Sadomasoquismo Digital
Assim que foi anunciada a data de lançamento de Monster Hunter 3 Ultimate na Europa fui invadido por duas emoções contraditórias: extrema alegria, seguida imediatamente de preocupação e amargura, porque Monster Hunter é no fundo um time-waster glorificado sem narrativa nem objectivo bem definido. E eu adoro cada segundo do jogo.
MH 3 Ultimate é um port da versão Wii de Monster Hunter Tri, no entanto o conteúdo que foi adicionado é tão significativo que tem que ser tido como um jogo separado isolado de Tri. Esta nova versão apresenta-se para Nintendo 3DS e Wii U com uma pintura HD, multiplayer online, multiplayer local, e cross-play entre as duas plataformas. Tal como os títulos anteriores, MH 3 Ultimate foi desenvolvido pela Capcom em parceria com a Nintendo sob os olhos atentos e as bocas espumantes dos mais ansiosos e obsessivos fãs da série – os japoneses.
Apesar do nome Monster Hunter parecer um familiar afastado de Pokemon, a jogabilidade e filosofia deste jogo não podia estar mais distante da infantilidade e dos diálogos de vinte minutos característicos de JRPGs. No entanto o jogo é muito japonês, no sentido que o desafio é o único objectivo e respectiva recompensa durante toda a duração do jogo.
Em Monster Hunter o jogador atravessa terrenos povoados por monstros e natureza selvagem com o intuito de cumprir os objectivos duma Quest. Estes objectivos consistem normalmente na recolha de uma planta especifica ou na chacina de um mega-monstro que abita esta área, e pelo caminho o jogador é incentivado a matar outros monstros ou recolher outras plantas menos raras. Quando acaba uma Quest a jogadora ou o jogador voltam a uma área segura tipo cidade, na qual podem comprar suplementos e – a alma do jogo – fazer crafting de armaduras e armas com os materiais recolhidos. Parece suficientemente simples para qualquer jogador, mas na verdade é bastante mais complicado do que parece.
A mecânica de combate do jogo é o grande problema para novos jogadores – e mesmo para veteranos da série – pois esta é difícil de controlar e impossível de dominar. O controlo desta mecânica é só conseguido com um equilíbrio frágil entre os seguintes elementos fundamentais do jogo: o tempo que as animações demoram a acontecer na sua totalidade; a delicada afinação da posição e direção que um ataque tem, pois armas como a Long Sword têm uma área de ataque muito reduzida; o reconhecimento dos padrões de ataque e defesa do nosso oponente monstruoso; e uma rápida alternação entre ações ofensivas, defensivas e o uso de itens. Pode parecer complicado, mas confiem em mim, é ainda mais do que pode parecer.
O jogo pode parecer despropositadamente difícil, principalmente quando se está a dar os primeiros passos, mas há poucas coisas no mundo dos pixels mais recompensantes que depois de uma batalha de horas – literalmente horas, não é uma hipérbole – conseguir derrotar um Dragão do tamanho dum Boeing 787 , e ainda o esfolar e fazer uma armadura com as suas escamas!
Esta sensação de satisfação é a razão porque existe uma comunidade enorme de jogadores desta série, abrangendo até donas de casa e crianças com idade escolar – ambos no Japão, claro. Este tipo de paixão pelo jogo incentivou os jogadores veteranos a escrever vários guias e wikis para ajudar os novatos, fazendo assim crescer a comunidade.
Uma comunidade que é também altamente protegedora dos valores da série, por vezes até demasiado. Até alterações que parecem óbvias, como escolher um tipo de letra mais legível para o jogo, são rejeitadas pela comunidade e em retorno pela editora – que pretende manter a comunidade satisfeita. Isto encaminha-nos para a eternamente debatida questão do Lock-On.
A câmara de Monster Hunter é sem dúvida a segunda maior dificuldade do jogo – depois do sistema de combate – pelo simples facto que não tem Lock-On nos monstros que estamos a combater, e estes monstros mexem-se muito(!), chegando mesmo a fugir para outras secções da área. Mas mais uma vez os criadores optaram por dar ouvidos à comunidade de veteranos e não alterar este mecanismo, pois defendem que é uma das características básicas do jogo e que o torna único.
A característica principal da versão MH 3 Ultimate é sem duvida o multiplayer, com a capacidade de cooperação com outros jogadores a ir ao encontro do espírito da série. Mas existem alguns problemas com esta nova implementação: a interface é demasiado complicada e intimidante; as funções adicionadas ao longo do jogo são pouco evidentes e explicativas de si próprias; a comunidade MH na europa ainda não é tão emergente como no Japão e nos Estado Unidos; as funções de streetpass não funcionam de todo em Portugal, sejamos sinceros, quantas pessoas conheces que joguem MH? Exatamente, nenhuma!
Não consigo explicar na totalidade o que atraí jogadores – como eu – para esta série, mas acredito que seja algo de similar ao sadomasoquismo. Quando um novato começa a jogar MH a reação é sempre igual, têm a sensação que estão a jogar um jogo partido e com maus controlos que é impossível de jogar. Mas para aqueles que insistem e perduram torna-se evidente que tudo isto é propositado, tal como não é fácil manobrar uma espada de três metros na vida real, também não o é no jogo. A sensação de domínio e controle vem passadas largas horas de gameplay, e mesmo assim nunca se torna fácil derrotar um boss, apenas se torna possível.
O melhor: A satisfação que vem depois de superarmos um desafio titânico e podermos fazer casacos da pele do nosso inimigo; A integração na enorme comunidade de fás que existe da série, que se ajudam mutuamente e partilham uma grande paixão por MH.
O pior: Começar; Se conseguirem obrigar-se a jogar as primeiras horas do jogo vão ver que não tarda estão completamente viciados, porque começam a conseguir ter algum controlo. Mas o difícil é começar.
Monster Hunter 3 Ultimate é um grande jogo que favorece os persistentes e os obsessivos. Não é um jogo que tenha tutoriais suficientes para que os jogadores novos para a série a percebam, mas tem algo melhor: uma comunidade emergente que aumenta de jogo para jogo com vontade de ajudar os novatos, para que mais pessoas percebam e apreciem o génio da série Monster Hunter. Apesar disto entende-se perfeitamente que algumas pessoas não gostem da série, pois nem toda a gente pode/quer sacrificar bastantes horas do seu dia até conseguir perceber e controlar o jogo. Afinal de contas nós estamos habituados a jogos intuitivos e autoexplicativos que nos levam de mão-dada pelos primeiros níveis e nos guiam para o sucesso. De qualquer forma incentivamos todos os jogadores que tenham curiosidade para com o jogo a experimentarem – a demo disponível na e-shop por exemplo – e tirarem as suas próprias conclusões. Mas avisamos mais uma vez que os primeiros tempos de jogo vão ser dolorosos. Para os veteranos desta série não há nada que lhes possamos dizer que os convença a não jogar, e isto diz muito sobre Monster Hunter.
(Monster Hunter 3 Ultimate é um exclusivo Nintendo Wii U e Nintendo 3DS)