O chaveiro mais épico de sempre.

Sempre que existia um novo lançamento da série Kingdom Hearts, eu fazia uma nota mental: “tens de jogar isto”. Por demasiadas vezes comecei o primeiro jogo sem nunca ultrapassar o par de horas. E mais uma vez Kingdom Hearts lá ia ganhando pó nas prateleiras, a ser esquecido nas mudanças e arrumações, ou a ser sufocado por dezenas de lançamentos que ocorreram nesta última década. Kingdom Hearts 3D – Dream Drop Distance, sétimo jogo da série, é para mim o primeiro. E se o meu receio de pegar no último título lançado, e sentir-me perdido num jogo com a densidade e volume narrativo da Enciclopédia Larousse falava mais alto, a realidade é que esse mesmo receio cedo foi esfumado pela abrangência do jogo. Nenhuma série, em especial uma que conta com um número elevado de títulos como Kingdom Hearts, pode correr o risco de construir mundos apenas acessíveis aos jogadores que fielmente acompanharam esta história em multi-plataformas. E é para os novos jogadores (como eu) e mesmo para os mais fiéis que este Dream Drop Distance vai desbloqueando flashbacks de leitura/visionamento opcionais em formato vídeo ou textual, para compaginar o jogador com referências narrativas que vão sendo introduzidas ao próprio jogo.

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Dumbo, és tu?

 

Ultrapassada a estranheza inicial de combater com um cruzamento de espada com chave, a Keyblade, o elemento que é uma das bases conceptuais, o ritmo com que as mecânicas de combate e de movimentação são introduzidas permitem-nos uma habituação progressiva ao próprio jogo. E ao ver esta Keyblade, pensei certamente nas Gunblades de Final Fantasy VIII, e na possibilidade da Square Enix fazer um dia um crossover com Mario da Nintendo e a sua Espada-Desentupidor de Canos – Plungerblade – de direitos autorais atribuídos a mim. Como Action RPG que é, este KH possui dos combates mais fluídos e interessantes que já experimentei, sendo que as inovações introduzidas à série colocam as cenas de combate a uma alucinante velocidade que roça a perigosidade de causar transtornos epilépticos.

Flowmotion, uma das duas mecânicas introduzidas atribui este aumento vertiginoso de combate: é-nos possível utilizar o cenário (paredes, postes, ou mesmo inimigos mais volumosos) para desencadear ataques especiais de alta velocidade, o que fora de combate nos permite também atravessar mapas como um Flash cor-de-rosa, a deslizar em corrimões à velocidade da luz (o sonho de qualquer skater, convenhamos). E visto que percebemos que estamos numa realidade onírica, é-nos possível “dobrar” a realidade através de Reality Shifts: com a interacção certa podemos, mediante o mundo em que estamos, jogar um mini-jogo que desbloqueará partes do mapa ou em combate dar um dano considerável. A diversidade destes mini-jogos têm uma abrangência curiosa, indo desde uma simulação de fisga no primeiro mundo, até algo que se aproxima (e muito) da mecânica de Elite Beat Agents no mundo dedicado ao filme Fantasia.

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Ao eliminar todas as cópias de Tron: Legacy.

 

Altamente impressionante é também a longevidade do jogo. Grande parte deste factor deve-se à opção da Square Enix/Disney em criar a narrativa em dois momentos paralelos: jogamos alternadamente com Sora e Riku, os protagonistas da série. O método para esta alternância acarretou algum risco: enquanto jogamos com um dos personagens na sua storyline, temos uma barra rosa que mede o Drop ou seja, a habilidade que temos a qualquer momento de trocar entre personagens e deixar o anterior em animação suspensa. Mas a qualquer altura, incluindo a meio de boss fights, é possível que a barra chegue ao limite e sejamos obrigados a trocar para o outro protagonista. Esta é a opção mais estranha de nos adaptarmos, mas acredito que tem duas razões de existência: por um lado impedir que nos foquemos excessivamente num personagem em detrimento de outro, e por outro para criar ao jogador uma gestão de tempo de exploração e combate.

Dream Eaters, as criaturas que combatemos, são também um piscar de olhos à série Pokemon. Para além da complexidade (que não é pouca, mas é muito bem conseguida) em toda a jogabilidade de KH, a nossa party é também composta por Dream Eaters, criaturas que criámos a partir de receitas encontradas ou de descoberta de receitas secretas por combinação de ingredientes. Num notório “gotta catch ‘em all” e “gotta level ‘em up all” temos dezenas de criaturas diferentes para coleccionar e para nos auxiliarem em combate com habilidades passivas ou activas. Não podemos controlar directamente estas habilidades, tendo em conta que são de acção definida pela AI dos Dream Eaters. Ideal também para quem vive em apartamentos e tem pouco espaço para animais domésticos, visto que graças aos cartões de Realidade Aumentada é possível brincarem com os vossos Dream Eaters aumentando assim a vossa afinidade.

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That’s what she said! BAM!

 

A magia que nos traz um ambiente amplamente herdado de Final Fantasy com as figuras imortais do universo criado por Walt Disney, tem aqui o seu expoente máximo: na qualidade das animações e dos modelos de personagem, do detalhe dos mundos Disney tão díspares como Tron e Pinocchio; na qualidade e esforço dedicados à modelação dos personagens, quando vemos o personagem Jeff Bridges (tanto como Kevin Flynn, como CLU); e na beleza gráfica e excelente lip-syncing, que demonstra as enormes potencialidades visuais da 3DS.

É um jogo com alguma longevidade, atingindo perto de 25 horas de jogo na primeira volta, que demonstra uma densidade e dificuldades interessantes e que se ajustam em perfeição à quantidade de mecânicas diferentes implementadas no jogo.

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Jeronimooooooo!

 

O melhor: O mundo de Walt Disney num outro contexto; Diversidade de mecânicas e a qualidade das mesmas; Densidade da história que não é superficial; Brilhantismo visual que eleva a 3DS a outro patamar.

O pior: A facilidade da maioria dos combates após o domínio das mecânicas; A escolha de feitiços/habilidades ser efectuada pelo D-Pad.

O mais recente episódio de Kingdom Hearts mostra em todo o esplendor o porquê da enormíssima legião de fãs que dispõe. É de muito fácil acesso a novos jogadores, com a capacidade de submergi-los no enredo sem os largar. Mostra também mestria na forma como desenvolve mecânicas de combate e de exploração que se interligam com uma eficácia extraordinária, de mediana dificuldade de acesso, mas altamente compensatórias quando dominadas. Este Dream Drop Distance é notoriamente uma óptima porta de entrada na série e que estende o tapete vermelho ao tão esperado Kingdom Hearts III, aguardado em histérica ânsia pelo exército de seguidores que criou nesta década de existência. Ganharam mais um soldado para essas fileiras.

 

(Kingdom Hearts 3D: Dream Drop Distance é um exclusivo Nintendo 3DS)