Operação don’t stop.
Existem nomes de vilas e cidades que se repetem constantemente. Não falamos dos casos insólitos como Pés Escaldados em Arganil ou Vila Nova do Coito em Santarém, mas outras como Carvalhal, Valverde ou Pinheiro repetem-se ao longo dessas estradas. No caso dos Estados Unidos (e de outros lugares Anglo-Saxónicos) Fairhaven é um dos nomes de cidade que mais se repete e que cada Estado tem a sua. No entanto, nenhuma delas se assemelha à Fairhaven criada pela Criterion que embora seja normal na sua arquitectura e traçado, está repleta de corridas loucas nas suas ruas, seja qual for a hora do dia. Sim, pior do que Lisboa.
Need for Speed: Most Wanted (MW) é o regresso a um dos títulos mais emblemáticos da série mas tem muito mais de outro jogo da produtora do que da série Need for Speed. Antes de terem desenvolvido um dos melhores NFS de sempre com Hot Pursuit, a Criterion era famosa pela série Burnout, onde as corridas eram carregadas de adrenalina em estradas povoadas e principalmente pelos imponentes acidentes em câmara lenta. Em 2008, a série embarcou numa nova experiência com Burnout Paradise, apelidado por muitos como o Grand Theft Auto só com carros. Em Paradise, a cidade era um mundo aberto por onde podíamos conduzir livremente e aceitar desafios de corrida espalhados pelo mapa.
Most Wanted é, verdadeiramente, a sequela de Paradise. É o regresso a um mundo aberto recheado de eventos de condução para aceitar e carros para desbloquear. Mas não é mais do mesmo, principalmente porque as mecânicas de condução de MW foram afinadas a uma quase perfeição arcada, o que não acontecia com os veículos demasiado soltos e incertos de Paradise. O balanço entre uma condução realista e uma mais solta e divertida é aqui conseguido por anos e anos de experiência a criar jogos de condução, com cada um dos cerca de 50 carros a ter um comportamento cheio de personalidade. Para alguns esta poderá ser uma lista pequena de veículos mas a selecção consegue englobar vários estilos de condução com veículos existentes no mundo real: desde um Range Rover Evoque a um Aventador, de um Lancia Delta a um Nissan GT-R, ou de um Tesla Roadster a um Caterham Superlight, existem aqui praticamente todos os géneros de condução desportiva. O facto de ter uma lista reduzida de veículos faz com que cada um esteja não só afinado como modelado ao pormenor.
O jogo começa em andamento e do genérico passamos para uma sequência controlável sem interrupção mas é quando paramos que começamos a sentir a experiência Most Wanted. Do ralenti dos motores que se sentem na vibração do comando, à poeira e sujidade que vai desaparecendo gradualmente do ecrã MW está sempre a convidar-nos a acelerar e disparar pelas ruas. É um jogo que pelo seu mundo e elementos detalhados convida tanto à velocidade como ao estar parado a observar o que nos rodeia. Quando o fazemos, escutamos os sons da cidade, de motor desligado, chegando a ouvir a música que vem do interior dos carros que passam por nós. Mas assim que premimos o gatilho analógico, as luzes e o motor ligam-se, o comando vibra e aí vamos nós acionar aquele que é um dos travões de mão digitais mais perfeitos de sempre e gastar asfalto invertendo a marcha com o nosso Carrera. A melhor experiência de Most Wanted é a sensação de liberdade que o jogo nos oferece: à nossa maneira, ao nosso tempo, pela nossa ordem.
Se é certo que devemos começar eventos mais fáceis antes de avançar para as dificuldades avançadas, as opções estão quase sempre disponíveis à partida. Os carros estão todos desbloqueados desde o início do jogo e para isso só precisamos de os encontrar no mapa. Percorremos as excelentes zonas de montanha, túneis, ruas da cidade, zonas industriais, naquela que é uma construção de cidade perfeita pois mesmo que não seja de uma dimensão muito grande tem o desenho e separação das zonas muito equilibrada. Sentimos a cidade como um todo e rapidamente aprendemos a deslocar-nos sem a necessidade do mapa. Por estes caminhos procuramos os veículos estacionados e de cada vez que entramos num temos acesso a corridas específicas espalhadas e assinaladas no mapa. O mapa funciona bem para a escolha de eventos mas infelizmente não permite assinalar um local de destino sem objectivo específico.
As corridas não são fáceis e este é um dos pontos mais positivos de MW, pois grande parte obriga-nos a aprender o seu traçado. O jogo ajuda-nos com os cruzamentos sem obstáculos, de forma a podermos cortar a trajectória, mas normalmente perdoa um número muito pouco limitado de erros. As corridas estão ligeiramente em guião mas não de forma forçada, e após dois ou três erros em dificuldades maiores o melhor é mesmo reiniciar a corrida. O facto de não aparecerem indicações de direção (embora estejam assinaladas no mapa do interface) faz com que as primeiras tentativas sejam caóticas e muitas vezes terminem connosco na parede mais próxima. Esses momentos são belezas visuais na célebre tradição Burnout com uma enorme destruição em câmara lenta. Mas este é um mundo de faz de conta, o Senhor é o meu pastor, e a mão divina coloca os carros a funcionar em segundos.
Aquilo que falta às corridas é uma indicação de quais os upgrades aconselhados para cada corrida. Ao contrário de outros jogos do género, Most Wanted não permite optimizar automaticamente os carros para as especificidades de cada prova o que por vezes implica recomeçar várias vezes as corridas com opções diferentes. Isto até se justificaria numa experiência de maior simulação mas num género mais arcada seria bem-vinda a possibilidade de optimizar e escolher se queremos começar com um corpo mais leve mas mais propenso a danos, pneus de estrada ou terra, aerodinâmica ou outros de forma automática. Alguns dos upgrades têm de ser escolhidos depois de se aprender pela primeira tentativa o estilo da corrida. Por exemplo, se têm polícia, então é melhor colocar pneus anti-furo mesmo que isso penalize o comportamento de viragem.
A polícia é uma das maiores diversões de Fairhaven e esta não brinca em serviço. Muitas das corridas envolvem ter as autoridades no nosso encalço mas, finalmente, não só nos perseguem a nós como a todos os marginais em prova. É muito provável por vezes ignorarem-nos para tentarem deter um adversário à nossa frente. Quanto mais fugimos mais polícia vamos tendo no nosso encalço, assim como os tradicionais bloqueios. Uma vez detectados, é difícil livrarmo-nos e isso acaba por ser um bom jogo dentro do jogo. Só é pena que a polícia entre em alerta quando ultrapassamos o limite de velocidade mas ache perfeitamente aceitável conduzir em contramão na auto-estrada. Já ouvir as comunicações extremamente realistas entre os vários polícias e a central é um prazer para os ouvidos.
Tudo isto para o objectivo máximo de nos picarmos no sinal mais próximo com os 10 condutores mais procurados. A experiência que vamos ganhando ao longo do jogo vai desbloqueando estes eventos finais de maior dificuldade, nos quais é crucial escolher o carro certo se quisermos bater e ganhar o carro adversário. Esta experiência pode ser ganha com tudo o que fazemos desde tempo em drift, a tempo de condução, a tempo de velocidade máxima e outros desempenhos que se associam a uma mecânica viciante de confronto com o que os nossos amigos online fizeram no jogo. Tudo em Most Wanted está a ser registado e confrontado constantemente com o que outros jogadores fizeram. É muito provável darmos por nós a tentar passar num radar constantemente até batermos o tempo das nossas companheiras na lista de amigos.
O Easy Drive e o Autolog 2.0 são os responsáveis por esta gestão. Sempre presentes no interface são muito confusos nas primeiras horas de jogo mas assim que percebemos o seu funcionamento permitem aceder aos eventos, trocar de carro ou comparar pontuações de uma forma extremamente rápida.
O maior defeito de Most Wanted é o posicionamento da câmara na primeira pessoa. Colocada praticamente colada ao asfalto torna o jogo quase impossível de controlar. A perspectiva tradicional na terceira pessoa (neste caso no terceiro carro) acaba por ser a única opção viável no jogo, o que limita aqueles que queiram uma experiência mais visceral. A apresentação de certas informações no ecrã retira também a visibilidade na corrida e deveria ter sido escolhida uma área menos intrusiva no ecrã. Outro ponto muito negativo é a banda sonora desinteressante e aborrecida que contrasta com os excelentes efeitos de som do jogo.
O multijogador é a componente mais bipolar de Most Wanted. Muito além dos tradicionais confrontos de corrida, introduz modos de jogo divertidos e nalguns casos até geniais. Existem corridas por equipas ao género Team Deathmatch, existem despiques de maior tempo em Drift, corridas em que todos têm que saltar o mesmo obstáculo mais longe ou tentar passar pela mesma câmara mais rápido. Isto por vezes provoca um caos de carros que vicia e torna imprevisível qualquer corrida, mesmo contra os melhores jogadores. É no entanto uma genial variação de rei da montanha que ganha o ouro, onde temos que saltar para um ponto alto do mapa e ficar parado nesse ponto o maior tempo possível. Agora imaginem vários carros a tentarem fazer isso num local onde só cabem dois. O grande problema do multijogador é que os modos são aleatórios. Temos que juntar-nos a listas de eventos de outros jogadores que podem ter apenas os modos que menos gostamos. Claro que podemos criar a nossa própria lista mas depois temos de esperar que se juntem jogadores suficientes, o que pode demorar muitos minutos. A incapacidade de não podermos jogar apenas os eventos que mais gostamos é extremamente limitativa. Isto junta-se à ingrata possibilidade de pagar cerca de 10 euros por um DLC que desbloqueia logo à partida todos os carros. É uma regra de ouro do multijogador que aqui está a ser atirada ao asfalto.
O melhor: A condução equilibrada entre a diversão e o realismo; As perseguições; Fairhaven; Os modos multijogador; A quantidade de eventos; A “rede social” interna do jogo; Os genéricos dos eventos Most Wanted
O pior: A câmara na primeira pessoa impossível de jogar; Ausência de optimização automática de upgrades; Banda sonora desinspirada; Impossibilidade de jogar apenas os modos multijogador que pretendemos; A relação preço/qualidade dos DLC.
Need for Speed: Most Wanted não inova o género mas afina-o quase à perfeição. O jogo da Criterion é um sucessor espiritual de Burnout Paradise e aproveita tudo o que o original acertou, acrescentando e melhorando em quase todas as áreas. Com um equilíbrio perfeito entre diversão e realismo e recheado de eventos, é no entanto nas suas mecânicas de rede social que reina muito do divertimento e brilho do título. Os modos multijogador infelizmente não permitem a sua escolha quando queremos mas todos eles são recompensadores e com um “rei da montanha” a ser genial. Faltou um pouco mais de inovação em relação a Paradise mas Most Wanted não deixa de ser a nova referência no género de condução em mundo aberto.
(Versão analisada: PlayStation 3. Também disponível em PC, PS Vita, Xbox 360 e Wii U)