Loucos. Todos eles.

Mas eu não quero estar entre pessoas loucas, observou Alice.
Oh, nao podes evitar isso, disse o gato. Aqui somos todos loucos. Eu sou louco. Tu és louca.
Como sabes que sou louca? Disse Alice.
Tens de ser, disse o gato, senão não estarias aqui.

Esta é uma citação do livro de Lewis Carroll, um livro adaptado para crianças, mas que no seu interior se oculta uma vivência psicadélica e em parte sombria. Uma descrição do que podemos encontrar nos quatro pontos cardeais de uma imensa área desconhecida e foragida da civilização. De uma ilha tropical que esconde locais sombrios e majestosos, locais esquecidos pelo tempo e escondidos por contos e fábulas.

Welcome to the Jungle!

Welcome to the Jungle!

 

Encontramos neste mundo aberto, afastado de tudo o que possamos conhecer e que alguma vez sonhámos conhecer, pessoas que transcendem da vivência deste local magnificente. Perigoso pelas tribos e organizações que a habitam, assustador pelas criaturas que pisam o solo e alimentam o ar com sons estranhos e grunhidos ameaçadores. Há uma vasta vida animal, racionais e irracionais, loucos e bestas, inocentes massacrados em massa e simples roedores de vegetação. Às vezes, não se sabe a causa do aparecimento de vários corpos ensanguentados e caídos por terra. Poderia ser pelos piratas que habitam a ilha, poderia ser pelas mandíbulas do imponente crocodilo que ataca nas extremidades dos rios, ou do Varanus Komodoensis, vulgo Dragão de Komodo, que caça em grupo com uma força rastejante impressionante.

Há vida nesta ilha tropical – Rook Island. Tudo se demonstra parte do ecossistema. Havendo predadores e havendo presas, a selva é o palco perfeito nesta luta pela sobrevivência. E como os animais, também os homens dedicam-se à acção furtiva pela lei do mais forte e do mais astuto. Nesta selva, há tudo o que é necessário para nos tornarmos o rei da selva, o maior predador, uma lenda.

Os criadores de Far Cry 3 não se pouparam a detalhes como aconteceu com o antecessor da série. A cada virar de esquina há algo para explorar; deslumbrar uma vista que, a partir das torres que escalamos, acedemos a mais uma parte do mapa; acidentes que ocorrem sem estarmos envolvidos; Tigres que ao longe atacam o seu jantar; Estradas de terra e mato percorridos por muitos veículos que se atiram de uma Falésia, onde se sente a maior sensação de liberdade e vertigem. Sim, se sentirem esta sensação, é porque vão percorrer algumas centenas de metros até ao chão e morrer. Se não se atirarem antes ao chão, claro, rebolando na mesma terra e, quem sabe, depararem-se de frente com uma gruta inexplorada. Algumas escondem artefactos antigos, local onde as serpentes gostam de se abrigar e atirarem-se aos braços das ameaças.

Sério?!

Sério?!

 

Onde vais? Perguntou o gato.
Que caminho devo seguir? Perguntou Alice
Isso depende de onde estás a ir, disse o Gato.

Eu não sei, retorquiu Alice.
Então não importa que caminho vais seguir. Concluiu o Felino.

Não importa que caminho seguir, mas há um destino a cumprir. Vass, um louco entre os loucos, assassina o irmão de Jason Brody, o protagonista, dando a partida para uma caça sem precedentes. Jason corrompe-se pela raiva e sentido de vingança com a morte do irmão e une-se aos Rakyat, uma tribo que irá guiá-lo a descobrir o guerreiro interior em busca dos amigos raptados e vingar-se pela sua perda. Jason é um jovem que começa a demonstrar grande ressentimento em matar, mas vai tornar-se um predador nato e feroz, não só pelas armas de fogo, mas muito pela sua faca e sentidos alterados que as plantas e a junção destas lhe vão conferir. Com emboscadas ou artilharia pesada, haverá vários tratamentos especiais para os que habitam a ilha paradisíaca. Desde o aproveitamento em libertar animais ferozes de jaulas, ao atirar uma pedra para distrair ou atrair a presa. Pensemos em presas, não em humanos. Pensemos em personagens que parecem reais e não em simples personagens de um jogo. Todos parecem vivos e conscientes.

Loucos, Perturbados, Adictos em drogas, Mercenários, Mulheres perigosas, há um pouco de tudo. A jornada de Jason vai impressionar o mais céptico, trazendo as histórias de Lewis Carroll ao mais alto nível. Não propriamente pela fantasia, mas pelo psicadelismo e sombria vivência de encontros com os mais avariados da mente. Dr. Earnhardt, por exemplo, especialista em fungos e drogas naturais, merece destaque ao lado de tantos outros actores. São agressivos, emotivos, com personalidade e carácter único como nunca presenciei, fazendo deste jogo uma experiência cinematográfica que não se pode simplesmente deixar evadir.

Toma lá isso e vais ver a berdoada!

Toma lá isso e vais ver a berdoada!

 

Aviso-te já, se perco o meu humor, perdes a cabeça. Entendido? – Rainha de Copas

Não é para menos com o que acontece com Jason Brody. À medida que se liga cada vez mais aos Rakyat; explora a vegetação; encontra artefactos; corta o ventre dos animais para ficar com as peles, e progressivamente conseguir melhor armamento; a árvore de Skills continua a crescer e a formar uma tattoo no seu braço. É a marca do guerreiro: o Tatau, que determina o próprio guerreiro de acordo com a sua forma e desenho. Aos poucos, Jason começa a tornar-se num temível predador, mas vai deparar-se com Vass, líder dos piratas, e o seu chefe Hoyt. Inteligente, Milionário, Influente, Louco! Em parte, a aventura é tentar saber quem vai cortar a cabeça a quem. Far Cry tem momentos épicos, inesquecíveis, carismáticos e transportam o jogador para um mundo liberto, sem barreiras. Tudo pode acontecer no sentido de ser imprevisível, de cortar a respiração, e de entrar na pele de Jason com a mesma vontade de vingança. Algo se entranha no nosso coração, porque vive-se momentos de grande imponência.

Eu avisei-te...

Eu avisei-te…

 

Esqueçam o que conhecem de Far Cry 2. Além de desbravar com explosivos algumas áreas, em Far Cry 3 podem fazê-lo com tudo o que é consumível. C4, setas com fogo, Flame-thrower, Molotovs, granadas. Estejam à vontade para queimar tudo e todos, mas atenção com os acidentes nas bases. Estas áreas conseguem-se após eliminar piratas que se encontram nesses pequenos spots ou aldeamentos, com ajuda do Rakyat. Conquistando as bases, servirá como pontos de referência para venda e compra de armamento, desbloquear missões e, mais importante, fast-travel.

Far cry 3 traz consigo co-op a 4 jogadores, com uma side-story própria. Um modo divertido, especialmente projectado para quatro jogadores, mas que também resulta com dois. Estarem quatro pode facilitar a vida a todos pela protecção enquanto uns transportam bombas, por exemplo. Mas, por experiência, às vezes mais vale dois do que mais e mal acompanhados. Isto porque quando um colega cai, há possibilidade em reanimar num tempo determinado. Se estivermos com fracos jogadores (não que sejam más companhias), podem colocar em causa o sucesso e a progressão da missão. Não é um mundo aberto como na campanha a solo, ficando-se pela progressão ramificada. Esperem diversão e menos embrenho, principalmente se guiarem Jason Brody pela selva antes de jogar em co-op. Também há um downgrade no visual que só em campanha se consegue perceber a diferença, seja online ou offline, mas não deixa de permitir diversão seja por estratégia de grupo, modo competitivo em determinadas fases ou simplesmente testar quem mata mais piratas.

Far Cry 3 co-op

– Meu! – Não, Meu! – Meu! – Ah, foi Meu.

 

O Multiplayer é pouco mais igual a muitos outros,  tirando o factor ambiente e mapas, alguns confusos e repleto de gamers que não darão muitas tréguas para os mais novatos. Por norma, acaba por ser desafiante pela capacidade de acção rápida e cuidadosa nos locais por onde andamos, com mapas elaborados para tácticas de embuste. Mas não se consegue ter tantas oportunidades de diferentes processos de kills como em single player ou mesmo em co-op.

O melhor: Mundo aberto para exploração; Os actores; O sistema de Skills; A acção imprevisível; Bem, quase tudo.

O pior: Multiplayer e co-op estarem fora do sistema de open-world, mas mesmo assim divertido.

Não importa que caminho seguir. Somos livres em explorar neste mundo aberto que, perdoem a comparação, só a Bethesda consegue. Mas a Ubisoft soube ir mais longe, criando o mais arrojado ambiente sombrio e transcendente, com actores escolhidos a dedo. Uma lufada de ar fresco neste estilo first-person Shooter de mundo aberto. Mas é muito mais que shooter e exploração. É acima de tudo viver numa outra vida, com ligações imprevisíveis e apresentações caricatas. Far Cry 3 é por si só uma descoberta que fará todos tremer, assustar, enraivecer, afectar emocionalmente, espantar. Se Lewis Carroll fosse vivo, ele próprio ficaria espantado. Por isso, não percam tempo e vão buscá-lo.

O tempo! O tempo! Quem tem o tempo? Disse o Coelho.

 

Analisado em PS3. Também disponível para Xbox 360 e PC