A chicotada que faltava

Ainda a Primavera não chegou, e é lançado, quase como uma homenagem ao Inverno que termina, a sequela a Castlevania: Lords of Shadows, o reboot da série clássica que tanto apaixonou (e irritou) gerações de jogadores.

A MercurySteam, a produtora espanhola deste Mirror of Fate (e da sua prequela) decidiu arriscar um pouco mais nesta iteração da série Castlevania: permitindo-nos jogar 4 personagens, o que nos garante uma linha de continuidade da narrativa (que atravessa algumas décadas).

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És tu Bella?

 

No prólogo jogamos com Gabriel Belmont (o personagem principal do jogo anterior), o que permite compaginar a storyline aos jogadores que não conhecem a série, e que por outro lado, serve de tutorial ao próprio jogo. Visto que o jogo está dividido em 3 actos, jogamos com Simon Belmont, Alucard e Trevor Belmont respectivamente. De ressalvar a forma interessante como os criadores do jogo justificaram os 2 primeiros actos, que são simultâneos: em cada um deles vamos jogando com personagens que mal se cruzam mas cujas acções influenciam o progresso um do outro. Esta interligação dos personagens permite-nos uma melhor compreensão das suas motivações e de quais as forças motrizes que alimentam as suas sedes de vingança (sim, porque Vingança poderia perfeitamente ser o subtítulo deste jogo, visto que qualquer um dos personagens a segue como se da Estrela da Alvorada se tratasse). O Acto III, anterior em cronologia aos Actos I e II, funciona como explicação, como justificação e remate às questões pendentes que vão sendo levantadas pelos personagens (e por nós) na busca por Dracula (ou pela sua cabeça). Sem qualquer tipo de spoiler, porque supomos que ninguém jogará este Mirror of Fate com a esperança de decepar a cabeça aborrecida de Edward Cullen da série Twilight – o que seria divertido, mas muito, muito pouco desafiante, visto que brilhar à luz do Sol é pouco eficaz quando comparado com levar umas chicotadas nas presas -, no final do caminho (ou de qualquer dos actos), teremos de combater Dracula, o eterno inimigo da família Belmont e da Brotherhood of Light.

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O solário é sobrevalorizado.

 

Atravessar alguns dos cenários típicos da série, em direcção ao castelo de Dracula sugere, ao jogador mais exigente, que existe caminho para trilhar mais um jogo do género metroidvania. E persistindo essa questão, se Mirror of Fate é um exemplo do género, qual a resposta possível? Nim. Mirror of Fate tenta recriar a exploração dos mapas de forma não-linear, como por exemplo o soberbo Castlevania: Symphony of the Night o fez, mas falha em adicionar mais obstáculos a essa exploração, a serem resolvidos por habilidades/itens posteriormente adquiridos. É possível que esta impossibilidade (ou falha) se prenda com a subdivisão em actos do jogo: cada personagem tem habilidades próprias o que invalidaria uma exploração em toda a longevidade do jogo. Ainda assim, muitos dos puzzles apresentados acabam por ser de fácil resolução, recaindo a dificuldade do jogo nas – infinitas – cenas de plataformas e de combate. No entanto, a diversidade de habilidades e itens disponíveis pelos diversos personagens traz um bafejo de dinamismo, no que poderia ser a monotonia de jogar com personagens relativamente idênticos.

As mecânicas de plataformas e de movimentação dos personagens estão fluídas e com óptima resposta, apesar de que esta ambição em fazer o jogo com multi-personagens beneficiava de um pouco mais de trabalho e elaboração desses personagens, para que se sentisse realmente a distinção entre eles. E não ficarmos, como acontece, com uma sensação de re-skin de um personagem para outro: as animações são idênticas e os personagens, à primeira vista, comportam-se todos de igual forma.

A mecânica de combate, apesar de dinâmica e interessante, poderia distanciar-se um pouco do button-mashing. Os combates são por vezes pouco tácticos, e é possível que um jogador frustrado de alguns combates, resolva enveredar pelo método força bruta: o de fustigar os botões de ataque furiosamente até que resultados surjam, ou seja, até que inimigos se esfumacem no ar e nos concedam XP. A diversidade de inimigos que encontramos pode ser frustrante, visto que é-nos bastante fácil aprender padrões e defesas e aplicá-las de forma eficaz. Mas como não só de padrões vive um caçador de vampiros, recaímos no único elemento de RPG presente no jogo: o leveling, com o desbloqueio de combinações de golpes, progressivamente mais devastadoras das hostes de Dracula.

Os combates com os bosses são relativamente simples. Após uma ou duas eventuais mortes, é possível perceber os padrões de ataque do nosso inimigo, o que é típico da série, e explorarmos esses padrões para sairmos vitoriosos. Como forma de implementar algum dinamismo a estes combates, em momentos chave da barra de vida do inimigo são activados alguns quick-time events que trazem um sabor diferente, e uma quebra na eventual monotonia da agressão aos botões x e y, que controlam as nossas chicotadas, imputando um carácter ainda mais cinematográfico a um jogo que é muito bem executado dramaticamente.

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Chega p’ra lá!

 

O primeiro impacto que temos com as animações do jogo são de deixar qualquer um espantado: o uso perfeito do grafismo cel shading, que confere um ambiente de comics ao jogo, com óptimos planos, a remeter para uma interpretação dramática dos interlúdios em FMV. Mas se este é um ponto soberbo do jogo, este acaba por embater no visual geral, que apesar de lidar na perfeição com a profundidade de campo trazida pelo 3D da Nintendo 3DS, acaba por nos obrigar a pensar na questão: porquê a divergência de identidade visual entre os FMVs e o jogo em si? Ou porque não usar o cel shading da forma perfeita como foi elaborado, e implementá-lo em todo o jogo?. O que mantém desde sempre a sua qualidade intocada é a banda-sonora: a música que acompanha o jogo concede aquela vibração épica a cada chicotada que efectuamos.

Apesar do design de níveis ser relativamente desafiante, há-que reconhecer que, à excepção de alguns combates – mesmo com o inimigo mediano – o jogo é bastante fácil. O facto da MercurySteam se ter mantido bastante fiel à fórmula original de Castlevania, permite uma compreensão quase instantânea do próprio jogo, e quiçá, seja essa a razão pela qual é possível terminá-lo em 8 a 9 horas.

O melhor: a fidelidade à jogabilidade original; o visual, em especial o cel shading dos FMVs; a fluidez de movimentos e a facilidade de adaptação ao jogo.

O pior: a sensação de excessiva facilidade do jogo e a falta de táctica na maioria dos combates; a estranha semelhança dos personagens jogáveis; pouca diversidade de inimigos comuns e bosses.

Castlevania: Lords of Shadow – Mirror of Fate não é o metroidvania que muitos esperavam, e não tem a dificuldade por vezes doentia das primeiras iterações para NES. Não deixa de ser, apesar de tudo, um título altamente respeitoso para uma série com tão larga história e que deixará satisfeitos novos e velhos jogadores da série Castlevania. Só faltava o Edward Cullen como boss secreto e o jogo era quase perfeito. É que derrotar o Dracula não chega.

 

Castlevania: Lords of Shadow – Mirror of Fate é um exclusivo Nintendo 3DS