À moda antiga.
Existem mecânicas de jogo clássicas que resistem ao estado de exaustão que é comum no sobre-uso. A batalha deathmatch entre duas equipas num FPS remonta aos primórdios do género, e apesar das imensas variações que se amontoaram e desenvolveram ao longo de uma vintena de anos, continuam a ser o modo mais simples e requisitado pelos aficionados.
Dizer que Primal Carnage é na sua essência um jogo de Team Deathmatch clássico, é redundante, tendo em conta de que é o único modo que neste momento oferece, com a sua jogabilidade exclusiva a este campo. O combate com dinossauros é a permissa do jogo, da mesma forma que os zombies têm sido, e proliferado nos últimos anos. E se a temática do combate ao zombie nunca teve tão em voga (correndo o risco da banalidade, se é que já não atingiu esse estatuto), podemos afirmar de igual modo que os Dinossauros podem ser os próximos Zombies.
Primal Carnage é o sonho molhado de qualquer fã dos répteis gigantes, e provavelmente o jogo que muitos de nós esperávamos há muito tempo. Há qualquer coisa de terrivelmente atractivo nestes espécimes extintos, a certeza de que em tempos criaturas deste calibre andaram por aqui e que, por um acaso do universo, nos deixaram a herança da Terra, pelo menos no Reino Animal.
Mas no jogo da Lukewarm Media este deslumbramento pouco importa. O importante é mesmo encontrar a melhor forma de os aniquilar, com extremo prejuízo. E melhor do que isso, vestir a pela de um deles e caçar humanos. Primal Carnage é simplesmente isto: humanos vs dinos.
Ao todo temos à nossa disposição 10 classes, entre humanos e dinossauros. Como seria de esperar, a dinâmica é diferente entre grupos, mas mais importante que isto, diferente entre cada uma dessas classes. Este é um dos pontos fortes de Primal Carnage: a variação que oferece em termos de habilidades de cada classe permite que abordemos o desafio de diferentes formas. A mecânica do FPS clássico soma pontos no departamento estratégico, com jogos como Team Fortress 2 e Left4Dead a piscar o olho. E que bonitos olhos que eles têm.
Os dinossauros oferecem uma forma de jogar com mais incidência sobre o eixo furtivo da jogabilidade, com a excepção do T-Rex. É mais difícil ser sorrateiro quando pesamos 7 toneladas de pura mandíbula. Claro que a furtividade é sempre opcional quando patrulhamos os luxuriosos cenários que compõe os mapas de jogo, especialmente se andarmos em grupo ou quando a acção se torna mais caótica. As áreas de combate oferecem selvas, estruturas civis e militares, com grande aprumo e vegetação densa. Esconder no meio da selva, enquanto vigiamos um jogador insuspeito à espera do ataque surpresa, é sempre fonte de excitação e gozo tremendos.
Desta feita, controlar um humano pela selva a dentro é uma experiência de ranger os dentes, e dos melhores momentos do jogo. Vermos um Novaraptor a esgueirar-se pelo canto do olho, sermos colhidos por um Tyrannosaurus surpresa ou raptados por um Pteranodon, para indefesos sermos largados a vários metros de altura, são pontos altos de qualquer sessão.
Consegue ser gratificante não só no âmago da experiência shooter, mas também ao nível da tensão e momentos in-you-face que proporciona. E é também um dos factores que salva o jogo de ser considerado um clone, ou de oferecer uma dinâmica de simples mod. Primal Carnage é simplesmente divertido de jogar.
Em qualquer dos grupos em jogo, as classes acabam por se complementar. Do lado dos Mercenários, o Commando oferece uma abordagem mais directa sobre os dinossauros, com maior poder de fogo; o Pathfinder no combate a curta distância, com um flare que cega os dinossauros; a Scientist é a sniper de serviço; o Trapper com o auxilio de um lançador de redes, permite liquidar os inimigos com uma facada única, após terem sido presos; e finalmente o Pyromaniac, que para além de lançar granadas, ostenta o único lança-chamas com uma baioneta moto-serra de que tenho memória. Leram bem.
No fundo, cada classe obriga a uma abordagem diferente que é complementar às outras, o que significa que a jogabilidade ganha maior frescura pela variedade que oferece. Todas as dinâmicas são satisfatórias de jogar, e é compreensível que alternemos entre elas no decorrer de um round de jogo, não só pelas necessidades da equipa, como também por factores como o mapa e a organização da equipa dos dinos.
As classes de dinossauros são também elas muito diferentes entre si, cada uma com dois ataques base e alguns modificadores como o sprint, a capacidade de voar ou o rugido. Cada rugido opera como um buff, um modificador que pode afectar tanto o próprio jogador como toda a equipa.
Um toque bastante inteligente, é a presença pelo nível de caixas de munições e vida para os humanos, e cadáveres de dinossauros para a equipa dos répteis. Um elemento de gestão estratégica que é bem vindo, trazendo uma mudança de ritmo no jogo quando deixamos de nos focar na ofensiva para procurar mantimentos sem sermos aniquilados.
Se o controlo dos Mercenários é típico de um qualquer FPS, no caso dos dinossauros as coisas podem ser um pouco mais complicadas. A perspectiva de terceira pessoa, apesar de nos oferecer uma visão muito mais abrangente do cenário (e dos excelentes modelos que os dinos apresentam), requer alguma habituação e ajustamento de perspectiva. Também o controlo dos dinossauros é mais caprichoso, mas o problema é a dificuldade que temos em perceber se acertámos ou não um ataque. Pouca informação visual temos para além da confirmação de kill, e no meio da confusão que muita vezes se instala, este facto pode ser frustrante e causar mortes prematuras ou descontrolo do personagem. Também os efeitos de cada rugido são pouco óbvios, já que visualmente não existe nenhuma informação no HUD para além da disponibilidade ou não do rugir.
A simplicidade do jogo em termos de interface não é por si um factor negativo, mas a falta de informação em termos do que se passa no ecrã pode ser problemática. Isto é mais premente ao nível dos pequenos índices visuais a que nos fomos habituando ao longo dos anos de shooters, como hitmarkers, no caso de acertarmos em alguém, ou quando queremos usar uma habilidade como o salto do Novaraptor.
O principal problema de Primal Carnage é a sua escassez de conteúdo. O modo deathmatch trás milhas ao jogo, mas até um certo ponto, e a longevidade depende muito do nosso interesse na temática, e na forma como as classes jogam. A Lukewarm tem DLCs gratuitos planeados, que irão oferecer mais mapas (neste momento são apenas cinco), dinossauros NPC pelo mapa e novos modos de jogo, como Get to the Choppa, onde teremos de percorrer uma área para sair do nível sem sermos devorados por dinossauros. Familiar, não?
Como experiência multijogador moderna, Primal Carnage fica muitos ponto abaixo dos seus pares, com a ausência de features como progressão de personagem, de habilidades ou armas, leaderboards persistentes e desenvolvimento enquanto jogador que não seja a mestria de cada uma das classes. O que é pena porque existe muito potencial na fórmula que a Lukewarm decidiu abraçar, que infelizmente deixa muito a desejar em termos de longevidade e recompensa pelo nosso investimento. Este problema é já visível com o reduzido número de jogadores presentes nos seus servers, pese embora o facto de nunca ter tido problemas em encontrar uma sessão com pelo menos 15 jogadores, nunca sentindo que o jogo estivesse vazio. A acção frenética e a qualidade dos mapas garante que as sessões sejam divertidas mesmo com menos jogadores.
O melhor: o balanceamento das classes; cada classe tem uma forma específica de jogar que oferece variedade e complementa as outras; os ambientes são fantásticos; proporciona momentos de tensão genuína, enquanto percorremos a densa vegetação com dinossauros à espreita; é muito divertido de jogar.
O pior: apenas um modo de jogo; ausência de progressão ou sistema de desbloqueáveis; pouca recompensa pelo nosso investimento leva a que o jogo possa cansar ao fim de um tempo; ausência de hitmarkers funcionais.
Primal Carnage oferece um sistema de classes muito bem implementado, que não só se complementam entre si, como têm um papel específico dentro da equipa. Pega na premissa dos humanos vs dinossauros e consegue em grande medida oferecer uma experiência de deathmatch muito própria, com acção frenética, mas também momentos de tensão e jogabilidade estratégica. É simplesmente divertido de jogar. Infelizmente este potencial corre o risco de ser deitado a perder pela escassez de conteúdo que oferece, estando a sua longevidade dependente do interesse dos jogadores na temática do jogo, no modo deathmach que oferece e principalmente na celeridade da chegada de novos conteúdos gratuitos. Por outro lado, não é em qualquer jogo que tentamos derrotar um T-Rex usando um lança-chamas com moto-serra acoplada. E falhar miseravelmente, mas com estilo.
(Disponível para PC)