E se um desconhecido lhe oferecer um puzzle?

As férias de Verão da minha infância foram sempre acompanhadas por livros de passatempos onde, acompanhado pela preguiça do sol quente, a minha escolha recaia sempre nas sopas de letras, labirintos, cruzadas inglesas ou descubra as diferenças. Porém, num certo ano do qual já não me recordo, comprei provavelmente por engano um livro com desafios de lógica. Quando afastei a areia da toalha, preparei o lápis e abri o livro descontraidamente tive um choque: as instruções para cada puzzle eram quase uma página inteira. Após as primeiras tentativas, a minha primeira reacção foi abandonar o livro. Porém ele insistiu, chamando por mim de uma prateleira ou gaveta numa estranha espécie de magnetismo. Devo ter demorado mais de 2 anos a terminar os seus passatempos e, para mim, aquele tomo será sempre lembrado com um misto de amor e ódio. Essa é a minha relação com Professor Layton.

Coitado, deve apanhar tanto na escola...

Coitado, deve apanhar tanto na escola…

 

Depois de um estrondoso sucesso de mais de 13 milhões de jogos vendidos na Nintendo DS era apenas uma questão de tempo até a série de jogos da nipónica Level-5 chegar à 3DS. Mas será que uma nova consola acrescenta algo de novo a Professor Layton and the Miracle Mask? Uma coisa é certa, a maior característica da série de puzzles mantém-se inalterada, o que para uns é bem-vindo e para outros é um pesadelo recorrente: os puzzles continuam a necessitar de instruções enormes. Esta leitura constante de instruções para cada puzzle pode tornar-se bastante cansativa e se jogarmos uma sessão de jogo mais longa vai provocar alguma irritação de cada vez que surgem uns novos lusíadas sobre o puzzle a resolver. Aliado à ausência de localização em português, isto pode afastar muitas pessoas menos prolíficas na língua de sua majestade.

Professor Layton and the Miracle MaskHá no entanto algo que também se mantém inalterado e que é muito positivo: o enorme gozo que nos dá descobrir a solução. O sistema mantém-se similar aos jogos anteriores com a possibilidade de comprarmos pistas que nos ajudam a descobrir o resultado, através das moedas espalhadas nos cenários. A maior parte dos puzzles possuem uma dificuldade média e, ao contrário de outros títulos, já são muito poucos aqueles cuja solução é rebuscada. Uma das melhores novidades é a possibilidade de deslizar uma película transparente sobre o puzzle e escrever anotações directamente por cima do mesmo, algo que facilita muito a resolução de alguns dos passatempos mais complexos.

Os melhores puzzles são no entanto aqueles que praticamente não precisam de explicações e se baseiam em interfaces visuais, mas sobre esses já falaremos mais adiante. O certo é que depois de tantos jogos de Layton ainda aguardamos com expectativa o momento em que Layton, Luke ou Emmy se dirigem a nós para dizer se acertámos ou errámos. E quando nos apontam o dedo para a resposta certa a imensa satisfação continua a ser a mesma do primeiro jogo. Com a diferença de que o dedo apontado a nós está agora em 3D.

Quem está por detrás da máscara? A resposta segue dentro de 9842 palavras.

Quem está por detrás da máscara? A resposta segue dentro de 9842 palavras.

 

Visualmente o jogo aproveita as características da 3DS de uma forma muitíssimo inteligente. Numa série que sempre premiou pela excelente animação tradicional 2D que nos lembra o estilo do estúdio Ghibli era muita a curiosidade sobre a forma como a série iria abordar o 3D. Nesta história passada numa cidade épica e luxuosa edificada no meio de um deserto, a lembrar um Mónaco das Arábias, as sequências animadas que intercalam os 8 episódios mantêm o seu estilo tradicional em duas dimensões, mas nas conversas e interações seguintes todos os personagens estão em 3D com um acabamento cel-shaded. Isto confere-lhes a profundidade necessária para aproveitar as características da consola mas mantém-se fiel ao estilo dos títulos anteriores.

Professor Layton and the Miracle MaskOs cenários de jogo foram também elaborados com recurso a outra inteligente técnica em que desenhos 2D são colocados em planos tridimensionais diferentes com a possibilidade de fazermos panorâmicas leves ao longo dos mesmos, num eficaz truque de paralaxe. Numa 3DS XL este efeito é visualmente maravilhoso devido à qualidade de desenho que a série alcançou e ao contraste superior do ecrã da versão maior da consola. O sistema de navegação no pequeno mapa foi melhorado com recurso à lupa que agora funciona como controlador de uma câmara que permite a movimentação que referimos. Porém, visualmente, a estrela do jogo são os menus e interfaces dos puzzles que todos utilizam o recurso à ilustração com um belíssimo toque vintage.

Para não variar, todos os personagens que habitam Monte d’Or são obcecados por puzzles. É um mundo surreal onde tudo é uma desculpa para lançar um enigma. Querem saber direcções? Tomem lá um puzzle. Quem comprar uma lembrança? Tomem lá um puzzle. Querem descansar dos puzzles? Então tomem lá um puzzle. Mas a direcção artística destes obcecados personagens continua a ser fantástica, misturando a dose certa de realidade com o absurdo, uma arte que só os nipónicos dominam e onde uma mulher com corações nos olhos, homens com narizes de morsas ou bruxas se misturam numa mescla que confere uma personalidade surreal porém deliciosa ao jogo. Os diálogos baseiam-se em texto, com muita pena nossa, pois quando as vozes entram em acção encaixam na perfeição. Infelizmente o jogo não está todo com vozes e não tivemos acesso à versão japonesa das mesmas. Já a música, por vezes, pode tornar-se incomodativa senão irritante e é das menos bem conseguidas da série.

There is no puzzle without a solution?

There is no puzzle without a solution?

 

Porque em campeão não se mexe, Layton traz ainda 3 minijogos visuais desbloqueados ao longo da narrativa principal. Num deles temos que controlar um robô num tabuleiro que terá de chegar ao seu destino, no outro teremos de jogar uma mistura entre o tetris e os puzzles tangram para vender todo o stock de uma loja e noutro, o mais surreal de todos, temos de treinar truques de circo a um coelho que irá depois tentar recriar histórias num palco, naquilo em que se pode chamar uma mistura entre Nintendo Dogz, um coelho e um workshop com um actor desempregado. Estes Japoneses são loucos…

Professor Layton and the Miracle Mask

Se é certo que os 150 puzzles principais oferecem pouco valor de repetição após sabermos a sua solução, juntamente com os minijogos, Layton oferece bem mais de 20 horas de diversão só para atravessar a primeira vez a campanha (isto se formos procurando todos os puzzles). Mas o melhor de Layton é a possibilidade de descarregar 365 puzzles, um todos os dias, porque estes enigmas são os melhores do jogo e possivelmente os melhores puzzles de toda a série. Baseados em puzzles sem qualquer leitura, os diários são passatempos visuais em que temos de fazer ligações, procurar padrões ou reordenar blocos, em 20 categorias diferentes que vão dos mais fáceis aos mais exigentes. O download de puzzles diários só por si já vale o preço do jogo.

Para os mais exigentes o jogo proporciona ainda os Layton Chalenges, puzzles com uma enorme dificuldade mas com uma grande recompensa que chega a rondar os 80 picarats por puzzle. Estes picarats adicionais são imprescindíveis para desbloquear os segredos do jogo. Por exemplo, só para desbloquear a possibilidade de visualizarmos os perfis de todas as dezenas de personagens do jogo precisamos de 4300 picarats, o que no nosso caso necessitou de 125 puzzles completos.

 

O melhor: A gigantesca quantidade de conteúdo; Os 365 puzzles diários; A história da infância de Layton; As masmorras inspiradas em Zelda; Os personagens secundários; A direcção artística dos cenários e personagens em 3D

O pior: A quantidade de texto de alguns puzzles; A narrativa previsível; Música por vezes irritante.

Professor Layton and the Miracle Mask consegue uma boa transição para a Nintendo 3DS mantendo-se fiel a tudo o que é tradicional na série e inovando com o cuidado de não ser demasiado disruptivo para os fãs. Com uma dificuldade mais equilibrada e uma resolução bem mais lógica, a explicação de texto dos puzzles pode no entanto afastar algumas das pessoas acabadas de chegar à série. A transição para 3D é conseguida de forma inteligente misturando técnicas de desenho com formas tridimensionais e as personagens secundárias são, falizmente, ainda mais surreais desta vez. A excelência do jogo está no entanto nos puzzles diários que podemos fazer download que para além de serem os melhores do jogo ao nível da mecânica são 365 e bastantes variados. Um ano de novidade é uma longevidade difícil de superar no género. Como diria Layton: Não há um dia sem um puzzle. Não era bem isto…

 

(Professor Layton and the Miracle Mask é um exclusivo Nintendo 3DS)