Velha lâmina, sangue novo.
A introdução de Raiden em Metal Gear Solid 2: Sons of the Patriots foi no mínimo controversa. Após uma breve e memorável sequência de jogo em que Solid Snake regressava aos jogadores, o título deixou a comunidade boquiaberta enquanto o seu operativo favorito tomava o segundo plano. Em particular, pela mudança de um aguerrido chain smoker Snake, para um rapaz de cabelo louro e finos traços femininos.
Se Raiden teve uma relação de amor-ódio com os aficionados da saga, já Grey Fox, o ninja ciborg do primeiro Metal Gear Solid sempre se manteve numa das personagens mais queridas pelos jogadores. O final de MGS2 apresentava-nos um Raiden de katana em riste, mas foi em Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots que o personagem assumiu as artes da espada, e voltou ao radar do interesse dos jogadores pelo seu aspecto cibernético e sequências de acção over-the-top. Também por calçar saltos altos e ostentar umas nails de meter respeito. Quem consegue manobrar uma High-Frequency Blade com umas unhas daquele tamanho merece, sem dúvida, o nosso respeito.
Metal Gear Rising: Revengeance nunca escondeu que a sua direcção de jogabilidade é diferente da tradicional. Quando anunciado levantou sobrolhos pela mecânica de “cortar às postas” e depois sumiu-se dos olhares da comunidade. E esta mecânica é um dos pilares do que faz este Metal Gear numa experiência única. Isto, juntamente com uma incidência sobre batalhas com bosses de várias fases, e que duram bastantes minutos.
Não é um jogo longo, mas a experiência acaba por ser bastante intensa e convida à repetição em dificuldade superior. Pelo desafio, pelas habilidades que vamos desbloqueando e novas roupagens de Raiden. Na verdade, a repetição ganha força principalmente pelo quão satisfatório é combater, e em especial “brincar” com a mecânica de “cut at will” que o jogo implementa. A mecânica de Blade Focus permite-nos abrandar o tempo de jogo e cortar, literalmente, os inimigos e cenário às fatias.
Ao ritmo da espada.
Este aspecto do jogo é tecnicamente impressionante, pela forma como conseguimos fatiar os modelos 3D da forma, e as vezes que quisermos, inclusive com um contador de postas que cortamos. Posso-vos dizer que no final do jogo tinha cortadas mais de 11.600 fatias. Rising consegue envolver-nos na fantasia samurai comum a tantos filmes e séries de animação, em que o herói consegue deflectir balas com a espada, trepar acrobaticamente por tudo quanto é sítio e cortar os inimigos às fatias. Ou construções, ou tanques de guerra e helicópteros. Inúmeros jogos piscam o olho a estes elementos, mas nunca com o input jogável que Rising consegue, já que somos nós que temos o controlo total da dinâmica da espada.
Em termos de sequências de acção e movimentações de Raiden, apesar de grande parte ser em tempo real, muitas vezes funcionam como Quick-time Events. Mas é raro o momento em que não nos sentimos em controlo, pela forma bastante cuidada como estão integrados com a jogabilidade. Muitas vezes até ansiamos por um QTE, porque a batalha com o boss já vai longa e dura, ou porque são a forma que temos de recuperar vida em grande parte das ocasiões. Designada por Zan Datsu, consiste em, no momento chave, entrar em Blade Mode e cortar o inimigo em determinada zona do corpo, para depois recolher uma self-repair unit, um nome pomposo para tripa azul.
O Blade Mode, juntamente com a técnica de Zan Datsu, acabam por ser uma evolução do QTE, aproximando-se de forma surpreendente de um jogo de ritmo, em que temos de cortar no momento certo e pressionar uma tecla para completar o movimento antes que o inimigo caia no chão. Sem nunca ser um gimmick, estas mecânicas são verdadeiramente inovadoras na forma como dão controlo ao jogador e possibilitam momentos de tremenda satisfação enquanto vemos Raiden a fatiar um inimigo para depois, num movimento acrobático, lhe arrancar a tripa azul (marca registada).
Metal Gear Rising não é um jogo sem frustrações, e é provável que ao jogar sintamos algum desespero em ocasiões. É bastante difícil, em concreto as batalhas com os bosses. No final do jogo contabilizei 100 mortes, que podem não parecer muitas, mas que foram na sua maioria responsáveis por extensas sessões de asneirada e palavrões. A frustração advém ainda da forma pouco óbvia como o jogo nos ensina a jogar. Se inicialmente as VR Missions nos explicam alguns dos controlos, na maioria dos casos teremos de descobrir por nós próprios algumas técnicas básicas que o jogo oferece. Chega ao cumulo de ter missões tutoriais disponíveis para realizar em menu, às quais apenas acedi quando explorei essa funcionalidade.
Aprende com os erros.
Rising oferece um sistema de habilidades e upgrades, realizáveis entre capítulos, mas que em grande parte do jogo foram para mim um mistério, já que, apesar de desbloquear ataques, nunca percebi como os fazer. Foi quando vi no menu de pausa uma opção designada por Help, que descobri a extensa lista de movimentos, explicada ao pormenor. Porque não apresentá-los no menu de customizações?
Para um jogo com tanta intensidade no combate, Rising acaba por ter um sistema de controlo bastante simplificado e que convida ao button-mashing, com apenas duas teclas de ataque. A sua dificuldade leva a que a destreza tenha um papel de destaque nos combates e na implementação do Blade Mode, acabando por compensar este facto. Mas a inexistência de mecânica de dodge é de estranhar. Para nos desviarmos de um ataque é necessário a) saltar e correr, com um fantástico modo de spint em que conseguimos inclusive deflectir balas automaticamente, ou b) fazer Parry. Este sistema tem algum tempo de habituação, pois não acenta numa tecla específica, mas numa combinação entre o ataque normal e a direcção de onde vem o ataque. Mais uma vez, é provável que seja fonte de frustração, principalmente nas batalhas com bosses. Outros detalhes como a dificuldade em aceder ao menu de itens sem que Raiden esteja completamente parado ou o facto de podermos ficar num ciclo de stuns até à morte, fazem com que por vezes sintamos que morremos por cheap shots.
O jogo é visualmente belo, mas por vezes é notória a falta de conteúdos em algumas secções de jogo mais básicas, como corredores ou localizações internas com muito pouca decoração. Existe ainda a possibilidade de avançarmos furtivamente, com a introdução da clássica caixa de cartão da série, mas com algumas excepções, esta forma de jogar acaba por não ser particularmente útil ou interessante. É um aceno às raízes da série, mas no contexto de Rising acaba por ser dispensável.
Apesar das limitações e problemas que encontramos no jogo, a experiência acaba por ser satisfatória e recomendável a quem procura um hack n’ slash com qualidade e desafio. A mecânica de corte e os momentos de jogabilidade que oferece justificam só por si, os momentos mais frustrantes do jogo ou a sua narrativa pobre. Metal Gear sempre se pautou por histórias maiores que a vida, e se no passado impressionou, a verdade é que muitas das novelas e temáticas que apresenta parecem actualmente simplórias e recicladas.
Não venham a Rising pela história ou narrativa, que roça muitas vezes o risível. As batalhas internas de Raiden são mal aproveitadas, em favor de um foco sobre aspectos filosóficos defendidos por personagens berrantes e diálogos demasiado longos. Ter um Senador psicopata a falar da importância da liberdade e individualismo, para depois vermos um close-up do seu traseiro, não será a melhor forma de fazer levar a sério os temas que são abordados. Neste campo, Rising acaba por ser mais cómico do que outra coisa, e isso também contribui para a aura de exagero que todo o jogo tem, e que é comum à saga.
O melhor: combate satisfatório sendo a mecânica de corte tecnicamente impressionante; trás diversidade e variedade à série Metal Gear; UI e pistas visuais de grande qualidade e envolvencia; as batalhas com bosses e o crescendo musical do jogo durante as sequências de acção.
O pior: narrativa demasiado pretensiosa; oferece pouca direcção ao jogador em termos tutoriais e de controlo do personagem; stuns frequentes a Raiden podem levar a momentos de frustração; não conseguir aceder ao menu de itens em qualquer altura: problemas de câmara em locais com menos espaço.
Metal Gear Rising: Revengeance é uma adição valorosa à série, pela variedade que injecta num momento em que Metal Gear poderia facilmente entrar em piloto automático. Quem procura um Solid Snake irá ficar desiludido, porque apesar das secções furtivas, é no combate de espadas que Raiden se assume como uma direcção de jogabilidade tão intensa como o seu parceiro espião. A mecânica de “cut at will” é tecnicamente fabulosa e responsável por momentos que podem elevar Rising ao estatuto de clássico. Apesar da história questionável e alguns problemas que podem levar a momentos de frustração, consegue fazer-nos sentir como um verdadeiro samurai ciberténico, a fatiar o mundo com golpes de espada à velocidade do som, e a realizar movimentos e manobras sobre-humanas. Em Rising sentimo-nos poderosos. Bem vindo de volta Raiden.
Análise da versão PlayStation 3. Também disponível para Xbox 360.
Comments (1)
[…] não ter concretizado este meu sonho de menino. O desejo perdeu-se no esquecimento. Mas durante a análise Rubber Chicken a Metal Gear Rising: Revengeance, uma centelha de lembrança reacendeu-se no meu […]