Uma estreia com sete anos.

Este é um ano curioso para o lançamento do mais recente capítulo da saga Gears of War. Não só completará dentro de alguns meses o seu sétimo aniversário, como deixa dúvidas e anseios acerca do futuro da série. Gears of War: Judgment surge ainda em final de geração, em que as cartas estão mais que postas sobre a mesa e a breves instantes da chegada de novas consolas. O original foi porta estandarte de uma nova geração Microsoft e estabeleceu em 2006 o modelo sobre o qual dezenas de outro jogos assentariam arraiais. Gears of War é um dos mais marcantes jogos da nossa querida história.

Uma herança de respeito que coloca sobre Judgment o peso de uma série seminal e os olhares atentos de uma multidão de gente que se habituou a bater com os costados sobre paredes de cimento e a carregar orgulhosamente a Lancer, uma das mais bem desenhadas armas de qualquer videojogo. Quando um arma é suficientemente boa para que possa substituir qualquer outra durante horas de jogo, sem que nos sintamos cansados de a usar, e mantendo a mesma intensidade de uso, sabemos que estamos perante um grupo de developers que sabem muito bem o que andam a fazer.

A parede mágica.

A parede.

 

O desenvolvimento desta sequela/prequela ficou a cargo do excelente grupo People Can Fly, habituais no desenvolvimento Epic Games, e se a sua qualidade de trabalho é inegável e comprovada em curriculum (o contra-corrente Painkiller), a verdade é que este Judgment acaba por não fugir terrivelmente à sua formula padrão. Não que isso seja questionável, até porque não esperaríamos outra coisa, mas o grande dilema seria sempre o balanço precário entre a inovação e a segurança. Gears of War Judgment toma algumas liberdades em termos de abordagem à campanha e cimenta ainda mais a estrutura de progressão que foi crescendo com os jogos anteriores, de moldar a campanha sobre um eixo de cooperação e desafio multijogador, em conjunto com os modos competitivos tradicionais.

Do lado da campanha, assumidamente cooperativa a quatro jogadores, a mudança surge na dinâmica de jogo mais fragmentada e com uma estrutura de desafio. A dificuldade foi reduzida (quando comparados os modos hardcore de Judgment e Gears 3), mas com a introdução de handicaps sobre a forma da mecânica Declassify. A cada secção de jogo temos a opção de alterar a forma como iremos jogar, modificando certos aspectos da experiência que a tornam mais desafiante. Utilizar apenas determinada combinação de armas, reduzir a visibilidade através de poeiras/fumos, introduzir tempo limite ou modificar a cadência/ tipos de inimigos, são alguns dos exemplos de modificadores que ao longo da campanha Judgment (o jogo oferece ainda a campanha Aftermath, uma extensão à história de Gears of War 3) poderemos introduzir. Para além do desafio extra, estes handicaps permitem coleccionar Estrelas mais rapidamente, uma mecânica de experiência que permite desbloquear a campanha Aftermath, personagens ou customizações a usar nos modos competitivos. De destacar, o sistema de spawn de inimigos dinâmico que garante variação no desafio, mesmo quando repetimos uma secção.

Baird: óculos na testa, nunca os usa.

Baird: óculos na testa, nunca os usa.

 

Em equipa que ganha…

Apesar de seguir uma narrativa em torno de Damon Baird e a sua Kilo Squad, que se articula muito bem com os modificadores Declassify, Judgment não tem a envolvência das anteriores campanhas da saga. Existe uma fragmentação do jogo bastante grande: com a alteração do controle sobre 4 personagens diferentes, com a estrutura de jogo segmentada em desafios (com um sistema de Waves recorrente ao longo da história) e com a omnipresença da mecânica de desbloqueamentos e achievements. Baird é uma personagem bastante simpática de se jogar, sendo facilmente mais interessante do que Dominic, mas a história não tem o mesmo ímpeto ou secções memoráveis que os restantes Gears. Com Aftermath, o jogo regressa ao estilo mais tradicional de progressão de campanha, acabando por oferecer uma experiência um pouco diferente da campanha Judgment, sem nunca se destacar terrivelmente perante aquilo a que já nos habituamos a jogar.

Em termos de jogabilidade, este Gears não foge à qualidade da série, com pequenas alterações nos controlos ao nível da selecção de armas (eliminação do D-Pad), do botão de “pontos de interesse” e das granadas que são agora muito mais acessíveis de usar. De um modo geral, a jogabilidade mantém-se afinada, mas com os mesmos problemas que o jogo sempre teve e que passados 7 anos começam a macerar-nos a paciência: o excessivo peso no movimento dos personagens, e a confusão que se pode gerar em espaços mais apertados, em que as rotinas dos NPCs entram um pouco em colapso. De qualquer forma, uma palavra de apreço para a Kilo Squad, na forma quase perfeita como se apressam a salvar o jogador quando este está tombado.

A força dos Locust enquanto antagonistas é abraçada em Judgment, tendo em conta que as forças Lambent ficam para trás, mesmo na campanha Aftermath. O jogo procura ainda estabelecer o General Karn como o vilão implacável a temer, mas a sua presença é na realidade bastante escassa e nunca o sentimos como uma verdadeira ameaça, talvez pela forma pouco eficaz que o jogo tem em nos envolver na estória. O jogo apresenta ainda alguns soluços no seu polimento, coisa que era muito rara nos jogos anteriores, concretamente no pop-up de texturas em algumas localizações interiores, e em especial nos modos multijogador, em que nos habituamos a ver paredes brancas a ganharem subitamente cor e personalidade. Ou em determinada secção, onde me vi obrigado a reiniciar um checkpoint pelo facto ter eliminado todos os Locust, mas o jogo não progredir para a secção seguinte. Não mata, mas moí um bocadinho.

Heads up!

Heads up!

 

Gears of War Judgment é assumidamente uma experiência cooperativa e competitiva. É na partilha do desafio com outros jogadores que o jogo mostra os seus trunfos, tanto nas campanhas, como nos novos modos competitivos que introduziu. Temos finalmente o modo free-for-all, um clássico que tardou a chegar, mas é no modo OverRun que Judgment mostra os dentes. Temos a possibilidade de escolher uma classe Humana ou Locust, com classes adicionais desbloqueáveis durante cada partida, à medida que somamos pontos. O jogo oferece as dinâmicas de jogo tradicionais como a colocação de Turrets, o Healing ou o Scouting, mas com o pedigree muito próprio da série. E apesar do balanceamento não ser perfeito (e algo que pode ser facilmente ajustado à posteriori) a verdade é que OverRun é uma lufada de ar fresco. Só é pena que as classes não sejam transversais a alguns outros modos. Horde e Beast não estão presentes, com um modo de sobrevivência também com classes a manter a jogabilidade por Waves de boa saúde na secção competitiva do jogo.

A qualidade da campanha Judgment está na mecânica Declassify e na importância (e intensidade) que o trabalho em equipa tem nos desafios. A maior parte dos modificadores traz frescura ao jogo (como a redução da visibilidade ou sermos obrigados a usar apenas caçadeira) e a introdução de secções com Waves de inimigos também contribui para que esta iteração tenha uma aura um pouco diferente dos restantes jogos. No entanto, acaba por existir alguma repetição nos conteúdos e desafios à medida que progredimos, e ao jogar a campanha Aftermath, é provável que se sintam muito mais em casa do que com Judgment.

O melhor: A introdução de classes nos modos competitivos, e os novos modos mutijogador; jogar a campanha cooperativamente continua a ser muito satisfatório; a variação de inimigos na campanha Judgment, quando repetimos a mesma secção; a mecânica Declassify e os modificadores que introduz na experiência.

O pior: Narrativa muito fragmentada pela estrutura de progressão e mecânicas que a campanha introduz; modificadores Declassified algo repetitivos; campanhas menos inspiradas levam a que jogar em modo singleplayer não seja tão interessante como nos jogos anteriores; alguns problemas de polimento.

Gears of War Judgment oferece boas razões para ser jogado com amigos, com uma estrutura de progressão claramente voltada para os modos multijogador. A introdução da mecânica Declassify e as secções com waves de inimigos são exemplo disso mesmo, do foco do jogo no desafio e na dinâmica de jogo entre mais do que um jogador. Este facto leva a que a narrativa seja mais fragmentada e também menos envolvente, em especial se jogarmos sozinhos. Judgment peca ainda por ser um pouco repetitivo nos desafios que nos apresenta e por ter secções de jogo que são menos inspiradas do que os seus antecessores, apesar do excelente sistema de spawn de inimigos dinâmico. Se procuram mais jogabilidade Gears of War, esta nova entrada vai satisfazer o vosso anseio, e talvez até vos surpreender com a introdução de classes no mutiplayer. Mas não deixa de ficar a impressão de que este Gears poderia muito bem ter sido um valente DLC, em lugar de um título standalone.

 

Gears of War: Judgment é um exclusivo Xbox 360.