Guerra de calendário

O nome Medal of Honor trás sobre si o peso histórico de ser um dos FPS que moldou a forma como o género passou a ser abordado na era pós-Half Life. Certamente que muitos de vós se recordam do impacto que Medal of Honor: Allied Assault teve sobre o género, com o seu icónico desembarque na Normandia. Call of Duty foi produto do refinamento e evolução da fórmula estabelecida pela 2015 Inc, sendo a defunta Infinity Ward (pelo menos tal como a conhecíamos) o resultado de uma equipa de developers responsáveis por Medal of Honor, entre eles Vince Zampella.

Infelizmente o legado de Medal of Honor tem uma expressão residual na sua mais recente iteração. Medal of Honor: Warfighter é pouco mais que uma passagem a papel químico apressada sobre o shooter moderno. O seu problema não é tanto a temática sobre usada da luta contra o terrorismo actual, mas antes a pouca vontade em nos oferecer uma experiência de jogo com novidade que justifique embarcar mais uma vez nas andanças da ameaça terrorista Made in Médio Oriente.

Mais uma moedinha, mais uma voltinha.

Mais uma moedinha, mais uma voltinha.

 

Não que a temática não seja relevante. O seu sobre-uso não é em si negativo, mas antes a forma como o tema é abordado. É infelizmente um assunto de relevo nos dias de hoje, mas o shooter moderno pouco mais tem feito nos últimos anos do que reciclar um modelo estabelecido. Existem por aí muitos jogos, que de shooter têm pouco, mas que conseguem um impacto sobre a temática que deixa a milhas as montanha-russas de balas que infestam as prateleiras das lojas da especialidade. Warfighter é formulaico e de história inconsistente.

As impressionantes cutscenes no robusto Frostbite 2 começam por prometer uma história singela mas de impacto dramático realista, de um militar encurralado entre a guerra e a sua relação familiar degradada. A meio do percurso, este aspecto é resolvido de forma apressada, e com um encolher de ombros, seguimos o jogo de forma aborrecida e brega.

 

Longe da guerra, próximo do coração.

Curiosamente, é nos momentos em que Warfighter se afasta do eixo dos shooters, que os jogadores podem ser surpreendidos. Em dois momentos da campanha, somos colocados ao volante de um automóvel. Não andamos aos tiros, nem fazemos o pino em cima do tejadilho enquanto disparamos uma minigun, para depois num pinote voltar a pilotar o carro. Simplesmente conduzimos. Uma perseguição empolgante e um twist fantástico ao stealth game. Como se a Danger Close tivesse feito gazeta a uma reunião do comité de design do jogo, e à socapa, infiltrado algo diferente. Estes momentos são genuinamente interessantes, juntamente com uma secção do jogo mais clássica, mas também muito mais envolvente do que qualquer outro momento do jogo.

Um dos momentos mais interessantes da campanha.

Um dos momentos mais interessantes da campanha.

 

Nessa secção do jogo estamos sozinhos, desarmados, com raiva e somos obrigados a lutar pela sobrevivência, procurando armas, munições e lutando contra os inimigos. Aqui sim, um apontamento de verdadeira tensão e envolvência, que acaba por ser mais gratificante de jogar que as ocasiões em que rodeados de NPCs, avançamos de aim assist em riste e de olhos meio abertos. Isto porque ao longo da campanha pouco nos preocupamos com munição ou (caso queiramos jogar com a assistência de mira) com a pontaria ou visibilidade do ecrã. Em determinado momento e enquanto combatia de noite à chuva, a pouca visibilidade não constituía um problema quando me limitava a fazer mira e disparar sem sequer saber para onde estava a apontar. E matava inimigos, e avançava no jogo. Decidi continuar sem aim assist. A campanha de Warfighter é minimamente jogável, se pensarmos que disparamos, que as coisas morrem e avançamos, mas sem nenhum sal nem tão pouco pimenta.

O jogo tem ainda alguns momentos de franzir o sobrolho, como um helicóptero (na fase inicial) que se recusa a matar-nos mesmo quando estamos parados em frente a ele, aliados que disparam para nada, ou quando somos perseguidos por ninguém mas ouvimos tiros a raspar à nossa volta. Os triggers de acção que este género de jogo tem habitualmente são em Warfighter pouco polidos, podendo levar a ocasiões hilariantes e desesperantes. Uma das mais graves é talvez a batalha num ringue de patinagem no gelo, em que antes dos inimigos fazerem spawn, já os meus “amigos” estavam a combater sozinhos, contra o nada.

A mecânica de Breach não passa de um gimmick.

A mecânica de Breach não passa de um gimmick.

 

O esforço em levar o jogador a se identificar com os personagens é infrutífero, porque a narrativa e acções são demasiado fragmentadas. Preacher é a personagem principal, mas temos Stump que aparece de vez em quando e por quem não nos importamos minimamente. A determinada altura e durante uma batalha mais acesa, vimo-nos obrigados a receber ajuda de um helicóptero. Quando este chega, saímos do personagem que estamos a jogar, e começamos a controlar as armas do helicóptero, sem razão aparente que não introduzir o obrigatório momento de jogo em que pilotamos um helicóptero. O mais grave é sentirmos nitidamente esta artificialidade na narrativa.

 

Traz outro amigo também.

O modo multijogador de Medal of Honor: Warfighter é competente. Talvez seja o eixo do jogo que oferece mais variedade, pelo menos na sua progressão, desbloqueamentos e modos de jogo. Apesar destes pouco fugirem ao habitual, os aficionados do multiplayer têm em Warfighter algum conteúdo. Grande quantidade de armas e forças militares reais para desbloquear, estatísticas de todas as nossas acções e mais algumas, entre partidas o jogo é um festival de barras de experiência em catadupa, de indicadores visuais pulsantes avisando que agora já somos melhores e mais fortes.

Warfighter oferece uma mecânica de jogo bastante interessante com o Buddy System, aprimorado para as partidas que fazemos na companhia de mais um amigo. Neste sistema, os jogadores são emparelhados num pequeno esquadrão, servindo de fonte de munição e spawn beacon. É uma dinâmica bastante funcional e que traz as partidas um salpico de novidade, conseguindo fazer-nos sentir em equipa num jogo em que é fácil cada um jogar por si. Quem procura por uma experiência multijogador têm em Warfighter um jogo onde pode dedicar algum tempo, mas fica a questão: até que ponto não será uma experiência que já encontrou noutros títulos do género.

O modo multijogador é o ponto forte do jogo.

O modo multijogador é o ponto forte do jogo.

 

Existem dois pequenos pormenores que o título oferece, e que devem ser destacados: a possibilidade de ajustar miras de diferentes alcances com um toque de botão, e o sistema de cobertura. A primeira mecânica oferece versatilidade de forma elegante, e o sistema de cobertura é muito funcional e simples de usar. É talvez dos melhores que já tivemos oportunidade de experimentar, mas o seu uso na campanha acaba por ser encoberto pela dificuldade permissiva, assistência de mira e a AI idiota dos NPCs inimigos. É um sistema funcional na sequência que referi mais acima, em que pela primeira vez nos sentimos realmente em inferioridade e com necessidade de gerir munição. Infelizmente, não chega.

 

O melhor: As missões de condução; o capítulo do jogo com acção mais oldschool, de armas e munições limitadas; cover system fácil de usar; multiplayer oferece muito que desbloquear; o Buddy System.

O Pior: Campanha desinteressante e pouco inspirada; falhas de polimento e glitches visuais; a correcção de mira retira qualquer desafio que o jogo possa ter; narrativa fragmentada e apressada; não oferece nada que já não tenha sido feito de forma mais aprimorada ou cativante.

Medal of Honor: Warfighter é um jogo que seria interessante se fosse lançado há 4 anos atrás, mas actualmente fica a sensação de que não passa de um jogo de calendário. Não que a temática não seja interessante e mesmo relevante, mas é a forma cansada e pouco inspirada como aborda o tema que acaba por não ser suficiente para nos prender a atenção. O motor de jogo de topo não é suficiente para mascarar uma experiência formulaica, com poucos apontamentos gratificantes. Os aficionados da progressão multijogador têm algumas horas para queimar aqui, com um Buddy System a trazer alguma frescura, e com uma panóplia considerável de conteúdo para desbloquear. O interesse no modo multijogador ficará sempre ao critério dos jogadores que procuram esse tipo de conteúdos, mas fica a dúvida se Warfighter é suficientemente diferente também nesse campo, para justificar o vosso tempo.

Análise da versão Xbox 360 (também disponível para PS3 e Windows)