, com cerca de 5.9 milhões de anos de jogo contabilizados entre todos os jogadores – comparemos este número com a idade de um dos fósseis mais antigos associados à linhagem dos hominídeos, 7 millhões de anos; ou um jogo de plataformas, quantas moedas anéis cristais são precisas mais apanhar até pousarmos o comando e irmos ler antes um livro; ou nos jogos de desporto, bom, nem preciso de explicar em que medida temos repetição aqui.

 

Acabou a estória, acabou o jogo.

Claro que muitas vezes a não existência de repetição reduziria a experiência em muitas horas, e ninguém gosta de uma campanha curta. Mas qual a quantidade certa de horas que um jogo deve ter. Na minha opinião, a quantidade certa de horas são aquelas que eu quero dedicar a esse jogo, com repetição ou não. Existem excepções, jogos em que a sua dimensão é claramente reduzida, mas ainda assim é sempre relativo à experiência de jogabilidade que oferecem. E mesmo assim podemos sempre colocar as coisas em perspectiva. Dear Esther foi criticado por ser um “não-jogo”, e pela sua longevidade ser na ordem dos 60 minutos. Podemos chegar ao fim do jogo em menos tempo, garanto-vos.

Mas pensemos agora que pagamos cerca de 7 euros para estar numa sala de cinema durante mais 30 minutos, com um bocado de plástico enterrado nos olhos; durante 90 minutos tentamos convencer-nos de que o efeito 3D está a tornar a experiência melhor e a justificar o dinheiro que nos saiu do bolso, e que a dor de cabeça é fruto de ainda não termos bebido um café; e que maravilhoso é estarmos a partilhar esta experiência com algumas dezenas de pessoas, mas principalmente com aquele casal ali ao lado que não para de fazer comentários estúpidos acerca do filme e aquele grupo à nossa frente que descobriu que o cinema é o sitio ideal para fazer reuniões. No fundo, é o que tiramos das experiências que justifica, mais uma vez, o nosso investimento.

Sem óculos? What sorcery is this?

 

Antigamente o tempo passava mais devagar.

Na época das 16-bits, em que eu sendo um miúdo não podia comprar jogos a meu belo prazer, os títulos novos que tinha anualmente contavam-se pelos dedos. Isto levava a que cada jogo fosse explorado até à exaustão. A dificuldade dos títulos também era maior, e a qualidade das mecânicas e controlos também variável e provavelmente bem pior do que os dias de hoje. Os jogos eram mais difíceis, demoravam mais tempo a ser jogados e eram menos frequentes. A questão da longevidade não fazia sentido, porque simplesmente não tínhamos mais nada para jogar. Felizmente agora não temos falta de títulos, tantas são as fontes de jogo que qualquer pessoa com acesso à internet tem a sua disposição. Isto levou a que o grau de atenção sobre um jogo seja menor, pela enorme diversidade de experiências; levou também a julgamentos apressados acerca das qualidades ou defeitos dos jogos. Se não prende a nossa atenção na primeira hora, é um mau jogo. Relembremos que no século passado a experiência era muitas vezes inversa, porque sabíamos sempre que o melhor ainda estava para vir, quanto mais jogávamos, melhor o jogo se tornava.

 

Longevidade sim, mas com envolvencia.

Avaliar um jogo é sempre subjectivo. É difícil nos libertarmos de expectativas, de opiniões pessoais e existem jogos de que simplesmente não gostamos. Mas a longevidade é algo que deve ser avaliado em conjunto com a estrutura de jogabilidade de um título e usada com parcimónia como factor de análise. Uma campanha curta não é um factor negativo, e um experiência de jogo longa não é sinónimo de qualidade . Não existe um número mágico de horas para que a longevidade seja óptima. Joguei mais de 100 horas Skyrim e a capacidade do jogo me envolver fez-me esquecer do facto de estar essencialmente a fazer a mesma coisa repetidamente, e de que as mecânicas de jogo que apresenta são no fundo muito básicas, e algumas até deficitárias (e.g. o combate corpo-a-corpo).

Vês filha? Vai nascer uma estrela.

 

Mais do que o número de horas da campanha, o número de troféus que posso desbloquear, o número de níveis a alcançar ou até mesmo a sua diversão, é a capacidade que um jogo tem de nos envolver na experiência que atesta à sua qualidade global. Envolver através das suas mecânicas e design, seja a fazer algo de único como embrulhar o mundo numa bola de entulho para criar uma estrela (Katamari Damacy) ou algo repetitivo como matar harpias para subir de nível (Guild Wars 2).

Outros jogadores gostam simplesmente de olhar para o mundo a seu redor e apreciar a sua beleza. E para as paredes dos edifícios, quando elas são mesmo, mesmo bonitas.

O que é sempre fonte de maior longevidade, obviamente.