O lugar onde a Vita foi feliz

No princípio eram as texturas. Quando em 2007 foi apresentado pela primeira vez LittleBigPlanet, foram as texturas que deixaram todos apaixonados pelo novo título. Tirando proveito da primeira geração de consolas capaz de apresentar imagens em alta-definição, os bonecos de pano, os cenários de feltro, cartão, tecido e outros materiais que pareciam saídos de uma aula de trabalhos manuais, tornaram este título não só visualmente deslumbrante como também permitiram uma empatia muito física entre jogo e jogador.

Para as crianças, este era um mundo com os materiais usados na escola, para os adultos, era um mundo feito das recordações felizes da infância. Por essa razão, surgiu o conceito da Imagisfera, o nosso lugar feliz, o mundo para onde vão os fragmentos e peças dos nossos sonhos e imaginação, e os pensamentos soltos que se reúnem todos no mesmo planeta. Estavam lançadas as bases perfeitas para o conceito Brinca, Cria e Partilha que haveria de se tornar num dos maiores sucessos da história da PlayStation. Primeiro só com a criação de níveis, depois com a criação de jogos em LittleBigPlanet 2, este universo deu origem a uma comunidade fervorosa que já criou 7 milhões de níveis e que não mostra sinais de abrandamento. A série é presença constante no Livro de Recordes do Guiness, Edição Gamer.

LittleBigPlanet PS Vita é uma adaptação quase perfeita de LittleBigPlanet 2 para a portátil da Sony sem qualquer compromisso tanto ao nível da qualidade como de quantidade de conteúdo e com várias novidades. Se a versão PSP foi um LittleBigPlanet muito little, a versão Vita é o jogo com a maior capacidade de longevidade que a consola já recebeu e onde tudo está praticamente ao nível da versão PlayStation 3.

Aqui vou ser feliz.

Aqui vou ser feliz.

 

Como habitual na série, temos um primeiro planeta que funciona como campanha e onde se desenrola a narrativa do jogo. Desta vez somos convidados a viajar ao mundo de Carnivália, onde ao longo de dezenas de níveis assistimos à bela metáfora de um fantocheiro que se foi isolando aos poucos das pessoas, perdendo assim a sua magia e graça, até ouvir o temido “buuu” do público. Quando isso aconteceu deitou fora todas as suas marionetas e desapareceu, para mais tarde regressar com os Hollows, criações maléficas sem expressão que nos fazem lembrar as crianças terríveis de O Estranho Mundo de Jack. Há no entanto mais nesta história, mas isso fica para quem joga descobrir.

Cada uma das marionetas abandonadas é um dos mundos separados do planeta, cada qual com as suas temáticas. A direcção artística e o desenho de nível de cada uma das zonas é um trabalho magnífico e fascinante das equipas da Double Eleven e da Tarsier Studios, onde reina o bom gosto e uma enorme atenção e dedicação a todos os detalhes e pormenores.

Existem níveis para todos os gostos. Secções feitas de pianos, xilofones e outros instrumentos em La Marioneta; o interior de um comboio de circo; os elementos mecânicos misturados com a natureza na Terra Estranha; o Retro da cidade Jackpot, maravilhosamente decorada com cassetes VHS, telefones antigos ou discos vinil a debitar beats em loop. Estes são apenas alguns exemplos de uma enorme variedade estilística onde certas secções chegam mesmo a ser geniais e onde existem níveis que vão ficar durante muito tempo na memória de quem os joga por serem tão originais e depurados.

Socorro?

Socorro?

 

Esta grande força de originalidade é o resultado da mistura de um grande conjunto de mecânicas com um desenho aprimorado dos níveis. À física tosca (porém divertida) a que já fomos habituados com os sackboys e sackgirls, juntam-se elementos como ganchos arremessáveis, luvas que agarram grandes objectos ou capacetes com misseis teleguiados que os nossos personagens podem utilizar. Quando começamos a somar estas ferramentas com elementos do cenário é quando desbravamos todo o potencial de mecânicas do jogo.

Há no entanto um elemento adicional em LittleBigPlanet PS Vita que não está presente em mais nenhum título da série: a possibilidade de utilizar o toque nos ecrãs frontais e traseiros. Felizmente, esta utilização não é intrusiva e está bem implementada nas mecânicas. Desligar alavancas, puxar molas que vão fazer o sackboy voar alto ou empurrar objectos com o painel táctil traseiro são algumas das funcionalidades divertidas que não cansam. Mais uma vez, ao somarmos tudo conseguimos uma experiência nova. Numa secção poderemos ter que disparar uma mola com o dedo para logo a seguir termos que nos agarrar a qualquer coisa com o gancho, ou estarmos agarrados a uma plataforma onde ao inclinarmos a consola ela se desloca, até à divertida utilização do nosso dedo para guiar os misseis aos muitos autocolantes, materiais e objectos colecionáveis.

LittleBigPlanetLimbo

LittleBigPlanetLimbo

 

Isto é apenas uma ínfima parte de tudo o que os níveis nos proporcionam. Alavancas, electricidade mortal a atravessar secções de plataformas; fornos a escaldar; comboios aéreos em carris, enormes secções rotativas são apenas alguns dos perigos e obstáculos enquanto passamos de plataforma em plataforma. Estão de regresso os habituais níveis de corrida, as zonas em que são necessários dois jogadores e os minijogos desbloqueáveis em cada mundo mas existem também algumas novidades como níveis onde controlamos veículos com os movimentos da consola, outros com o painel traseiro ou o fantástico carro triangular de três rodas que se desloca agarrado às paredes e tectos. Os melhores momentos da campanha são no entanto as boss fights no final de cada mundo em que cada uma é mais original que a próxima e constituem do melhor level design que já se fez na série.

Os jogos são parte essencial de LittleBigPlanet e é aqui, mais ainda que nos níveis adicionais, que reside a longevidade quase infinita do título. As funcionalidades de toque e tilt controls permitem que a maior parte dos jogos se assemelhem às ofertas que encontramos nos smartphones: versões clones de Tetris; de Doodle jump; de Bust-a-Move, Labirinth HD entre outros, mas também criações originais. LittleBigPlanet PS Vita é mais do que um jogo. É uma máquina de jogos e de fazer jogos, onde para além dos existentes muitos mais vão sendo criados diariamente, tornando este jogo algo que nunca perde o efeito de novidade.

Acreditem ou não, vão começar a chover vacas.

Acreditem ou não, vão começar a chover vacas.

 

As criações dos próprios produtores podiam ser perfeitamente vendidas à parte, como é o caso dos jogos Tapling e de Stratosphere, mas as criações da comunidade já estão a mostrar peças geniais como o jogo Cows on a Biplane. Para além dos jogos, já são muitos os níveis criados pela comunidade e aconselhamos para começar em beleza as criações “2D/3D” e “They Came from my Nightmares”.

O único problema da comunidade é que o número de pessoas ao mesmo tempo ligadas ao jogo é reduzido (fruto da pouca implementação da consola no mercado) o que faz com que seja muito difícil jogar a 2, 3 ou a 4 nos níveis, uma vez que os outros jogadores recusam muitas vezes a nossa entrada no jogo deles. Já se tiverem amigas ou amigos a jogar, fica tudo mais fácil.

Todo o jogo é construído em cima de um fantástico motor gráfico onde a iluminação e as texturas estão ao nível das versões PlayStation 3, chegando mesmo a ultrapassar o primeiro jogo da série. Os únicos problemas prendem-se a bugs gráficos com os efeitos de fumo e com uma enorme compressão com as texturas mais escuras, o que em vez de negras as torna verdes, mas estes defeitos não chegam nunca a estragar a experiência e o deslumbre visual é constante, principalmente quando nos lembramos que estamos a jogar LittleBigPlanet num autocarro a caminho do trabalho, universidade ou escola.

Decisions, decisions...

Decisions, decisions…

 

A narração de Nuno Markl não pode obviamente ser comparada à do mestre Stepen Fry mas no geral as vozes portuguesas estão muito acima da média a que estamos habituados. A banda sonora do jogo é um mimo pois mistura muitos géneros que vão desde o estilo épico da Disney, a uma homenagem retro a Jean Michel Jarre ou a um electro forte inspirado nos sons de colectivos como Justice ou Alter Ego.

Para quem quiser desfrutar das ferramentas de criação, o manípulo analógico direito facilita muito o trabalho, pois permite escalar e rodar objectos com uma enorme facilidade. O melhor é no entanto a capacidade de podermos usar os dedos para “pintarmos” cenário e objectos. Uma enorme número de tutoriais ensinam-nos todas as ferramentas de criação e, para quem quiser um novo hobby, o jogo tem tudo o que é necessário para criar novos níveis ou jogos. Se alguém tiver o desejo de criar jogos no futuro tem aqui uma ferramenta perfeita para começar.

 

O melhor: A variedade e quantidade de níveis; Visualmente deslumbrante; Um desenho de níveis fresco e original; A mistura afinada e não intrusiva de mecânicas de toque com mecânicas de botões; Dezenas de jogos; Níveis e jogos criados pela comunidade; Loja dentro do jogo.

O pior: Alguns bugs gráficos que não estragam a experiência; Poucos jogadores online aos quais nos juntarmos durante a campanha.

Se alguém só pode ter um jogo na PlayStation Vita esse jogo deverá ser obrigatoriamente LittleBigPlanet PS Vita. Esta versão é similar em termos de qualidade e quantidade à versão PlayStation 3 e proporciona uma longevidade quase infinita fruto dos jogos e níveis que estão diariamente a ser construídos pela comunidade. Com uma implementação perfeita de mecânicas de toque no ecrã frontal e no painel traseiro misturadas com a utilização de botões e um desenho de níveis inteligente e inovador, LittleBigPlanet é o jogo perfeito para a portátil da Sony. Foi aqui, neste lugar, que a Vita foi feliz.