Vários jogos artísticos ou conceptuais são muitas vezes classificados como experiências interactivas e não como jogos. Este é um enorme debate que já fez correr muita tinta e muitas palavras sem grandes consensos. Uma das pistas que nos pode levar a uma conclusão é analisar as definições do que é jogar digitalmente.
A definição de um dos mais conceituados dicionários, o Merriam Webster, fornece uma definição que se mostra muito datada mas óptima para este debate: “um jogo electrónico jogado por meio de imagens num ecrã, quase sempre enfatizando a acção rápida.” Esta era a ideia no passado, quando a indústria ainda aprendia a ser uma indústria, do que era um videojogo. E ainda hoje, nas apostas milionárias, esta acção rápida é muitas vezes posta em confronto com as vontades dos criadores em criar algo com mais significado. Alguns conseguem afirmar-se entre as vozes das salas de reunião dos accionistas e equilibrar as coisas como em Bioshock Infinite. Outros recorrem a equipas pequenas e orçamentos menos arriscados para criar Journey ou Papo & Yo.
Com a enciclopédia Britannica, o dicionário Oxford e a Wikipedia a entregarem definições apenas baseadas na interacção técnica humano-hardware, experimentemos uma abordagem totalmente diferente com a definição de brincar: “Participar numa actividade para satisfação e recreação em detrimento de um acto mais sério e com propósito prático” e juntemos a definição de jogo: “Uma forma de brincar ou um desporto(…) competitivo praticado segundo regras e decidido por habilidade, força e sorte”. Ou seja, tudo nesta indústria está montada até por definição do senso comum para Call of Duty e Farmville. Mas os números provam-no que há espaço para o tal jogo experiência, o tal que não tem o ritmo frenético, grafismo visceral e competição desenfreada. As vendas dos indies contam outra história.
Na senda de The Graveyard, The Stanley Parable ou de Dear Esther, a produtora espanhola Mr. Roboto lançou gratuitamente a sua tentativa no jogo experiência. Hope conta a história que ninguém contou. Quantas vezes a princesa foi raptada? Quantas vezes fomos chamados a salvar a princesa, a bater esqueletos, dragões e orcs? Quantos saltos demos, quantos canos descemos e quantas bolas de fogo atirámos para chegar finalmente ao castelo e no final tomar a princesa nos nossos braços? Mas Hope pergunta outra questão: e durante esse tempo todo, o que aconteceu à princesa? Hope é a história da princesa enquanto prisioneira.
O jogo desenrola-se em 6 dias reais, 5 minutos de cada vez. Podemos controlar a princesa trancada no seu quarto na torre do castelo, enquanto ouvimos os seus pensamentos em voz alta. Na realidade, não há nada mais que possamos fazer para além de ouvir os nossos pensamentos e caminharmos lentamente em redor da nossa prisão. Os dois únicos controlos disponíveis para além da direcção são o chorar e o suspirar. Ao longo dos 6 dias, entre cada momento da aventura, assistimos ao progresso do príncipe através de narrativa em texto e de um resultado final de cada nível vencido, muito ao estilo dos jogos dos anos 80. Mas é na história da princesa que tudo reside e na densidade e profundidade que esta vai tomando que reside a novidade deste jogo contemplativo.
A estória madura e adulta, a viagem psicológica, as transformações no interior da princesa fazem de Hope uma aventura que todos devem experimentar e abrem pistas para futuras narrativas. A força narrativa está lá, com dois finais alternativos, e é só pena que um dos finais seja tão feliz. Esta estória merecia terminar na ironia dramática que vai construindo ao longo dos dias em que em jogada. Esta é a história que faltava contar.
Hope está disponível gratuitamente para iOS, Android ou para jogar no browser.
NOTA: As imagens abaixo são tiradas ao longo dos seis dias de aventura e contêm vários SPOILERS. Se querem experimentar a estória na sua totalidade voltem cá a seguir para relembrar o que viram.