Preparem-se para o que se vai seguir. Hordas e multidões de jogadores vão invadir os fóruns em fúria e só não os vão colocar a arder porque isso é fisicamente impossível. Mas todo o flame, revolta e trolling vão estar à disposição e em uso total e garanto-vos que vão ser utilizados. Os mais dramáticos vão até gritar que isto é o fim do mundo. Em cuecas. Qual a razão de tamanha indignação?
Ontem foram entregues os Video Game Awards, os óscares dos videojogos que todos afirmam não ligar mas que todos comentam os vencedores durante semanas a fio e para a surpresa de muitas pessoas, embora os mais atentos já o esperassem, The Walking Dead e Journey arrecadaram o maior número de prémios com a adaptação da série a conquistar o título de jogo do ano.
Isto é, pela primeira vez na história dos VGA’s, os prémios principais vão para títulos de download muito próximos do conceito de independentes. A revolta por nomes gigantes como Assassin’s Creed III, Mass Effect 3, Diablo III, Max Payne 3 ou Black Ops 3, perdão, II, não ganharem já atravessa todas as redes sociais. Alegam a dimensão, a direcções artísticas visualmente impressionantes, as horas e horas de jogo que proporcionam os AAA, ao contrário dos vencedores que proporcionam poucas horas de jogabilidade.

Uma das novidades do novo Assassins Creed III é podermos saltar de lugares altos para fardos de palha.
Deixem-me lançar uma acha para a fogueira e criticar também eu todos os críticos que acham que jogos como Journey não merecem ganhar: vocês não percebem suficientemente de jogos. Venha de lá essa trollada e indignação, mas vocês não jogaram anos suficientes. Se o tivessem feito, saberiam que todos esses grandes títulos de 2012 nada de novo trouxeram para o mercado. Aumentaram a dimensão, introduziram mais duas dezenas de quests secundárias, conseguiram gráficos mais avançados, tentaram narrativas com mais horas de diálogo e com tudo isto conseguiram ainda mais duas coisas: ser cada vez mais aborrecidos e previsíveis. Desde o primeiro Black Ops que não consigo chegar ao final de uma campanha de Modern Warfare. O tédio instala-se e há muitos jogos e pouco tempo para jogar.
Este ano assistimos a um número enorme de produtoras não só a abandonar propriedades por estas não resultarem nas vendas esperadas como também a estúdios a fecharem depois de produzirem bons jogos. Este ano na E3, 90% dos grandes lançamentos foram sequelas ou séries. Num momento em que a experiência do jogo de 79 cêntimos ameaça a existência de uma próxima geração de consolas é preocupante observar que as produtoras não querem arriscar. Eu, sinceramente, não as condeno, têm ordenados para pagar e a julgar por toda a discussão dos fãs, ou o jogo atinge os 60fps, mais locais, mais mapas, mais personagens, mais detalhe e mais não sei o quê do que o anterior ou vai ser arrasado nos fóruns. Dishonored é o exemplo de um estilo de jogo que surpreendeu tudo e todos quando apareceu pela novidade e pela diferença. Caros amigos, deixem-me contar-vos um segredo: há 20 anos atrás, eram tudo “Dishonoreds”. Analisem a história dos jogos só durante os anos 90 e vão perceber a quantidade de ideias novas que eram lançadas por ano, a quantidade de mecânicas diferentes nunca vistas, ou a quantidade de experiências de jogo surpreendentes. Quando Dishonored é uma surpresa tão grande, quando ficamos loucos com Watch_Dogs na E3 porque pelo menos um jogo é surpreendente, é a nossa indústria e o nosso e o vosso futuro como jogadores que está em risco.

O novo Mass Effect 3 permite desta vez criar relações sociais que conduzem no final a uma pequena sequência de sexo.
The Walking Dead e Journey são o regresso a um estilo de jogo que pelo orçamento mais baixo pode arriscar. Arriscar em formas de jogo inovadoras, em narrativas arriscadas e, principalmente, arriscar muito visualmente e emocionalmente. Tanto um como o outro jogo foram duas das experiências emocionais mais enriquecedoras deste ano e, caso os videojogos tenham que evoluir, ambos nos dão pistas muito concretas dos caminhos para onde essa evolução pode ser feita. A estes juntam-se Papo & Yo, Dyad, Fez, Hotline Miami, Little Inferno, Resonance, Unfinished Swan, Mark of the Ninja, Dust an Elysian Tale, FTL, Waking Mars, Botanicula, Lone Survivor, e muitos outros. 2012 foi um dos melhores anos de sempre para os jogos, porque os independentes conseguem o destaque e as vendas necessárias para despoletarem de todos os lados, promovendo a inovação e a criatividade. Quem tem estado atento anda excitado com o que anda a jogar.
A sensação de jogar algo nunca antes experimentado está de volta. Ao Steam, à PlayStation Network, à Xbox Live e à eShop entre outras. Por essa razão, dois dos melhores jogos que chegaram a esses canais de distribuição venceram tudo o resto e chegaram aos lugares cimeiros dos prémios mais cobiçados. Porque mesmo com as suas histórias pequenas fizeram mais pela história dos videojogos que todas as sequelas deste ano juntas.
Por isso, estrebuchem à vontade. Esperneiem, chorem, façam birra. Mas estes prémios podem ser a salvação de um indústria asfixiada por títulos descartáveis e experiências repletas de micro-transações. Podem ser a forma de continuarmos a ter jogos como Dishonored, Kingdoms of Amalur ou até mesmo Dark Souls no futuro, em vez do número 4, o número 7 e o número 12 da nossa série conhecida. E agora vou até ao Steam, ver o que o futuro nos reservou hoje.
Comments (2)
Bem dito :) O único mercado que ainda me excita como antes é o dos jogos independentes. Não que sejam todos bons, mas quebram barreiras constantemente. Só para dar um exemplo, que nem sequer é sobre jogos inovadores mas sim jogos que não têm medo de misturar géneros ou expandir-se sem medo de deadlines, budgets ou grupos de foco, adorei o Terraria no ano passado, e fiquei boquiaberto este ano quando descobri que estava em desenvolvimento o Starbound, que, apenas 1 ano depois, já faz 10x o que Terraria fazia. Isto já é mais que a série inteira de Assassin’s Creed fez. Voltei a ter 10 anos xD
Estes premios pouco irão fazer para mudar a realidade deste industria. De um lado temos os jogos de 89 centimos na sua grande maioria fracos e para casual gamers, do outro lado as super mega produções para apaziguar as hordes. Os videojogos como entretenimento estão totalmente massificados e sao feitos para agradar ao grosso da população. Uma coisa é jogar packman aos 6 anos nas arcadas e viver a evolução gradual da industria, tem-se uma sensibilidade diferente da massa que representa a maioria dos jogadores da actualidade. As comedias a preto e branco ate podem ganhar os oscares, mas no final do dia o que a maioria da malta quer ver são os filmes do Michael Bay. Felizmente isso nao os impede de ganhar os VGA, e quando existe esse reconhecimento sera proavevel que pelo menos uma minoria acredite que vale a pena enveredar pela diferença. Mas tenho serias duvidas que isso mude o panorama actual.